Malu Fontes: o triângulo das bermudas da polícia

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Publicado em 12 de novembro de 2014 às 07:29

- Atualizado há um ano

A Bahia é o terceiro estado brasileiro onde a polícia mais mata, atrás apenas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os dados são do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no início desta semana, e revelam que a polícia brasileira matou 2.212 pessoas ao longo de 2013, numa média de seis pessoas por dia. Em cinco anos, matou mais do que a polícia americana ao longo de três décadas. Do lado da baixa policial por bandidos, 500 policiais foram mortos em 2013, a maioria fora do horário de trabalho.

Trazendo o caso para a Bahia, para além dos policiais que morreram assassinados por bandidos e do índice de mortes provocadas pela polícia, um fenômeno assustador tem ocupado as manchetes dos jornais: o desaparecimento de pessoas após serem abordadas nas ruas por policiais. Embora os casos em Salvador ganhem mais destaque, no interior da Bahia o fenômeno também tem seus registros. Essas pessoas, se encontradas, após dias de procura por parte da família, geralmente são sob a condição de indigentes dentro de uma gaveta gelada do Instituto Médico-Legal, ou aos pedaços, incineradas ou esquartejadas, sem cabeça, com pedaços de pele arrancados quando têm tatuagem, em pontos remotos de uma periferia qualquer ou em áreas de desova.

Um percurso que deveria ser reto, o caminho que vai da abordagem policial a uma delegacia, torna-se uma viagem (sem) rumo a uma espécie  de Triângulo das Bermudas, a região famosa pelo desaparecimento de aviões, barcos e navios. Nos casos mais recentes envolvendo a polícia baiana com essa sequência – abordagem, desaparecimento e busca desesperada por parte da família -, destacam-se o caso de três jovens encontrados mortos após serem levados dos bairros de Paripe e Alto de Coutos (agosto), o caso Geovani (abordado pela polícia também em agosto, no bairro da Calçada e encontrado sem cabeça e com as tatuagens arrancadas para dificultar a identificação) e o episódio mais recente: o sumiço (no dia 24 de outubro, após ser abordado e levado por policiais segundo testemunhas) do garoto Davi Fiúza, de 16 anos, no bairro de São Cristóvão.

Não existe, nesses três casos, nenhum policial sendo punido e quanto a Davi Fiúza não há qualquer informação sobre seu paradeiro. Sim, para muita gente, sobretudo no contexto da onda reacionária atual que varre o país, a polícia tá certa e se alguém desaparece sob a responsabilidade do Estado é porque há motivos justificáveis para isso. Mas como os Bolsonaros da vida ainda não são maioria, ainda não fazem as leis e o Brasil ainda é um Estado de Direito, não, a polícia não está certa em fazer gente desaparecer. Parece óbvio, mas não é: polícia é polícia e bandido é bandido. Assim como um bandido é criminoso, a tortura e a execução praticadas por policiais também são crimes, com o agravante de serem praticados pelo Estado, por agentes que usam a farda e as armas do Estado para matar. 

Circula à boca pequena, e não entre a população, mas entre policiais que sabem das coisas, que para fazer sumir uma pessoa sem costas quentes, dessas que, culpadas ou inocentes, não têm recursos para pagar o arrego, policiais da banda podre não precisam sujar as mãos. Descobriram há muito a logística indireta. Chega-se à boca de fumo mais próxima, dirige-se ao dono do pedaço e entrega-se o abordado, despachando-o dessa para a melhor com uma frase mágica, independentemente de ser verdadeira: esse aí te entregou. Ponto. Verdade ou mentira sobre a alcaguetagem, a vida do escolhido acaba ali, com todos os requintes de crueldade imagináveis. E os responsáveis pelo delivery ainda levam algum do chefão malvado.

* Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba