'Manual do Minotauro' reúne 1,5 mil tiras de Laerte

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Publicado em 1 de setembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Revelada nos anos 1970, a cartunista Laerte, por um determinado período, ficou marcada por personagens que criou, como os Piratas do Tietê, cujas tiras começaram a ser publicadas em 1991 na Folha de S. Paulo. Mais ou menos na virada do milênio, ela decidiu dar uma virada na carreira e decidiu não ficar mais restrita aos personagens que criara. Além dos Piratas, havia criado o super-herói Overman, Hugo Barachinni, a andorinha Lola e por aí vai.

A artista começou então uma nova fase na carreira, que agora está registrada no livro Laerte - Manual do Minotauro (Companhia das Letras/ R$ 100/ 416 páginas). O livro é uma compilação de 1,5 mil tiras publicadas entre 2004 e 2015, reunidas pela primeira vez.

Personagens "Eu deixei de lado as personagens que empregava nas tiras - eu as percebia como um limite ao roteiro, justamente porque já vinham 'prontas', com um acervo próprio de características, gostos, manias, tiques", revela a artista na apresentação do livro. A 'gag' final, aquela risada que arremata as tiras, também deixou de ser uma preocupação e deu lugar a filosofia, metafísica, poesia, e muitas dúvidas que angustiavam os protagonistas das historinhas. E que angustiam a própria artista.

Mas a mudança não foi aceita de maneira unânime: muitos leitores da Folha reagiram e sentiram falta do velho formato. "Alguns deixaram de me acompanhar; outros se identificaram e passaram a me seguir", revela. Mas ela assegura que a Folha lhe deu todo o apoio às novas propostas. "Quando me perguntam se um dia as personagens vão voltar, também fico embatucada. Eu não sei. Sei que me interessa muito esse jeito como está", diz. Não estão no livro, portanto, trabalhos protagonizados por Deus, os Gatos, o Zelador, o super-herói Overman e os Piratas do Tietê. Apesar disso, algumas figuras aparecem com alguma frequência, como o Minotauro que dá nome à compilação. Tem também uma senhora chamada Ruth, um santo, uma deusa e a galeria de tipos praticamente acaba aí. Nem há uma preocupação com um tema que relacione as tiras umas às outras.

Minotauro Laerte filosofa sobre o seu Minotauro: "Gosto de usar o Minotauro por causa da relação dele com o labirinto, esse lugar estranho onde as pessoas estão perdidas, mas estranhamente estão em casa também. O labirinto é a casa dele. No mito, é uma personagem trágica, bastante carregada", disse a desenhista, numa entrevista para o canal da Companhia das Letras no YouTube.

Um detalhe: o Minotauro de Laerte é semi-mocho: tem apenas um chifre e ele conta o que o inspirou: "Estava numa casa de campo e conheci um touro, um jovem boi que não tinha sido castrado. Era muito amoroso, carinhoso. Quebrou o chifre brigando com uma vaca mais brava que ele", diverte-se a artista.

A crítica social e política, que marcam as criações dela, estão presentes, claro. Nem Dom Pedro I escapa e, em uma das tiras, o imperador é transportado para os dias atuais. Vive ociosamente e seu pai, Dom João VI, o repreende por passar o tempo assistindo à televisão. Laerte diz que gosta de usar a história brasileira como mote para suas criações: "Eu acho legal pegar a história brasileira e ir destrinchando ela à luz da produção humorística. Eu acho isso um pouco difícil de fazer, em nome de você não falsificar as coisas e também não transformar coisas importantes em material de detalhe ou fazer o contrário: pegar coisas que não têm importância e levar para o primeiro plano", alerta. E termina o raciocínio, claro com uma piada: "Isso exige um cuidado específico: afinal, humor não é brincadeira!", diz, gargalhando.

Muito antes de Bolsonaro ser eleito e de estimular a compra de fuzis no lugar de feijão, Laerte já se preocupava com o uso de armas. "Na época do referendo sobre a comercialização de armas [2005], fiz campanha pela limitação do comércio de armas. O pessoal do Instituto Sou da Paz, com quem eu trabalhava, mostrou estudos que revelavam que o fato de existirem armas circulando tinha uma relação direta com o número de crimes e assassinatos", diz a cartunista.

Embora o humor seja naturalmente transgressor, Laerte reconhece que há humoristas reacionários: "Há, inclusive, alguns bolsonaristas. Isso é mais uma diferença para os anos 1970/80, porque nessa época não havia brecha para sair apoiando governo. Humorismo e comicidade não são sempre revolucionários. Então, frequentemente tem humorista acusado de misoginia e homofobia".

Site Para completar seus 70 anos, completados em junho, Laerte lançou um site - www.laerte.art.br que tem sido alimentado constantemente até que todas as suas criações estejam lá. O acervo está organizado por década, desde os anos 1970. Tem uma seção homônima ao livro, Manual do Minotauro, em que uma nova tira é publicada diariamente. Há ainda livros antigos à venda, como o Storynhas, com textos de Rita Lee e desenhos de Laerte. Tem também uma compilação de Muchacha, série que foi publicada na Folha de S. Paulo e mostrava os bastidores de uma série de TV da década de 1950, em que um dos protagonistas enlouquecia.