Jovem agredido por PMs já tinha sofrido com violência policial, relata mãe

Segundo ela, filho tem transtorno psicológico; PM foi afastado por abordagem no Santo Antônio 

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  • Bruno Wendel

Publicado em 7 de junho de 2018 às 17:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

As agressões sofridas pelo jovem de 21 anos no último domingo (3) no Largo do Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico de Salvador, não foram as únicas praticadas contra ele por policiais militares. Em entrevista ao CORREIO nesta quinta-feira (7), a mãe do rapaz disse que no dia 21 de julho do ano passado o filho foi duramente espancado. Além disso, no início do ano, houve uma busca ao rapaz, na casa da família, após um vizinho denunciá-lo por uso de drogas. A mulher explicou que o rapaz sofre de transtorno psicológico.

Por questão de segurança, não vamos revelar o nome da mãe do jovem, nem dele, tampouco o local da entrevista. A mulher concordou em dar entrevista, mas fez duas exigências: a primeira, de não ser identificada. O segundo pedido é que a entrevista esclareça o fato de seu filho ter reagido à abordagem mostrada em primeira mão pelo CORREIO.

Segundo ela, a luta do filho para não entrar na mala de uma viatura do 18º Batalhão de Polícia Militar (BPM/Centro Histórico) não foi à toa.“Foi uma série de acontecimentos, entre elas o fato de ele ter passado por ações violentas de policiais militares”, disse a mãe do rapaz.Um afastamento Apesar de o Departamento de Comunicação Social da PM ter informado, nessa quarta (6), que os policiais envolvidos na ação – dois soldados, um cabo e um subtenente – foram afastados, a informação foi retificada nesta quinta.  PMs tentam conduzir jovem pego com cigarro de maconha para delegacia; ele resiste e apanha (Foto: Reprodução) “O policial militar que se excedeu com [nome da grávida] foi afastado da atividade operacional e apresentado ao Departamento de Promoção Social para acompanhamento psicológico”, informou a PM, em nota. Além de atacar a gestante, o cabo também participa da abordagem ao rapaz.

Os quatro, no entanto, vão responder ao processo administrativo aberto na Corregedoria da corporação para apurar o caso. De acordo com a PM, o tempo médio de apuração deste procedimento é de 40 dias, prorrogável por mais 20 dias.

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Na frente de casa No dia 21 de julho de 2017, era aniversário da irmã dela e então fazia uns salgados, quando ela escutou os gritos de socorro do filho, que tinha saído de casa para conversar com um vizinho. 

“Quando olhei da janela, vi cinco policiais agredido meu filho, batendo, pisando nele; uma cena nada diferente da cena de domingo. Desci, implorei para largarem meu filho. Cheguei a ser agredida por um deles, que me jogou para dentro do meu prédio. Então, voltei ao meu apartamento, peguei meu celular e comecei a gravar as cenas, assim como as pessoas também fizeram no domingo. Foi quando tomaram o meu celular e levaram meu filho para a delegacia sem eu saber o porquê”, contou a mulher.

O rapaz e o amigo foram levados por policiais das Rondas Especiais (Rondesp) para a Central de Flagrantes, no Iguatemi. Quando chegou, a mulher soube através dos policiais que havia uma denúncia de que o filho dele estaria portando uma arma, o que não foi comprovado. 

Ela disse que mesmo dentro da delegacia os policiais lhe fizeram uma proposta no intuito de “liberar” o rapaz, mesmo não havendo procedência na denúncia.“Disseram: 'se você não for à Corregedoria e apagar o vídeo, seu filho sai daqui limpo'. Eu me senti acuada e estava desesperada e concordei. Só queria tirar meu filho dali. Agi errado em não dar procedimento à denúncia na Corregedoria, mas fiquei com medo, meu filho e minha família também ficaram amedrontados”, contou a mãe.Terceiro caso A segunda ação truculenta este ano aconteceu no dia 24 de fevereiro. Policiais do Pelotão de Emprego Tático Operacional (Peto) buscavam pelo rapaz, que não estava em casa.

“Eles pareciam que iam arrombar a minha porta devido à forma de como batia na porta. Quando abri, levei um susto: cinco policiais com fuzis perguntavam pelo meu filho e se negavam a dizer o motivo. Queriam que eu ligasse para eu vir, mas diante de muita insistência, eles disseram que meu filho tinha arranhando o carro do vizinho. Não acreditaram e reviraram minha casa para ver se encontravam ele. Como não o acharam, foram embora”, contou a mãe. 

Segundo ela, os policiais foram até sua casa porque um vizinho havia ligado para a companhia. “Ele (vizinho) é preconceituoso. Meu filho é usuário de drogas e ele não gosta, fica perseguindo ele, já apontou uma arma para outros usuários”, alegou.

Transtorno No último domingo, policiais do 18º BPM abordaram o rapaz de 21 anos por que ele estava com um baseado. Ele é usuário segundo a mãe.

“Acredito que usa desde os 17 anos. Desde lá, vem sendo uma batalha para mim, porque é muita dor para uma mãe, ele sendo discriminado, sendo olhado com outros olhos”, disse ela, que emendou: “O problema maior do meu filho não é a maconha, é psicológico. Hoje eu sofro também por que ele sofreu aquelas agressões. Ninguém sabe o que passa. Mas o psicológico dele ninguém tem conhecimento, ninguém sabe o que passo e que já passei”.

A mãe disse que vem buscando tratamento para o rapaz que, como qualquer outro doente, tem surtos psicóticos, mas também tem resistência.“Não posso levá-lo à força. Já conversamos várias vezes com ele, e ele quer se tratar, tem consciência disso, mas ele não consegue”, contou ela, emocionada.Quando perguntada sobre a frequência dos surtos e com como eles são, ela preferiu não entrar nos detalhes. “Os surtos não são diários... Eu não quero mais falar sobre esse assunto”, respondeu ainda bastante emocionada.

Dor e medo Então, o CORREIO perguntou como tem sido estes dias para ela e o filho. “Dormi é impossível. Mas não tem como ter em paz. Não há possibilidade. O medo nos aflige. Vem flash a todo momento na cabeça dele. Ele conta todos os flashs, todos delates que passou. Não tem descaço em nossa cabeça”, comentou.

“É muita dor. Todo mundo só conhece a capa do livro, mas ninguém sequer ler uma página do livro para saber o tamanho da dor, da aflição, do dia a dia... Usuário de droga precisa de tratamento, conversa, carinho, amor, e não de pancadaria. Eles precisam de ajuda, auxílio, não precisam de espancamento, de serem tratados como marginais”, finalizou.