Mafioso preso em Salvador é investigado por tráfico de mulheres e prostituição

Preso na terça-feira (4) por tráfico internacional de drogas, Lelio Paolo Gigante, 84 anos, está na Mata Escura

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  • Bruno Wendel

Publicado em 8 de dezembro de 2018 às 04:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO
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Lelio Paolo Gigante, 84 anos, mora há mais de 20 no terceiro andar de prédio na Ladeira dos Aflitos (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Traficar mulheres para a Itália e comandar uma rede de prostituição em Salvador podem integrar a lista de atividades ilícitas desenvolvidas em Salvador por Lelio Paolo Gigante, 84 anos. O mafioso preso na última terça (4), na Ladeira dos Aflitos, suspeito de integrar uma rede de tráfico internacional de drogas, agora é investigado pela Polícia Federal (PF) também por mais esses dois crimes. O octagenário, que já foi o falsificador de passaportes da Cosa Nostra, organização da máfia siciliana, ainda é apontado como o homem que atestava a qualidade da cocaína enviada da Bahia para a Europa.

“Estamos na fase de análise do material apreendido. Temos documentos em italiano e em inglês que ainda não foram traduzidos. Ele tem uma ampla rede de contatos com italianos. Por causa do perfil dele, não descartamos a possibilidade do envolvimentocom o tráfico de mulheres e rede de prostituição, apesar de o objetivo desta investigação ser o tráfico de drogas”, disse o delegado Fábio Marques, da Delegacia de Repressão ao Tráfico de Entorpecentes (DRE) da PF.

Segundo a PF, Lelio Paolo nega todas as acusações. “Ele diz que não se lembra das conversas interceptadas. Nega tudo”, disse o delegado. De acordo com a PF, a investigação começou em 2016 e identificou uma organização criminosa integrada por traficantes, sobretudo de origem estrangeira, que atuavam em Salvador com o intuito de enviar droga com um alto grau de pureza ao exterior.  Preso por tráfico internacional de drogas, Lelio é ex-integrante da Cosa Nostra, máfia italiana (Foto: Reprodução) Cosa Nostra A Polícia Federal informou ainda que Lelio, que nasceu em São Paulo, mas foi levado para a Itália com 1 ano de idade, é um mafioso ex-integrante da Cosa Nostra, a principal organização da máfia da Sicília, na Itália, e que ele era parceiro de Tommaso Buscetta, um dos ex-líderes mais conhecidos da organização.

A história de Buscetta foi contada no livro Cosa Nostra no Brasil – A História do Mafioso que Derrubou um Império, do jornalista Leandro Demori. O livro também fala relação de Lelio com Buscetta e do assassinato de uma garota de 14 anos numa casa em Penedo (RJ), provavelmente alugada por Gigante, no início dos anos 1980. O crime aconteceu após um provável estupro.

Ao CORREIO, Leandro Demori, que é editor-executivo do The Intercept Brasil e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), disse que achava que Gigante estava morto:“Eu nunca consegui falar com ele pessoalmente. Eu acabei  descobrindo-o através de um inquérito policial de 1972 que tinha um depoimento dele”, disse o jornalista.Demori contou que ficou surpreso ao saber que Gigante não respondia a processos na Justiça brasileira. “Até hoje, eu não sabia o desfecho dessa história. Achei que ele estava morto e não acreditei quando vi a matéria”, disse. Segundo a polícia, Tommaso Buscetta (centro) e Lelio Paolo Gigante eram 'compadres' (Foto: Reprodução) Tráfico e prostituição A PF investigará o envolvimento de Gigante no tráfico internacional de mulheres e numa rede de prostituição com base no relato de moradores da Ladeira dos Aflitos, onde ele mora, no 3º andar do Edifício Gabriel Soares, há mais de 20 anos. O CORREIO esteve no local nesta sexta-feira (7).

Um morador antigo disse que quem não conhece bem acredita que Lelio vive de aluguéis e do comércio de ouro.“Mas, para quem já vive aqui há anos, como eu e os vizinhos dele, sabemos de um outro Italiano, como ele é conhecido aqui. Ele mantém uma relação constante com prostitutas da Barra, tira foto delas. Com um catálogo, vai mostrando as imagens para outros italianos. Quando não agencia os programas aqui, manda elas para a Itália. Ele consegue tudo, inclusive os passaportes”, contou o morador, sem se identificar.Segundo ele, não tem muito tempo que uma jovem foi mandada para a Itália. “Isso não tem seis meses. A menina iria junto com a irmã, que às vésperas optou por continuar fazendo programa na Barra. Essa que ficou acabou se tornando usuária de crack e vinha aqui na porta da casa dele, com outras prostitutas, cobrar o dinheiro dos programas que ele agenciava. Quem o conhecia bem, já esperava pela prisão dele”, relatou.

Outro morador disse que era comum a confusão de prostitutas na frente ao prédio: “Elas exigiam o pagamento do dinheiro. Ele nem descia. Da janela do terceiro andar, ele joga o dinheiro embrulhado no papel. Teve um dia que uma jovem veio sozinha. Ela estava drogada e muito nervosa. Ele disse que não tinha e ela conseguiu danificar o portão do prédio. Foi quando ele desceu e saiu. Pouco depois, retornou com o dinheiro dela. Essa moça nunca mais foi vista”.

Desde que foi preso, há quatro dias, Lelio Paolo Gigante está no Centro de Observação Penal, no Complexo da Mata Escura. Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia, ele não foi encaminhado para audiência de custódia. A Secretaria de Admnistração Penitenciária e Ressocialização (Seap) disse que não pode informar se ele foi visitado por algum advogado. A defesa dele não foi localizada. Loja de compra e venda de ouro funciona em galeria na Avenida Sete; nesta sexta-feira (7), estava fechada (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Comércio de ouro O CORREIO apurou com moradores da Ladeira dos Aflitos que Lelio Paolo Gigante comprava joias que eram fruto de roubos. Segundo moradores, ele mantinha uma relação com usuários de drogas e flanelinhas do Centro e da Barra. “Esses meninos que roubam e furtam no Campo Grande e no Farol da Barra, todos conhecem ele. Alguns vinham trazer aqui, na casa dele. Era algo rotineiro”, revelou um morador.

Ainda nesta sexta-feira (7), o CORREIO esteve na loja de Lelio Paolo de compra e venda de joias, situada no Edifício Verônica, na Avenida Sete. O local estava fechado. “Ele estava aqui na segunda-feira (3) – a prisão aconteceu no dia seguinte – e estava tranquilo. Ninguém imagina que isso (prisão) poderia acontecer”, relatou um porteiro do edifício residencial e comercial.  

Agressivo Lelio Paolo era uma pessoa agressiva, segundo alguns moradores do prédio onde ele morava. “Uma pessoa problemática, de difícil relação. Se achava o dono de tudo só porque já foi síndico. É uma pessoa que por tudo brigava. Um temperamento muito explosivo. Pra mim, não foi surpresa a prisão. Ele lidava com muita gente barra pesada”, disse uma fonte.

Há quatro anos, Lelio Paolo deixou o conselho fiscal da Associação Cultural Casa D’Itália, no Campo Grande. “Houve uma mudança de gestão na diretoria. Ele era associado isento há 13 anos, quando matriculou a neta aqui para fazer atividades esportivas. Ela tinha 5  anos época”, contou uma funcionária ao CORREIO. “Pra todos nós foi uma surpresa a prisão dele. Jamais imaginaríamos isso. Ele era uma pessoa estressada e também doente, pois tem diabetes em grau elevadíssimo”, complementou.'Mulas' transportam de 40 a 50 cápsulas de cocaína para a Europa Segundo o delegado Fábio Marques, da Delegacia de Repressão ao Tráfico de Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal (PF), jovens desempregados são os que se encaixam no perfil das ‘mulas’, que embarcam de Salvador para transportar cocaína para Europa. 

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“As mulas se arriscam para ganhar entre R$ 5 mil e R$ 6 mil ou até mais para fazer o transporte. Eles procuram alguém que já fez com sucesso (transporte). A pessoa precisa não ter antecedentes criminais para tirar o passaporte”, conta Marques.

Geralmente, a mula não conhece o traficante e é hospedada em um hotel um dia antes da viagem por uma pessoa intermediária, que leva a droga numa mala.“A mula recebe um líquido, como se fosse vaselina, para facilitar a ingestão das cápsulas, uma média entre 40 e 50, mas já tivemos caso de 100 cápsulas. Quanto maior a quantidade, maior é a remuneração”, explica o delegado.Os voos que as mulas usam partem na madrugada e as passagens são compradas um dia antes, com pagamento feito à vista. “O que nos chama a atenção, pois passagens compradas na véspera ou até no dia são caras e nunca pagas no cartão de crédito ou débito, para evitar o rastreamento”, disse o delegado.  

A mula normalmente chega ao Aeroporto de Salvador de táxi ou motorista de aplicativo já na hora do embarque. “Alguns traficantes vão ao aeroporto só para confirmar se houve o embarque, muitas vezes sem o conhecimento da própria mula”, pontua.

A ingestão é a forma mais comum de atuação das mulas, mas existem também outras alternativas. “Levam também escondidas nas roupas ou nas malas. Tem até cocaína diluída em produtos. Mas o método da ingestão é o mais usado e o mais arriscado. Tivemos casos de mortes porque as cápsulas estouraram e a pessoa tem caso de overdose”, declara o delegado.

*Colaborou Júlia Vigné