Josy Brasil: após perder concurso do Ilê, cadeirante se torna Rainha do Muzenza

Grávida de quase três meses, Josy foi coroada pela cantora Daniela Mercury na última quarta-feira (13)

  • Foto do(a) author(a) Rafaela Fleur
  • Rafaela Fleur

Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às 16:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO
. por Foto: Divulgação

Animação e ansiedade. Esses eram os sentimentos de Josy Brasil, na noite da última quarta-feira (13), quando a jornalista e empresária, grávida de quase três meses, estava indo para o Baile Afro do bloco Muzenza, na Praça Tereza Batista, no Pelourinho. Fã de Daniela Mercury, queria apenas acompanhar o show da artista, a quem chama de rainha. Porém, não imaginava que, naquela noite, a coroa descansaria na cabeça de outra. Por volta de 00h, a cadeirante de 35 anos foi coroada, de surpresa, a nova Rainha do Muzenza. 

“Ele [Carlinhos Soares, assessor do Muzenza] me chamou para ver Daniela, fui pra isso, pra curtir. Não sabia de nada, me esconderam direitinho”, comenta ela, que considera esta uma vitória para todas as pessoas que possuem alguma deficiência.“Não estou pensando apenas em mim, quero que olhem para nós. É muito difícil se locomover, ter autonomia. Queremos ser livres”.Chamar atenção para as necessidades dos deficientes físicos é justamente a maior pretensão de Josy. Há pouco mais de um ano e meio, a baiana, nascida em Alagoinhas, sofreu um acidente grave em Milão, na Itália, onde morou durante os últimos 14 anos. Uma colisão lesionou mais de cinco vértebras da moça e a deixou paraplégica. Pouco tempo depois, retornou ao Brasil - e confessa que notou as dificuldades.“Temos muito para aprender com outros lugares sobre acessibilidade e estou disponível para ensinar a quem quiser. São coisas simples, baratas para o governo, mas que mudam vidas”.Veja imagens da noite de coração de Josy: [[galeria]]

O convite Recentemente, Josy, que sempre amou dançar e já se apresentou em toda a Europa, em alguns países da África e nos Estados Unidos, participou d’A Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê, concurso que elege a Deusa do Ébano do bloco afro do Curuzu.

Não venceu, mas fez história se tornando a primeira mulher com deficiência física a participar da competição, que existe há 35 anos. E, além disso, chamou atenção de quem ficou sabendo do acontecimento. 

Na mesa de um tradicional bar no Pelourinho, entre uma dose e outra, Jorge Santos, presidente do Muzenza há 12 anos, dentre os 38 do bloco, ouviu falar de Josy. Na ocasião, alguns amigos, também integrantes do bloco, comentaram o caso e elogiaram a beleza da moça. “Não disse nada, fingi que nem estava escutando, mas na mesma hora tive certeza que precisávamos chamar aquela menina”, revela.  De surpresa, Josy foi coroada rainha do bloco Muzenza  Foto: Evandro Veiga/CORREIO Representatividade no Carnaval Rainha escolhida e devidamente coroada, fica o que questionamento: como tornar o Carnaval mais acessível para que pessoas com deficiência consigam se deslocar? De acordo com Jorge, pelo menos com o Muzenza, o compromisso está firmado. “Queremos que nossos ensaios, nossas festas, sejam para todos. Nossa rainha terá autonomia e estamos nos esforçando para melhorar sempre”, conta ele, destacando que a sede do bloco, no Pelourinho, já possui as adaptações necessárias. 

“Ano passado passei meu primeiro Carnaval em Salvador e não foi tão simples. Precisei ficar ligando para vários lugares para me informar, pois as informações não estavam disponíveis. Tive alguns obstáculos, isso é chato”, declarou Josy.

No concurso do Ilê, ela conta que a sede, localizada no Curuzu, foi modificada para que ela pudesse entrar. Porém, revela que, em dias normais de festa, já enfrentou dificuldades.“No dia da competição estava tudo adaptado, mas já frequentei outras festas no local que não estavam preparadas para cadeirantes”. De acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2010 e atualizado em 2012, cerca de 190 mil pessoas da população brasileira possuem algum tipo de deficiência motora permanente.

Para Risalva Telles, ex-presidente da fundação Cidade-Mãe e diretora geral da Unidade de Políticas Públicas para Pessoa com Deficiência (UPCD), estrutura da prefeitura de Salvador, a escolha de Josy como rainha do Muzenza é um importante marco na história do Carnaval soteropolitano.

“Eu fiquei extremamente feliz, liguei para a equipe para parabenizar. Esse reconhecimento é muito importante, é o propósito do nosso município, que isso sirva de exemplo. Queremos externar a nossa alegria e congratular esse resultado que é tão importante para a Bahia e para este segmento saindo com o Muzenza no Carnaval. Também estamos agendando uma visita à sede”, destacou Risalva. 

A diretora também comentou que ações para melhorar a mobilidade de pessoas com deficiência na folia baiana já estão sendo pensadas. “Soluções de locomoção, como uso de carros e traslados, já estão em andamento e negociação”. 

Rei do Muzenza há 14 anos, Siry Brasil confessa estar feliz com a escolha da nova parceira. “Ela é completa. Da coroa ao manto, não falta nada”. Este ano, ao lado de Josy, o bloco que completa 38 anos terá como tema Afrofuturismo - o mesmo do ano passado só que repaginado.