Justiça condena Sama/Eternit a pagar R$ 500 mi para tratar doentes na BA

Quatro cidades devem receber quantia para cuidar de enfermos após exposição ao amianto; 11 trabalhadores têm direito a R$ 150 mil, cada. Cabe recurso

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 22 de agosto de 2017 às 03:00

- Atualizado há um ano

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Controlada pela fabricante de coberturas Eternit, a empresa Sama Minerações Associadas S.A., que entre 1940 e 1967 explorou o amianto em Bom Jesus da Serra, no Sudoeste baiano, foi condenada pela Justiça Federal, na última sexta-feira (18), a pagar multa de R$ 500 milhões por danos morais coletivos, dinheiro que será usado para tratar pessoas que adoeceram após serem expostas de forma prolongada à substância.

O valor, conforme decisão do juiz federal João Batista de Castro Júnior, deve ser destinado aos municípios de Bom Jesus da Serra, Poções, Caetanos e Vitória da Conquista “para fins exclusivos de aquisição, a ser monitorada processualmente, de equipamentos e construção de unidades relacionadas ao tratamento de doenças vinculadas à exposição ao amianto”.

A Justiça determinou que a empresa pague R$ 150 mil a onze trabalhadores que, comprovadamente, ficaram doentes pela exposição à fibra ou a poeira de amianto, cuja fibra pode causar câncer no pulmão e outras doenças que demoram até 30 anos para se manifestar.

As doenças mais comuns relacionadas ao amianto são dois tipos de câncer: um que é conhecido como "pulmão de pedra", ou a asbestose, e que aos poucos destrói a capacidade do órgão de contrair e expandir, impedindo o paciente de respirar; e o outro o mesotelioma, o qual acomete sobretudo a pleura, membrana que envolve o pulmão.

A quantidade de pessoas que adoeceram por conta da exposição ao amianto é maior, segundo o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MP-BA), autores da ação iniciada em 2009.

A contabilidade ficou prejudicada, segundo os órgãos, por conta da “omissão de todos os réus na prestação de serviços médicos e de vigilância sanitária adequados aos ex-empregados e aos milhares de habitantes no entorno da mina abandonada.”

As doenças desenvolvidas foram “em decorrência da exposição ao amianto, notadamente da espécie anfibólio, cuja associação com o mineral extraído na Jazida São Félix foi reconhecida pela Eternit.”O uso do amianto é proibido em 55 países, incluindo toda a União Europeia, onde o mineral foi abolido após uma série de mortes de trabalhadores em fábricas de telhas e outros produtos, inclusive da própria Eternit.A reportagem não conseguiu falar com a Sama sobre a sentença, que é de primeira instância e cabe recurso. Dois advogados que constam no espelho do processo na Justiça Federal informaram que não estão mais no caso. Os demais não foram localizados.

Cobertura médica Conforme a decisão, a mineradora deve providenciar a inclusão dos trabalhadores em plano de saúde com amplo atendimento na região Sudoeste da Bahia ou região onde moram, com cobertura de atendimento ambulatorial e hospitalar.

Deve ainda fornecer medicamentos e equipamentos necessários ao tratamento dos pacientes acometidos de doença associada à exposição ao amianto e realizar o pagamento de danos materiais a serem comprovados, na forma do art. 95, da Lei 8.078/1990.

Outra determinação judicial é que sejam pagos alimentos provisionais no valor oficial de um salário mínimo e meio, mensal e vitaliciamente.  Indisponibilidade de bens A Justiça Federal decretou também a indisponibilidade dos bens do ativo não circulante da Sama e bloqueio dos valores auferidos a título de lucro, devendo o MPF fornecer elementos para essa efetivação.

“Advirto a Ré [Sama] que qualquer manobra que tente inibir esse comando judicial será interpretada como fraude à execução, com sujeição possível ao crime previsto no art. 179, do Código Penal. 2”, escreveu o juiz Castro Júnior.

Jogo de empurra O magistrado decidiu também que a União, o estado da Bahia e os municípios de Poções, Bom Jesus da Serra e Caetanos sejam obrigados a manter junta médica constituída a partir do acordo judicial feito no decorrer do processo. Os réus ainda não foram notificados na decisão. 

O estado da Bahia alegou responsabilidade exclusiva da União no atendimento às vítimas de amianto, além de afirmar que suas políticas públicas estão relacionadas com o Sistema Único de Saúde (SUS), não cabendo particularização indevida que venha importar em desvio de recursos de outras áreas.

A União, por sua vez, declarou que é a principal gestora e fornecedora do SUS, mas não executora dele, ficando a responsabilidade a cargo do estado da Bahia e dos municípios.

O município de Bom Jesus da Serra está seguindo as determinações judiciais, conforme orientação do MPF. A Prefeitura de Caetanos informou que vem dando assistência as pessoas que ficaram doentes por conta da exposição ao amianto e a de Poções declarou que realizou cadastramento das pessoas expostas ao amianto no seu âmbito territorial.

Já a Sama afirmou, segundo os autos do processo, que “não havia registro anormal de incidências de doenças de saúde asbestose-relacionadas, tendo sido feito um alarde público sem que se saibam quem são as pessoas afetadas, podendo-se concluir que ‘essas pessoas não existem’.”  Discussão no STF O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (23) o julgamento de sete ações que tratam de leis que proíbem a produção, comércio e uso de produtos com amianto no Brasil.

Primeiro item da pauta do plenário, as ações questionam a Lei Federal 9.055/1995 e leis de São Paulo (estado e município), Rio Grande do Sul, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Alvo de polêmica, a fibra de amianto é usada, sobretudo, na fabricação de tanques e telhas, as quais estão presentes no teto de inúmeras residências populares. O Brasil está entre os três maiores produtores do mundo.

A maior fábrica do país fica em Minaçu, no Norte de Goiás, onde está a maior jazida de amianto da América Latina, em operação desde a década de 1960, e onde este ano já houve a produção de 60 mil toneladas de amianto, vendidos a R$ 97,6 milhões.