Mais de 24 mil microempreendedores baianos excluídos do Simples por dívida

Segundo dados do Sebrae, cerca de 62% de todos os microempreendedores individuais (MEIs) da Bahia estão inadimplentes

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  • Nilson Marinho

Publicado em 27 de junho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Para não fechar as portas de sua lanchonete na Rua Silveira Martins, no Cabula, que passa por dificuldade há pelo menos um ano, o microempresário Amilton Souza, 51 anos, demitiu os quatro funcionários e, com a ajuda da família, mantém agora o negócio aberto todos os dias da semana.

“Você vende de manhã e à tarde precisa correr para reabastecer o estoque. Isso não dá estabilidade. Hoje, eu precisaria de um capital para fazer um estoque e continuar trabalhando de forma tranquila. Tenho que trabalhar de domingo a domingo. Minha filha, às vezes, cobra a minha presença nos finais de semana, mas como parar?”, se pergunta Amilton.  Amilton tenta equilibrar as contas da lanchonete, no Cabula (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O questionamento dele pode estar passando pela cabeça de pelos menos outros 383 mil microempreendedores individuais (MEI) baianos, que, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), estão inadimplentes – eles são 62% do total.

Destes, 24.190 estão em situação ainda pior: já tiveram seus cadastros do  Simples excluídos por conta de débitos com a Receita Federal. Em números absolutos, a Bahia ocupa a quinta posição no ranking nacional dos descadastrados. Fica atrás somente de São Paulo (133.386), Minas Gerais (44.708), Rio de Janeiro (37.104) e Rio Grande do Sul (29.212).

Sem conseguir dar conta das despesas e, na tentativa de salvar o negócio, eles acabam se endividando.  É o caso de Amilton, que precisaria de pelo menos R$ 3 mil por mês para pagar o aluguel e os fornecedores. Quem quiser renegociar a dívida tem até o  dia 9 de julho,  para aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Refis), do governo federal.

Perto de Amilton, também no Cabula, a microempresária Aihze Araújo, 28, investiu cerca de R$ 20 mil para dar início à loja de roupas e acessórios, a AV Boutique. Há três meses, o local está de portas abertas e, desde então, toda a renda serviu apenas para bancar o funcionamento, incluindo as despesas com o aluguel, contas de luz e água, e a aquisição de novas peças. 

Para alguém que já teve prejuízo antes, a empresária diz que, até o momento, as coisas vão indo bem. Aihze teve a experiência de ser dona de uma loja de roupas que fechava todos os meses no saldo negativo. “Era só prejuízos. Agora, estou aqui há três meses, período em que as pequenas empresas, quando não vão dar certo, costumam contrair dívidas. Até o momento, venho trabalhando para manter o negócio aberto”, revela.  Aihze já teve prejuízo antes: agora, já conhece quando as coisas começam a dar errado (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Perigo Em toda a Bahia, segundo o Sebrae, há 617.898 MEIs registrados. Embora atrativo, o modelo requer cuidados. “O MEI é uma opção de segurança, que garante cobertura previdenciária, dá direito a seguro saúde e isso é importante. Mas muitas pessoas se encantam com essas garantias e não têm capacidade de planejamento”, explica o professor do curso de Administração da Unijorge Antônio Carvalho.

O descontrole e a desorganização com as finanças são fatores que levam ao endividamento dos MEIs - e organização e planejamento são a melhor forma de prevenir dores-de-cabeça. “Muitos se enrolam financeiramente porque não calculam direito as vendas, os gastos e o lucro e até misturam o dinheiro da pessoa física com o da pessoa jurídica. Fazendo o orçamento prévio, você tem noção das despesas e consegue fazer ajustes mesmo antes do negócio começar”, explica o economista e educador financeiro Edísio Freire. 

É o que vem acontecendo com a psicóloga Maria Elizabete de Oliveira, 45, e o marido, que comandam um salão de beleza. O casal vem enfrentando dificuldades para terminar o mês longe do vermelho - em seis meses de funcionamento, o caixa fechou no negativo por quatro. O aluguel e os investimentos no novo negócio pesaram mais do que o planejado. Maria Elizabete tenta não repetir os erros do último dono do salão de beleza (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Renegociação Para quem já está em débito com a Receita, nem tudo está perdido. Pela primeira vez, dívidas de pequenas empresas poderão ser renegociadas. “Já existe um parcelamento que está em vigor para o MEI, mas com o Refis ele tem a possibilidade de parcelar e ter descontos”, diz Valquíria Pádua, técnica do Sebrae-BA.

“É fundamental que os empresários entrem em contato com a Receita, buscando se regularizar e ganhar fôlego para continuar inovando e gerando emprego”, destaca a diretora técnica e presidente em exercício do Sebrae, Heloisa Menezes.

Para aderir ao Refis, a micro ou pequena empresa deve quitar 5% da dívida, sem redução de juros e multas, divididos em cinco parcelas mensais. Os outros 95% podem ser pagos em 175 meses - antes, o empresário pode verificar a melhor opção no sistema da Receita Federal.

Se o pagamento dos 95% da dívida for em uma única parcela, haverá uma redução de 90% dos juros de mora, 70% das multas de mora, de ofício ou isoladas e 100% dos encargos legais, inclusive honorários advocatícios. 

Se o parcelamento for feito em 145 meses, a redução dos juros de mora será de 80% e 50% das multas de mora, bem como 100% dos encargos legais, além dos honorários advocatícios. 

O parcelamento em 175 vezes terá redução de 50% dos juros de mora, 25% das multas de mora e 100% dos encargos legais, também incluindo os honorários advocatícios.  Além disso, implicará desistência de outros parcelamentos. 

O MEI que não regularizar sua situação fica impedido de abrir outro crédito com o mesmo CNPJ ou abrir  nova empresa com o mesmo CPF. Nesta quinta-feira (28), às 9h, na Casa do Comércio, a Fecomércio-BA promove palestra gratuita sobre como aderir ao Refis. 

Sem recorrer ao crédito Cecília Oliveira, 25 anos, recebe de 10 a 300 encomendas de doces e tortas mensalmente. Para evitar sustos nas finanças da doceria Le Lapin, ela se planeja. “Sempre tenho reserva em caixa e produtos no estoque - só compro de última hora os perecíveis”, afirma. A microempreendedora não hesitou em usar o dinheiro da poupança para investir, em maio de 2016.

Assim como Cecília, 73% dos MEIs não têm interesse em contratar crédito para seus negócios nos próximos três meses, segundo levantamento feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito do Brasil (SPC) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Manter a empresa com recursos próprios é a principal razão apontada por aqueles que não pretendem buscar recursos (53%).

Já 36% dos entrevistados dizem que as taxas de juros são muito elevadas e 23% estão inseguros com as condições econômicas do país. Há ainda 6% que contrataram crédito recentemente e não sentem necessidade de fazê-lo novamente.

O apetite para tomada de crédito nos próximos três meses, entretanto, vem aumentando. A demanda por investimento da micro e pequena empresa avançou 14,8 pontos em um ano, passando de 27,2 pontos em maio do ano passado para 42 pontos em maio de 2018.

“Os empresários continuam cautelosos, mas já constatamos um percentual relevante que tem intenção de realizar investimentos. O que é bastante positivo já que esses recursos podem aumentar a capacidade e produtividade das empresas, levando a um aumento das vendas, o que impulsionará a retomada da economia”, avalia a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.  

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier