Mães, boleiras e Série A. Conheça o time feminino do Vitória, que estreia hoje

Meninas conseguiram o acesso e vão enfrentar gigantes do futebol feminino brasileiro

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 15 de março de 2019 às 23:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauricia da Matta/EC Vitória
. por Vinícius Nascimento/CORREIO

O sol estava tão forte no meio da tarde que bastou a irrigação do campo ser ativada para um pequeno arco-íris se formar em pleno gramado do Barradão. Lá dentro, Maryana Pereira pouco se importava com o fenômeno enquanto observava as orientações de Lucas Grillo, técnico do time feminino do Vitória.

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Ela é a goleira titular da equipe, que finalizou a sua preparação para a estreia no Campeonato Brasileiro Série A1, a divisão de elite do futebol feminino. A atenção no olhar da arqueira denunciava: se o arco-íris particular não lhe interessava, o pote de ouro do Brasileirão lhe interessa. E muito.

A equipe faz sua estreia hoje, no Barradão, contra o Audax-SP, às 17h. Chegando a sua sétima edição,  o Brasileirão Feminino será disputado por 16 equipes que se enfrentam em turno único na primeira fase. As oito primeiras avançam às quartas de final e as quatro últimas caem para a Série A2.

Quem escuta a voz firme de Maryana não imagina que ela tem apenas 22 anos. A pouca idade é outra informação que engana quando o assunto é a goleira, que é natural da Ilha de Itaparica, onde sua família mora até hoje. Apesar de ter pouco mais de duas décadas de vida, Maryana já viveu muito e carrega uma experiência até incomum: já foi goleira da seleção sub-20 e chegou a fazer um período de testes na seleção em 2017, quando a técnica Emily Lima ainda estava no comando. Aos 22 anos, Maryana é mãe e já passou pelas seleções de base. (Foto: Mauricia da Matta/EC Vitória) Além dos treinos com a principal, Maryana tem passagens pela seleção sub-20, que defendeu até estourar o limite de idade. Contudo, a experiência não vem apenas do que ela passou em campo: mãe de um filho de 3 anos, precisa lidar com a dificuldade de não acompanhar o crescimento de sua cria, o pequeno Raylan Miguel.

Por conta da rotina de treinos, Maryana só visita a família aos finais de semana. E as visitas devem se tornar ainda mais escassas com o início do Brasileirão por conta da rotina de viagens que ela já lida desde 2017 - ano que chegou à Toca do Leão.“Durante a semana, eu dou tudo de mim, deixo tudo em campo em cada treinamento. Se jogasse apenas por meu sonho já seria muita coisa, mas não é só por isso. Tenho minha família, meu filho. Então faço de tudo aqui, me descarrego completamente para quando chegar no sábado, vou lá (para casa) e me carrego mais uma vez. Sempre que vou lá, saio renovada”, contou a goleira.Maryana conta que quase desistiu de jogar futebol quando descobriu a gravidez. Na época, ela tinha 18 anos e assim que teve a gestação confirmada viu o seu sonho de ser jogadora cair por terra. Quem fez com que ela mudasse de ideia foram os mesmos a quem ela credita sua renovação semanal: os familiares. Aos poucos ela foi sendo tranquilizada e houve uma “batalha em conjunto” para que pudesse continuar firme nos gramados.

“Quando vi o rosto do meu filho, tive a certeza de que tudo valeu a pena e que não era o fim, mas sim o começo de uma nova história”, conta a camisa 1 antes de afirmar que Raylan também terá futuro debaixo das traves.

O elenco do Vitória ainda conta com outra jovem mamãe. É a meia Gadu. Durante a entrevista, ela começou falando sobre as expectativas para fazer um bom Brasileiro pelo Leão, clube que já defende há três temporadas. Chegou logo após o rebaixamento sofrido há dois anos. Colocou o time de volta na Série A e vai estrear na divisão de elite. A expectativa é alta e ela confessa que tem feito esforço para segurar a ansiedade.

Mas difícil mesmo é conter a emoção ao falar em Théo, seu filho de 3 anos. Gadu é da cidade de Serrolândia, município localizado a pouco mais de 330 km de Salvador. Enquanto ela treina no Vitória, o garotinho está no interior aos cuidados da avó materna - uma grande parceira e apoiadora de Gadu.

O nome do filho está marcado no antebraço da meia, que só vê o pequenino em intervalos que variam entre três e até quatro meses. Assim como Maryana, Gadu também engravidou aos 18 anos.

Para driblar a distância, a jogadora apela para a tecnologia e está sempre em contato com Théo por  chamadas de vídeo que faz quase que diariamente. É o jeito que ela encontra para driblar a saudade, um dos adversários mais difíceis que já enfrentou em toda sua carreira.“Sinto muita saudade do meu filho, mas sei que ele vai entender todo meu esforço. O amor que sinto por Théo é maior que tudo que já vivi”, declarou, emocionada. Nascida em Serrolândia, a meia Gadu defende o Vitória há três anos e vai fazer sua primeira Série A. (Foto: Mauricia da Matta/EC Vitória) União Quem fala com qualquer uma das meninas do time do Vitória percebe que tudo gira em torno do coletivo. E não se limita ao time. Todas têm uma preocupação latente com a formação de novas jogadoras. Zagueira, líder e única representante de um time baiano a figurar na seleção brasileira sub-20, Tainara afirmou que é dever de qualquer atleta do futebol feminino se preocupar em abrir portas. Tainara é zagueira do Vitória e da Seleção Brasileira sub-20. (Foto: Mauricia da Matta/EC Vitória) Segundo ela,  jogadoras tipo Formiga, Emily, Sissi, Marta e companhia incentivaram para que mais meninas e mulheres tivessem interesse no futebol, hoje ela e todas as jogadoras das novas gerações têm a obrigação de continuar esse trabalho.“Se a gente não pensar em abrir portas para outras atletas, não vai ser o futebol feminino. O futebol feminino é composto por uma união estável. A visibilidade que eu trouxe pra cá jogando na seleção mostra que temos potencial, atletas de qualidade e que podem chegar lá. Isso motiva mais meninas a jogar”, explicou Tainara.Aos 20 anos, ela afirma que a seleção precisa ser o sonho de todo mundo porque ali é o lugar “top dos tops”. Para chegar lá, ela confia em uma boa campanha defendendo o Vitória neste Campeonato Brasileiro e garante que o time tem elenco para surpreender na competição.“Sabemos que nada vai ser fácil, mas ao mesmo tempo sabemos que nada vai ser impossível. Tenho certeza de que vamos fazer um bom campeonato”, pontuou.Técnico do Vitória desde setembro da temporada 2017, Lucas Grillo acredita que o clube tem um time competitivo e quer ver as meninas propondo o jogo sempre que tiverem a bola nos pés. Somando os times adulto e de base, são cerca de 30 meninas vinculadas ao Leão no futebol. Todo esse elenco é gerenciado pelo treinador.

Após quase dois anos de trabalho, Grillo diz que o maior desafio que teve desde que chegou foi o de transformar jogadoras em atletas. Segundo o comandante rubro-negro, desde sempre o Vitória teve um time habilidoso e qualificado, mas faltavam orientações para além dos gramados: desde alimentação até cuidados com o sono.

Além disso, o técnico acredita que o tratamento mais humanizado com as jogadoras foi fundamental para a melhora nos resultados. Logo que assumiu, Lucas Grillo conta que após os treinos chamava uma ou duas atletas para questionar sobre a vida delas: o que fazia além de jogar futebol? Como chegou até ali? Qual a trajetória daquela menina?“Compreender as necessidades delas além de nos dar resultados dentro de campo me engrandeceu enquanto ser humano. Eu assumo que tenho amadurecido muito graças ao nosso trabalho aqui”, contou o treinador, que já trabalhou como preparador físico e técnico das divisões de base do clube.Vitória e Audax-SP se enfrentam neste sábado (16) às 17h, no Barradão. Para assistir ao jogo, torcedores e torcedoras precisam levar um jogo da Timemania, a partir do concurso 1305, marcado com o Vitória como time do coração. Sócio Sou Mais Vitória (SMV) tem entrada gratuita. O estacionamento é gratuito para toda a torcida.

*Com supervisão do subeditor Miro Palma