Malu Fontes: Dos feminismos ao blackface de Daniela Mercury

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  • Malu Fontes

Publicado em 7 de março de 2017 às 08:03

- Atualizado há um ano

Se durante muito tempo, desde que o 8 de março foi instituído como o dia internacional da mulher, a data foi alvo de celebração, hoje, na segunda década do Século XXI, já não há tanto consenso assim quanto a ela, sobretudo quanto a eventos festivos. Para  boa parte das mulheres, só o fato de ainda precisarem ter um dia especificamente para chamar de seu e ocupar no calendário o lugar temporal no qual devem depositar suas lutas e conquistas já é um sinal do quanto estamos no meio do caminho.No entanto, por outro lado, é muito importante sim que, embora as mulheres ainda estejam sob estruturas extremamente indesejáveis, impostas há séculos por modelos familiares, religiosos, econômicos e sociais petrificados e herdados de tempos imemoriais nas quais o seu lugar era o da casa e não da rua, haja uma data dessa natureza. Seu caráter é mais político que festivo. É onde se pode, mesmo que seja em meio à festa, à música, à dança e a promoções de órgãos públicos voltados para a questão, bater o pé com força e enfiar goela abaixo do mundo a recusa das mulheres à manutenção do status quo que nossas avós aceitavam de bom grado.EvacuarEm tempos nos quais a palavra empoderamento foi traduzida do feminismo dos Estados Unidos e corre o risco de se esvaziar de sentido por abuso de aplicação a todo e qualquer comportamento, emergem das polêmicas que piscam aqui e ali na imprensa e tornam-se praticamente palheiros ou bueiros untados de chorume nas redes sociais, um fenômeno “de cum força”, como diz a gíria de rua de Salvador: as mulheres, mesmo que quase todas elas adorem dizer que são feministas ou defendam o feminismo, não pensam duas vezes antes de perder o foco, eleger prioridades enviesadas para identificar quem são, de fato, seus opositores e apontar o inimigo em comum, esteja onde estiver, mas sempre vestido de abuso, imbuído da tentativa contínua de evacuar regras, oprimir e instaurar o machismo tão naturalizado como se fosse biológico.O que vem acontecendo no Brasil em tempos de polaridade política extrema? Os embates misóginos, baseados no ódio contra a mulher e na prática contumaz da ofensa contra o feminino, têm migrado para as ambiências das próprias mulheres entre si. Esse apartheid no modelo pós-eleitoral 2014, que dividiu o Brasil entre nós versus eles/elas, parece vir contribuindo em muito para o dissenso entre as mulheres. As ofensas entre negras e brancas, ricas e pobres, conservadoras e liberais, jovens e velhas, famosas e anônimas, gordas e magras vêm ignorando limites e turvando a imagem de quem é o verdadeiro inimigo da causa feminina ou feminista. A violência corre desenfreada em todos os segmentos sociais contra as mulheres e, enquanto isso, há mulheres dispostas a ofender outras sem dó e nem um tiquinho da outra palavrinha da vez, a sororidade (a solidariedade especifica entre as mulheres) por causa da apropriação cultural do turbante? É isso mesmo?Daniela e Lázaro (Foto: Max Haack/Ag Haack)Elza SoaresOnde está o foco do feminismo, dos feminismos, já que há várias militâncias e correntes com pautas diferentes, quando se lê uma carrada de ofensas contra Daniela Mercury porque, para homenagear um ícone da música brasileira, a cantora Elza Soares, saiu um dia sobre seu trio elétrico com blackface, ou seja usando maquiagem negra e com uma peruca black power? O argumento para que Daniela fosse ofendida por isso? Ah, é uma aproveitadora, uma usurpadora, a típica apropriadora cultural que usa elementos e signos da cultura negra para se promover tendo os privilégios de ser branca. Para que tá rude. Em tempo: Elza Soares adorou a homenagem. Nessa toada, mulheres: mais foco, mais prioridade e mais estratégia: não mirem nas minas. Mirem no abuso dos machos. Se o dia 8 de março não servir para lembrar disso, melhor passar ao largo da data, pois o sentido da coisa não foi captado.Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom-Ufba