Jovem cientista: estudante baiano desenvolveu projeto em casa

Morador da Zona rural de Caculé, adolescente sempre estudou em escola pública

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  • Tailane Muniz

Publicado em 1 de novembro de 2018 às 02:00

- Atualizado há um ano

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A quantidade de água potável utilizada para limpar e molhar os jardins do Colégio Estadual Norberto Fernandes, na zona rural de Caculé, no Centro-sul do estado, foi o que, de início, aguçou a inquietação do estudante Sandro Lúcio Nascimento Rocha, 17 anos, natural da região. Filho de agricultores, se há uma coisa que o adolescente nasceu sabendo, como brinca ele, é que a natureza, bem como seus recursos, devem ser poupados.  

O garoto, que sempre estudou em escolas públicas, se perguntou: "O que eu posso fazer para mudar esse desperdício dentro da minha escola?". A resposta veio em forma de uma ideia desenvolvida em cerca de dois anos, e tornou Sandro o segundo maior jovem cientista do país, entre estudantes do ensino médio. O baiano levou o 2º lugar no XXIX Prêmio Jovem Cientista, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao inscrever o projeto "Captação e o uso da Água da chuva no Ambiente Escolar - através de caixa feita a partir de garrafas pet e cimento ecológico da cinza da fibra do coco".

Embora o resultado só tenha sido divulgado na terça-feira (30), durante transmissão ao vivo na pagina do CNPq no Facebook, a vitória já é de conhecimento do estudante baiano há 15 dias, quando recebeu a ligação do diretor de Cooperação do CNPq, José Ricardo de Santana, que o parabenizou pelo projeto - todo realizado na casa de Sandro, uma pequena - e simples - residência, localizada na Fazenda Peri Peri Tapera.  

Para o jovem, que se inscreveu no prêmio no último dia de inscrição, em 31 de julho deste ano, a ficha ainda não caiu. Sandro, que é filho dos agricultores Luciana Nascimento, 42, e João Brito, 49, vai participar de uma cerimônia de premiação no dia 4 de dezembro, na sede do CNPq, no Palácio do Planalto, em Brasília, quando vai ser oficialmente agraciado com uma bolsa de iniciação científica, além de um notebook para facilitar outras investigações. Sandro desenlvolveu projeto de captação da água da chuva com material sustentável (Foto: Reprodução) "Na verdade, eu pensei e realizei o meu projeto para uma Feira de Ciências da escola em 2016. Via que meu colégio usava água potável em coisas desnecessárias. De lá para cá, fui aperfeiçoando, porque vi a necessidade de pensar em algo mais sustentável, que não só resolvesse o problema do desperdício da aula da escola, mas também alguns outros que notei aqui na minha cidade", explicou ele ao CORREIO.

Pet e coco O jovem cientista comentou que, em 2016, a ideia de captar água envolvia a utilização de uma caixa feita de cimento e tijolos tradicionais, o que, depois de algumas pesquisas feitas, já em 2018, concluiu que poderia se transformar em algo totalmente sustentável. "Apesar de termos cooperativas, elas não trabalham na zona rural, então é comum ver as garrafas pets ou sendo queimadas e deixadas ao solo, ou a céu aberto. A queima [das garrafas] emite gases nocivos ao meio-ambiente, o que influencia em outros danos".

Depois de concluir que as pets seriam a base ideal para montar a caixa e reter a água da chuva, Sandro levou uma outra questão: o cimento usado para unir a estrutura. Durante uma série de pesquisas sobre o ingrediente, o estudante encontrou uma receita biológica, feita por alunos de uma universidade, que sugeria trocar a madeira queimada, matéria-prima, pelo bagaço de cana queimado. "E aí eu fiquei pensando no que poderia substituir a cana. Daí lembrei do coco, que é muito encontrado na região. Tive certeza de que a fibra do coco daria certo, achei semelhante ao bagaço da cana. Aqui o pessoal desmata muito por causa da madeira e descarta os cocos em qualquer lugar. Foi um incentivo a mais pra mim.  Entrei em contato com essas fábricas de tijolos e telhas, entendi como eles fazem a mistura tradicional e iniciei os testes".O estudante comentou que encontrou algumas dificuldades na fase dos testes, pois não havia, no colégio, um laboratório apropriado. "Eu fazia tudo em casa, junto com minha orientadora, que supervisionou tudo. Também tive a contribuição de donos de fábricas da região, que me deram ingredientes, como gesso, pozolana, que é um tipo de pedra para dar a liga, e argamassa de cal", relembra.

Depois de fazer cimento mole demais, duro demais, de tirar um pouco daqui e colocar um pouco dali, enfim, a mistura da cinza da fibra do coco resultou no tão sonhado cimento biológico que o jovem cientista garante: funciona bem.  "Eu coloquei na água para ver se a mistura ficava impermeável, assim como o convencional". Logo depois da fase dos testes, que levou cerca de um mês, o jovem ficou sabendo do concurso do CNPq. Jovem foi orientado pela professora de Matemática Edjane Costa (Foto: Reprodução) Jovem cientista Orientadora de Sandro na Feira de Ciências da escola, a professora de Matemática Edjane Alexandre Costa, que dá aulas ao estudante há três anos, disse que sua participação no projeto foi um processo natural. Articuladora de investigações da escola, a professora disse que os cerca de 950 alunos do Norberto Fernandes "ficam doidos com qualquer coisa que envolva pesquisas".

Edjane, que vai acompanhar o estudante em Brasília, disse que o adolescente sempre se destacou nas atividades da Feira de Ciências - uma das datas mais esperadas pelos alunos. "A gente sempre incentiva muito a questão da investigação entre eles, mas ele sempre se destacou, porque é um menino muito dedicado, mesmo quando os docentes não cobram muito, ele se cobra", destacou a orientadora.

Aluno do turno matutino, o jovem dividia o tempo entre as aulas, a investigação do projeto sustentável e conseguia, ainda, dar uma mãozinha nas atividades agrícolas da família. "Nós testávamos sempre no turno oposto ao da escola, e com poucos recursos. Nós estamos muito realizados com essa conquista muito merecida por ele, que vem de família tão humilde".

Medicina Como um cientista profissional, é com as disciplinas exatas que o jovem baiano se identifica. Ciências, Física e Biologia sempre fizeram a cabeça do jovem que, agora, concentra todo foco nos estudos para ser aprovado no vestibular de Medicina. A escolha do curso, diz Sandro, não vem como uma influência da família - onde nenhum integrante tem curso superior - mas do prazer de cuidar da avó paterna, dona Tereza de Brito, 75.

"Ela [avó] é diabética. Sempre tenho que aferir a pressão, medir a glicose e isso me fez tomar gosto. Eu tenho uma grande paixão por essa área e, por isso, escolhi Medicina e estou me preparando para os vestibulares e Enem. Meu sonho é ser médico", comenta ele, que tem um único irmão de dez anos.

Embora reconheça no Prêmio Jovem Cientista sua primeira grande conquista da vida, Sandro Lúcio - que enfrenta as dificuldades de morar na zona rural e sobreviver das atividades da agricultura num clima semiárido -. reconhece que "poucos jovens têm, mesmo com dificuldades, acesso à educação. É necessário ter muita fé e não desistir".