Luis Antonio Lindau: 'Uma cidade pode ser inovadora a partir de um planejamento urbano criativo e realista'

Especialista em planejamento urbano sustentável fará oficina para gestores públicos durante o Fórum Agenda Bahia 2017

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  • Andreia Santana

Publicado em 28 de agosto de 2017 às 00:04

- Atualizado há um ano

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Lindau foi presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (Foto: Divulgação) O engenheiro civil Luís Antonio Lindau estará em Salvador para ministrar a oficina DOTS: Como estimular e financiar o planejamento sustentável das cidades, no dia 30 de agosto, das 16h às 17h30, na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), dentro da programação do Fórum Agenda Bahia 2017. O curso é gratuito e voltado exclusivamente para gestores públicos, empreendedores e empresários. As inscrições podem ser feitas até esta segunda-feira, 28 de agosto, no e-mail: [email protected].

Durante a oficina, Lindau irá apresentar o impacto do DOTS – Desenvolvimento Orientado pelo Transporte Sustentável na melhoria das cidades; além de sugerir alternativas de financiamento para projetos econômico e socialmente sustentáveis.

Em entrevista ao CORREIO, o especialista explica como o planejamento urbano alinhado com o DOTS favorece a vida do cidadão, tornando as cidades lugares melhores de se viver. 

Luis Antonio Lindau é pós-doutor na University College London e Ph.D. em Transportes, pela Universidade de Southampton. É diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, onde lidera e fornece orientação técnica para uma equipe de profissionais que trabalham na implementação de projetos construídos dentro da estratégia global do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis no Brasil. 

Ele também fundou e foi presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET). Em 1995, implementou o LASTRAN - Laboratório de Sistemas de Transporte da Escola de Engenharia da UFRGS. Já publicou mais de 150 artigos e apresentou mais de cem palestras no Brasil e exterior sobre mobilidade urbana, segurança viária e desenvolvimento urbano sustentável.

O Fórum Agenda Bahia 2017 é uma realização do CORREIO, com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; patrocínio da Coelba e da Odebrecht; e apoio da Revita.

Confira a entrevista:

Do ponto de vista da mobilidade, qual seria o modelo de cidade ideal?

A mobilidade urbana deve estar associada ao território da cidade e integrada às políticas de uso e ocupação do solo, não devendo ser tratada como uma abordagem setorial. O DOTS – Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável atua nessa integração e na articulação entre essas duas agendas urbanas (planejamento do território e mobilidade) para atingir um modelo de cidade sustentável que, no WRI Brasil, chamamos de cidade 3C: compacta, conectada e coordenada. A cidade compacta tem como diretriz maiores densidades populacionais em áreas próximas de infraestruturas urbanas (como corredores de transporte), enquanto a cidade conectada busca a integração dos diferentes modos de transporte, priorizando o transporte ativo (caminhada e bicicleta) e o transporte coletivo. Já a cidade coordenada tem como princípio a gestão eficiente do território, com especial atenção à gestão da valorização imobiliária na cidade. Cidades podem ser muito diversas, porém alguns itens são fundamentais. A cidade 3C tem como principal característica o foco na dimensão humana, ou seja, pensar a cidade para as pessoas. Nessa lógica, os modos de transporte ativo e coletivo são priorizados com relação ao transporte individual. A mudança nessa lógica e a opção por esse novo modelo de desenvolvimento urbano são a forma mais eficaz e duradoura de resolver o problema da mobilidade urbana.

O senhor teria exemplos no Brasil ou exterior de cidades que conseguiram amenizar ou superar seus problemas de mobilidade por investirem em inovação ou em práticas mais sustentáveis?

Uma cidade pode ser inovadora a partir de um planejamento urbano criativo e realista, que traga formas concretas de promover o desenvolvimento urbano sustentável. Copenhagen sempre é um exemplo devido ao Finger Plan, um plano diretor que articulava o uso do solo com os sistemas de transporte, resultando em uma cidade sustentável. É importante entender que a cidade passou por um processo de mudança que teve início em 1947, ou seja, Copenhagen não se tornou um modelo de sustentabilidade no curto prazo – foi necessário um planejamento urbano eficiente ao longo de décadas, que conduziu a cidade para atingir esse objetivo. No Brasil, Curitiba elaborou seu plano diretor na década de 70 seguindo os princípios do DOTS, resultando em uma cidade conectada ao transporte. O Plano Diretor de São Paulo, revisado em 2014, também é um bom exemplo de política urbana que leva ao desenvolvimento sustentável a partir da integração entre mobilidade urbana e planejamento do uso do solo. Por fim, Joinville tem sido exemplo em mobilidade ativa por conta da elaboração do seu plano de transporte ativo.

De que forma o DOTS impacta na vida do cidadão comum?

É preciso, primeiramente, entender que o DOTS impacta diretamente a localização das atividades na cidade (comércio, serviços, oportunidades de emprego e lazer) e as conecta ao transporte coletivo de qualidade. No dia a dia, isso significa que as pessoas perderão menos tempo com seus deslocamentos diários. A partir da implementação do DOTS, as pessoas vivem mais próximas dos locais de emprego, de lazer e dos serviços, como escolas e hospitais. No modelo atual de nossas cidades, o emprego está concentrado em regiões muito específicas e a moradia em outras completamente diferentes, geralmente distantes. Dessa forma, é necessário percorrer longas distâncias diariamente para ir de casa ao trabalho, até a escola ou universidade. Essa é a principal causa dos congestionamentos. Esses congestionamentos encarecem o transporte público e as longas distâncias tornam o serviço precário. Para completar os problemas, não existem calçadas ou ciclovias qualificadas, o que torna pouca atrativa a opção de caminhar ou pedalar. O DOTS pode reverter esse modelo, reduzindo as distâncias casa-trabalho e fazendo com que mais pessoas vivam e trabalhem próximas a um corredor de transporte. Ao qualificar as calçadas e ciclovias, as pessoas ganham novas opções de deslocamento - sem necessidade de usar o carro - para fazer compras, ir ao cinema ou trabalhar. Essa cadeia de benefícios tem um impacto gigantesco na qualidade de vida das pessoas, que vai desde o aumento da atividade física até a redução das emissões de gases do efeito estufa. Tudo isso só é possível a partir de ações transformadoras no planejamento urbano, dentre as quais o DOTS é uma das mais promissoras.

Os gestores públicos costumam alegar que implantar projetos sustentáveis custa muito e que os municípios, em geral, não dispõem de recursos. Que alternativas de financiamento existem para os gestores que queiram implantar projetos alinhados com o DOTS nas cidades que administram?

A capacidade do DOTS em gerar receitas extraordinárias é tão grande que muitas vezes, em outros países, o DOTS é erroneamente confundido com uma ferramenta de financiamento. O DOTS não apenas é uma excelente estratégia urbanística, como também tem uma grande capacidade de ser economicamente sustentável. E por que isso? Ao estimular mudanças no uso do solo e promover o desenvolvimento urbano, o DOTS promove grande valorização imobiliária. A valorização imobiliária pode e deve ser um dos grandes recursos financeiros a ser explorado pelos municípios. A chamada “Captura de Mais Valia Fundiária” é o principal instrumento para viabilizar economicamente a implementação do DOTS. Existem instrumentos presentes no Estatuto da Cidade que devem ser aplicados pelas cidades para recuperar parte da valorização imobiliária gerada por intervenções públicas, sejam elas investimentos na infraestrutura urbana ou alterações na regulação urbanística. Nesse grupo de mecanismos se enquadra a Outorga Onerosa do Direito de Construir, os CEPACS, a Contribuição de Melhoria, entre outros. Imagine um bairro da cidade com infraestrutura urbana precária e onde é permitido pelo Plano Diretor a construção de casas de no máximo dois andares. Agora imagine esse mesmo bairro recebendo um grande corredor de transporte e uma alteração no Plano Diretor que passe a permitir a construção de edifícios de 10 andares. Agora compare quanto valia um terreno (ou metro quadrado) nesse bairro antes e depois dessas mudanças. É evidente que o valor desses terrenos cresceu significativamente. E quem foi o responsável por gerar essa valorização dos terrenos? Nesse caso, o município, que investiu milhões em um corredor de transporte e promoveu alterações no Plano Diretor. Os instrumentos de Captura de Mais Valia foram criados para que o município possa recuperar (mediante cobrança) parte dessa valorização gerada nos terrenos para que possa seguir investindo na qualificação urbana da cidade. O DOTS está diretamente relacionado a esse tipo de exemplo, e esses instrumentos são sua principal forma de financiamento. Além disso, através do DOTS é possível explorar outras formas inovadoras de financiamento, como a criação de PPPs e a busca por financiamentos “verdes”, que visam à redução das mudanças climáticas.