Mar Grande: 62 processos pedem bloqueio de bens da empresa após acidente de lancha

Marinha apontou três culpados com o acidente

Publicado em 24 de janeiro de 2018 às 09:48

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Atualmente  tramitam na Justiça 62 ações cautelares pedindo o bloqueio dos bens da empresa CL Transporte Marítimo e do proprietário, para resguardar o direito de parentes de vítimas e sobreviventes à indenização. São 57 na Ilha e cinco em Salvador, todas representadas pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE).

Ontem, a Marinha apresentou o resultado do inquérito que apurou as causas determinantes do acidente e as responsabilidades de cada parte. Foram considerados culpados o engenheiro responsável técnico pela embarcação, os proprietários da empresa CL Transporte Marítimo e o comandante da lancha. O engenheiro e os proprietários da empresa foram apontados por negligência. Já o comandante, por imprudência. 

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Dentre os pedidos da entidade estão indenizações como danos morais, psicológicos e materiais. De acordo com a coordenadora executiva das defensorias regionais, Soraia Ramos, a divulgação do resultado do inquérito pode corroborar na responsabilidade da empresa, que já havia sido apontada pela DPE como culpada.

O valor a ser pedido será estabelecido na audiência de conciliação ou determinado pelo juiz. A tramitação, no entanto, estava interrompida desde o recesso do Judiciário, em dezembro. A entidade espera que a ação volte a correr normalmente neste mês ou em fevereiro.

Em nota, a Agerba, responsável por fiscalizar as empresas que realizam a travessia, afirmou que “reafirma o seu compromisso com os usuários do sistema, fiscalizando as empresas concessionadas com relação à prestação de serviços de qualidade e que estejam de acordo com as normas de segurança estabelecidas pela Marinha do Brasil”.

“A agência não foi citada ou notificada pela autoridade marítima e, no âmbito da segurança, vai aguardar orientações sobre possíveis mudanças de protocolos estabelecidos pela instituição responsável”, informa.

O CORREIO tentou contato com a procuradora Josane Suzart, da 5ª Promotoria de Justiça do Consumidor (MP-BA), que instaurou um inquérito civil público para apurar a responsabilidade sobre o acidente, mas ela não se pronunciou.

Pedido de Justiça  A funcionária pública Ana Claudia Pita tinha acabado de chegar do trabalho quando recebeu a notícia que mais esperava nos últimos cinco meses: o resultado do inquérito que aponta as causas do naufrágio da lancha Cavalo Marinho I. Mãe de uma das vítimas da tragédia, a estudante Laís Pita, 20, Ana afirmou que já esperava parte do resultado: “Eu estava pedindo a Deus que saísse esse resultado, porque tinha certeza de que o comandante tinha culpa”.

Uma das sobreviventes do acidente, a estudante Joyce Oliveira, 21, conseguiu enxergar um resultado “positivo” no inquérito, mas espera por justiça: “Ainda faltam a Marinha e Agerba, pois eles sabiam que a lancha não tinha condição de navegabilidade e o que o acidente poderia acontecer”.

Cinco sobreviventes e um parente de uma de uma das vítimas da tragédia de Mar Grande criaram uma associação. “O objetivo principal é resolver questões de transporte e buscar melhorias para  o sistema”, conta Joyce.

No próximo sábado (27),  uma manifestação vai pedir celeridade nos processos. “A falta de segurança continua do mesmo jeito”, completa.

Marinha aponta culpados  Por cinco meses, uma pergunta pairou na mente dos moradores de Mar Grande, em Vera Cruz, e de milhares de baianos: quem errou? Quando a lancha Cavalo Marinho I naufragou dez minutos depois de sair do terminal da cidade para Salvador, no dia 24 de agosto, matando 19 pessoas, de quem era a culpa? 

Ontem, as primeiras respostas começaram a ser ditas. A Marinha apresentou o resultado do inquérito que apurou as causas determinantes do acidente e as responsabilidades de cada parte. Foram considerados culpados o engenheiro responsável técnico pela embarcação; os proprietários da empresa CL Transporte Marítimo e o comandante da lancha. O engenheiro e os proprietários da empresa foram apontados por negligência. Já o comandante, por imprudência. 

“É difícil apontar que, se um deles não tivesse acontecido, o acidente poderia ter sido evitado. A causa determinante foi o somatório”, afirmou o capitão dos Portos da Bahia, Leonardo Andrade Silva Reis.

O primeiro problema era que a Cavalo Marinho I não cumpria os critérios mínimos de estabilidade previstos. Mas não era isso que diziam os documentos emitidos pelo engenheiro responsável técnico. “Ela (a lancha) foi reprovada em todos os critérios de estabilidade”, diz Silva Reis.

Lastros indevidos  O segundo problema foi que, entre maio e junho de 2017 - depois da última vistoria, de 20 de abril -, a empresa instalou pedras de lastros que pesavam 400 quilos no convés. Eles não estavam fixados – ficavam apenas encaixados entre as cavernas – e foram instalados sem acompanhamento técnico.

Durante a viagem, elas se deslocaram para um dos lados e fizeram com que a lancha ficasse mais inclinada, diminuindo a estabilidade. Segundo o capitão dos Portos, para instalar pesos de lastros, é preciso seguir protocolos.

“Em condições seguras, os lastros servem para aumentar a capacidade da embarcação realizar manobras. É preciso que se contrate um engenheiro responsável técnico para que acompanhe e apresente à Marinha essas alterações, pedindo uma licença de alteração. Isso não foi cumprido”, pontua Silva Reis.

Assim, a Marinha entende que houve negligência, por parte da empresa. Como o engenheiro disse que “desconhecia” a instalação dos lastros, também houve negligência de sua parte, de acordo com o vice-almirante Almir Garnier Santos, comandante do 2º Distrito Naval. “Independente de ter os pesos, o cálculo de estabilidade não atendia a todos os critérios que a norma obriga”, diz.

O terceiro fator é a conduta do comandante. Para a Marinha, o piloto Osvaldo Barreto não tomou medidas preventivas de segurança diante de condições climáticas adversas (veja acima).   Mesmo com ventos, maré e ondas, o comandante seguiu em direção ao banco de areia – se ele evitasse a região, poderia minimizar os efeitos. Ou poderia retornar ao terminal e aguardar.

Procurado pelo CORREIO, o comandante da lancha, Osvaldo Barreto, disse que não tinha sido notificado do inquérito e que consultaria seus advogados. Ele confirmou que foi o único a pilotar a embarcação. Os proprietários da CL Transporte Marítimo, Lívio Garcia Galvão Júnior e Cleide Costa dos Santos Galvão, não foram localizados. O advogado da empresa, Manoel Joaquim Pinto Rodrigues da Costa, disse que não tinha visto o resultado.

O nome do engenheiro responsável técnico não foi divulgado. Em nota, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA) informou que "está solicitando à Marinha cópias das peças periciais produzidas pela mesma para, no caso da existência de profissionais fiscalizados por este Conselho envolvidos com o citado acidente, proceder-se a apuração de possíveis faltas éticas praticadas pelos mesmos".