Livro A Bailarina da Morte revela a história da gripe espanhola

Lilian Schwarcz e Heloisa Starling dedicam um capítulo sobre a doença na Bahia

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  • Roberto Midlej

Publicado em 13 de novembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

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Logo que a pandemia de coronavírus foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em março deste ano, surgiram as comparações com a gripe espanhola, que ocorrera mais de cem anos antes, em 1918. Sem perder tempo, as pesquisadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling imediatamente mergulharam nos arquivos de periódicos e universidades para preparar o livro A Bailarina da Morte (Companhia das Letras/ 376 págs./ R$ 60), que traça um histórico daquela doença que dizimou no século passado, segundo estimativas levantadas pelas pesquisadoras, de 20 milhões a 50 milhões de pessoas.

E não são poucos os pontos em comum entre a atual pandemia e a gripe espanhola: o negacionismo; a demora em iniciar o isolamento; o surgimento de teorias da conspiração e a ausência de um plano nacional de combate à doença são algumas das características que se repetem nos dois casos. Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (fotos: Renato Parada) Para Lilia, uma das razões desses fatores se repetirem é a falta de memória da sociedade:“Um dos motivos que originou o livro foi o esquecimento. Todo mundo diz que História é lembrar, mas História é também esquecer. A história da gripe espanhola não aparece em testemunhos e cronistas da época. E nos perguntamos por que isso acontece. Tenho a firme convicação de que a sociedade prepara as pessoas para a vida sã muito mais que para a doença”.Heloisa, que já havia escrito Brasil: Uma Biografia em parceria com Lilia, concorda com a colega. Para ela, a história da gripe espanhola foi “apagada” da memória da sociedade. “Ao apagar essa memória, perdemos a oportunidade de entender o que foi que aconteceu lá para que a gente possa pensar as nossas perguntas hoje. Quando você pergunta ao passado, ele fornece informações que você pode dar consistência maior às nossas perguntas hoje. E a gripe espanhola lembra muito o que acontece hoje [referindo-se à covid], mas apagamos aquela experiência”.

Um dos pontos destacados no livro, que nos remete também ao cenário inicial da covid, foi o preconceito, muito presente também na gripe espanhola. Lilia observa que quando surge uma nova doença, é muito frequente buscar-se um bode expiatório, alguém que pode ser apontado como culpado pelo seu surgimento ou disseminação. Por isso, a doença do século passado foi chamada de “gripe espanhola”. Navio Demerara: foi nele que a gripe espanhola chegou ao Brasil “Encontrar um culpado é uma forma de se livrar da insegurança, afinal, o culpado é sempre o outro. Precisamos observar que a gripe espanhola não apareceu pela primeira vez na Espanha. Ela estourou no último ano da Primeira Guerra Mundial e os países envolvidos no conflito censuravam sua imprensa”, lembra Lilia.

Censurar a imprensa, segundo a historiadora, era uma forma de não demonstrar insegurança.“Os países envolvidos [na Guerra] tinha medo de revelar aquela doença, pois, assim, pareceriam mais fracos aos olhos do inimigo. Mas a Espanha, que não estava na Guerra, divulgou a doença. Logo ela foi chamada de ‘gripe espanhola’”, diz Lilia. Vale ressaltar que na Espanha a gripe ficou conhecida como “francesa”.Essa é uma forma, segundo Lilia, de sempre culpar o outro. Vale lembrar que as redes bolsonaristas e trumpistas tentaram, no início da pandemia, batizar a covid de “vírus chinês”.

Arma química Se a covid fez muita gente acreditar na teoria conspiratória de que a doença foi criada propositadamente pela China com objetivos político-econômicos, com a gripe espanhola, por outro lado, não foi diferente: “Os Aliados [França, Rússia, EUA, entre outros], para jogar a opinião pública contra a Alemanha - não que eu a defenda, claro -, criaram essa teoria de que a gripe espanhola era uma arma química criada pelos alemães”, diz Lilia.

Para as autoras, a gripe espanhola - assim como a covid - revelou os graves problemas do  Brasil: “O vírus não cria nada, ele apenas ilumina tudo o que estava embaixo do tapete: a desigualdade, a desfaçatez dos políticos... O vírus é ‘aleatório’, mas quem morre no fim são os pretos e os pobres. O vírus elimina os preconceitos e egoísmos”, diz Heloisa.

Mas a autora ressalta que na Bahia houve também muito solidariedade. Em um capítulo dedicado ao estado, nota-se que as religiões criaram uma “rede de solidariedade”, como classifica Heloisa. A umbanda, o espiritismo, o candomblé e o espiritismo se juntaram para prestar assistência aos necessitados.

A questão religiosa foi muito importante na decisão de incluir um capítulo dedicado à Bahia. Além disso, Salvador havia sido capital federal e foi a segunda capital brasileira a ser atingida pela doença, com a chegada do navio Demerara, que havia partido de Liverpool, na Inglaterra, com destino a Recife. A embarcação aportou em Salvador no dia 11 de setembro de 1918 e, daqui, seguiu para o Rio de Janeiro. A falta de água potável naquele ano, por mais de uma vez, só agravou a epidemia na cidade.