Mar Grande: PM conta como lutou para sobreviver e ajudou vítimas

Sargento Jonas Coelho de Araújo e outros quatro PMs que estavam em lancha foram condecorados por atos de bravura

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  • Nilson Marinho

Publicado em 1 de setembro de 2017 às 18:50

- Atualizado há um ano

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O troféu de pouco menos de 20 cm é pequeno diante da coragem e da solidariedade do sargento Jonas Coelho de Araújo, da 5ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Vera Cruz), um dos cinco policiais que, na manhã do dia 24 de agosto, embarcaram na lancha Cavalo Marinho I, que, naquele dia, faria uma travessia trágica e não chegaria a completar a viagem até Salvador. A lancha sofreu um acidente, 10 minutos depois de sair do terminal de Mar Grande, deixando 19 mortos e uma adolescente desaparecida.

A singela homenagem também foi feita para os outros quatro PMs que viajavam na embarcação e participaram do salvamento e resgate de inúmeras vítimas. O cabo Jailson Nascimento Cardoso, da Rondesp/BTS, e os soldados Davi Borges Souza, também da 5ª CIPM, Valdemar Alves de Freitas Júnior, da 1ª CIPM, e André Luis Batista de Oliveira, da 23ª CIPM, receberam os aplausos de colegas e familiares que assistiam a cerimônia. Ainda em recuperação, o soldado André Luis não pode comparecer à homenagem.

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Durante a cerimônia, Jailson, Davi e Valdemar, ainda abalados com a tragédia, preferiram não dar declarações. Apenas se concentraram em receber as menções honrosas do comandante geral da PM, Anselmo Brandão, do secretário da Segurança Pública, Maurício Teles Barbosa, e de Joarez Alves Pereira Junior, general de divisão da 6ª Região Militar.

A solenidade, que aconteceu na manhã desta sexta-feira (1°), na Vila Militar do Bonfim, foi em homenagem ao Dia do Soldado, data comemorada no dia 31 de agosto. Na ocasião, além dos cinco policiais, outros 52 praças receberam a mesma homenagem dos sobreviventes, chamada de "destaque operacional". Outros também foram agraciados com as medalhas de mérito, totalizando 199 condecorações.

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O reconhecimento, criado neste ano, destaca os esforços de PMs que participaram de ações consideradas "delicadas" entre os meses de março e agosto, e que, de alguma forma, deram seu melhor como profissionais que têm o compromisso de guardar vidas. Por lá, estavam policiais de todo o estado. Alguns deles, por exemplo, participaram de operações contra roubos a bancos e desarticulação de sequestro.

As medalhas e agradecimentos foram dadas sob o som da banda da PM, tendo ao fundo parte da corporação da Rondas Especiais (Rondesp), Grupamento Aéreo da PM, Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa) e o Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Acidente O sargento Araújo estava em serviço na noite anterior ao acidente, e precisou ser liberado mais cedo pelo seu superior para buscar um documento no bairro da Ribeira, em Salvador, na manhã seguinte. De lá, ele iria até a cidade de Nazaré (das Farinhas), no Recôncavo, onde precisava resolver outras coisas. Os planos mudaram completamente 10 minutos depois de passar pela catraca do Terminal de Vera Cruz e embarcar na Cavalo Marinho I. 

Sobre o momento do acidente, ele relata que estava na lateral da embarcação, justamente no lado para onde os outros passageiros correram, depois de uma forte chuva. Em questão de segundos, foi tomado de súbito pelo movimento da embarcação, que inclinou e, nesta parte, submergiu.

Já debaixo d'água, o PM ficou preso e lutou para conseguir se desprender dos destroços da lancha."Tinha alguém ou alguma coisa me prendendo, me prensando. Quando fiquei mais folgado, consegui sair mergulhando, mas o vácuo da embarcação me puxava para o fundo", narrou o sargento.Na superfície, o PM se deparou com o cenário trágico do acidente e foi prestar ajuda aos passsageiros que ainda lutavam pela vida."Assim que eu consegui vencer, quando respirei, olhei em volta e, com a experiência que tenho, pensei: 'agora preciso ajudar as pessoas que estão aqui'", contou.Foi aí que ele iniciou uma tarefa difícil: a de tentar manter a calma das vítimas e, ao mesmo tempo, prestar a ajuda necessária para que eles saíssem vivos daquela situação. Durante as duas horas, até o momento da chegada da Marinha, o PM ajudou dezenas de pessoas a colocar coletes salva-vidas e a subir nos botes.

Os outros policiais chegaram até a atirar para cima, na esperança que uma embarcação que passava ao lado, na hora do acidente, pudesse prestar socorro mais rápido. Sinalizadores também foram disparados. Em vão.

Emoção Nem as menções honrosas e a certeza de que ele contribuiu para salvar dezenas de pessoas emocionou tanto o PM quanto o abraço que ele recebeu do seu pai, um ex-combatente da Marinha, que esteve em cenário de guerra, depois que tropas brasileiras desembarcaram na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial.

"Ele é um guerreiro. Nós herdamos alguma coisa dos nossos pais e eu me sinto muito orgulhoso por isso. Quando ele soube, me abraçou e disse: ‘meu filho, você fez o mesmo que eu fiz’. Essa declaração dele foi muito importante", disse o sargento.

Quando perguntado o que estava fazendo em uma embarcação temida por muitos usuários, respondeu: "No momento certo, na hora certa. Eu tenho muita proximidade com o mar. Me senti tranquilo porque o mar é uma das minhas casas. Eu já tinha uma certa tranquilidade, até porque já passei por situações bem piores", disse.

Missão Há 25 anos servindo a polícia, o sargento agora pensa em aposentar a farda, indumentária que ele sempre buscou honrar. A previsão para aposentadoria é para o próximo ano e, até lá, Araújo espera não passar por mais nada parecido, nem em atividade, nem fora de serviço - como ele estava naquela manhã trágica.

Mas, caso venha a acontecer, diz que, se necessário, dará sua vida, como se propôs no juramento que fez no dia que se tornou um praça. "Quando escolhemos a profissão, sabemos o que poderá vir a acontecer. Se possível, doamos nossas vidas para salvar outras", concluiu o PM, antes de voltar ao posto.