Mais que criador do Zé do Caixão, Mojica foi um grande cineasta

Diretor era admirado por colegas como o baiano Glauber Rocha

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  • Roberto Midlej

Publicado em 20 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Agliberto Lima/Estadão Conteúdo

Você pode não ter visto sequer um filme de José Mojica Marins ou talvez não se lembre do título de nenhuma de suas produções, mas certamente é capaz de identificar a figura de Zé do Caixão, um dos mais emblemáticos personagens do cinema brasileiro, com suas longuíssimas unhas, além da cartola e da capa preta, interpretado por Mojica em diversos filmes.

Mas Mojica, que morreu ontem aos 83 anos,  vítima de uma broncopneumonia, na cidade de  São Paulo, foi muito mais que o criador de um personagem folclórico e, no auge de sua produção, recebeu elogios de cineastas importantíssimos como Luis Sérgio Person (1936-1976), Carlos Reichenbach (1945-2012) e Glauber Rocha (1939-1981). À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964)  O sádico e cruel coveiro Zé do Caixão pretende gerar um filho perfeito para dar continuidade ao seu sangue. Mas sua mulher não consegue engravidar e ele acaba violentando a mulher do seu melhor amigo. O cineasta tem três filmes entre as cem melhores produções nacionais da história, segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema(Abraccine): À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), O Despertar da Besta (1969) e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Para se ter uma ideia, Arnaldo Jabor, badalado cineasta brasileiro, tem apenas dois longas no ranking.

Mojica, o maior nome do horror nacional, era conhecido por sua formação autodidata. Filho de um homem simples, de origem espanhola, ele começou a se interessar por cinema ainda criança, já que seu pai era gerente de uma sala de cinema e o garotinho costumava assistir a muitos filmes ali.

Aos 12 anos, ganhou uma câmera de presente e começou a filmar de forma amadora, com os amigos do bairro onde morava. Fazia tudo de forma improvisada e no final dos anos 1940, transformou um galinheiro em seu primeiro estúdio. Ainda adolescente, fundou, aos 17 anos, a Companhia Cinematográfica Atlas, o que já revelava sua capacidade empreendedora.

Mesmo sem formação teórica, dava cursos de interpretação e, nas aulas, espalhava nas paredes fotos com seu próprio rosto, com expressões faciais diferentes e uma legenda que revelava a emoção que as imagens emitiam: “tristeza”, “alegria”, “preocupação”... Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967)  Zé do Caixão está ainda mais sádico. Em busca da mulher ideal para gerar seu filho, ele rapta seis jovens e as submete a terríveis torturas. Mais tarde, acaba com a vida de uma moça grávida. A estreia como cineasta, no entanto, não foi no terror, gênero que o consagraria. Seu primeiro filme como profissional foi o faroeste A Sina do Aventureiro, em 1958. Quatro anos depois, faria o drama Meu Destino em Suas Mãos. Mas os dois fracassaram comercialmente.

Zé do Caixão Anos depois, Mojica teve um sonho que representaria uma virada em sua carreira e na história do cinema brasileiro: num pesadelo que teve na madrugada de 11 de outubro de 1963, um homem de capa preta o arrastava para um túmulo. Foi daí que surgiu a inspiração para criar o Zé do Caixão, que ficaria famoso em diversos países, incluindo os Estados Unidos, onde foi batizado como Coffin Joe.

Zé do Caixão apareceu pela primeira vez em À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964). O personagem, um sádico coveiro que era temido pelos moradores da cidade onde morava, tinha uma obsessão: gerar um filho perfeito, que desse continuidade a seu sangue. Mas sua mulher não conseguia engravidar e ele passou a acreditar que a namorada de um amigo seria a genitora ideal para seu herdeiro. Mojica consagrou-se e lotou os cinemas. Encarnação do Demônio (2008) Após 40 anos preso, Zé do Caixão é libertado. De volta às ruas, ele ainda procura a mulher que gere seu filho perfeito. Caminhando por São Paulo, ele deixa um rastro de sangue por onde passa. Em 1967, Zé do Caixão retornaria em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Somente em 2008, finalmente, o cineasta iria conseguir concluir a sonhada trilogia de seu personagem, com o ultraviolento A Encarnação do Demônio, produzido pela prestigiada Gullane Filmes, de longas como Carandiru (2003).

Mas o filme fracassou e não chegou a fazer sequer 30 mil espectadores, mesmo com orçamento de R$ 1,8 milhão e com direito a figurino do badalado estilista Alexandre Herchcovitch. Ainda assim, Marins foi convidado para o Festival de Veneza, onde apresentou o filme.

Para se ter uma ideia da baixa popularidade de Encarnação do Demônio, cada um de seus dois primeiros longas havia vendido cerca de 600 mil ingressos. Como os dados da época não eram precisos, há também informações de que ultrapassaram a barreira de um milhão de espectadores.

Mesmo conhecido como o mestre do terror no cinema brasileiro, Mojica trabalhou também com a pornochachada, numa época em que seus longas assustadores já não tinham popularidade. Nesse período, realizou produções como Mundo-Mercado do Sexo (1979) e 48 Horas de Sexo Alucinante (1987). Na década de 1990, foi redescoberto e tornou-se cult, principalmente entre os mais jovens, graças ao programa Cine Trash, que apresentava na Band.

Televisão A popularidade de Zé do Caixão na década de 1960 o levou à TV Tupi, onde realizou a série O Estranho Mundo de Zé do Caixão, homônima ao filme lançado um ano antes. Era uma nova versão de um programa que ele havia realizado na TV Bandeirantes.

Mas os espectadores rejeitaram as mudanças da atração, segundo André Barcinski, autor de Maldito, biografia de Mojica. De acordo com o jornalista, o programa ganhou um tom onírico e desagradou o público, que preferia o estilo mais realista.

Nos anos 2000, Mojica apresentou no Canal Brasil um talk show em que aparecia vestido, claro, como Zé do Caixão.

Como ator, ele fez mais de 60 filmes,  e como diretor, mais de 40, incluindo curtas e longas. O velório deve acontecer no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, hoje. Mojica deixa sete filhos.