Marco na luta contra o câncer ganha Prêmio Nobel de Medicina

Ao estimular a capacidade do nosso sistema imunológico de atacar células tumorais, os pesquisadores estabeleceram um princípio inteiramente novo para enfrentar o câncer

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  • Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

Um caminho de esperança para quem enfrenta uma das doenças mais cruéis existentes ganhou a atenção do mundo nesta segunda-feira (1º). O prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia laureou os pesquisadores James P. Allison, dos Estados Unidos, e Tasuku Honjo, do Japão, pela descoberta de uma terapia contra o câncer por inibição da regulação imunológica negativa. Os dois vão dividir o prêmio de 9 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1 milhão).

Para os organizadores da premiação, a descoberta constitui um marco na luta contra o câncer por estimular a capacidade do sistema imunológico de atacar as células cancerígenas soltando os freios das células do sistema imunológico.

Ao estimular a capacidade do nosso sistema imunológico de atacar células tumorais, os pesquisadores estabeleceram um princípio inteiramente novo para enfrentar o câncer, trazendo mais alternativas às tradicionais terapias, como cirurgia, radioterapia e quimioterapia. 

O comitê do Nobel lembrou que tentativas de estimular o sistema imune para esse fim já vinham ocorrendo desde o final do século XIX. 

Ocorre que o funcionamento do sistema imunológico está baseado no reconhecimento do que são células próprias do corpo das que são invasoras, como uma bactéria ou um vírus, para assim poder atacá-las e eliminá-las. Células cancerígenas, como são mutações das nossas próprias células, acabam confundindo as defesas do organismo.

Freios

Os dois pesquisadores estudaram, de modo independente, proteínas que atuam como uma espécie de freio das chamadas células T do sistema imune.

James P. Allison, 70, chefe do Departamento de Imunologia do MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, foi o primeiro, no início dos anos 1990, a investigar o funcionamento da proteína conhecida como CTLA-4, que tem essa função de se ligar à célula T, impedindo sua ação. 

A proteína já estava na mira de vários pesquisadores para o tratamento de doenças autoimunes, mas o americano foi o primeiro a ver uma forma de bloquear a proteína, para assim liberar o sistema imune para atacar as células de câncer. CORREIO Gráficos Nos primeiros testes com camundongos, os resultados foram promissores. Allison e equipe conseguiram curar os animais com o uso de anticorpos que impediam esse freio natural e liberar a atividade das células T. Mais pesquisas foram feitas até chegar aos testes clínicos com seres humanos. Em 2010, um deles conseguiu o efeito esperado em pacientes com melanoma (câncer de pele) avançado. Os sinais da doença desapareceram em vários pacientes. 

Em 2011, o governo americano aprovou o primeiro medicamento baseado nessa descoberta e ele passou a ser usado no tratamento de melanomas. Allison disse que a terapia já está sendo usada contra outros tipos de câncer como o de pulmão. 

O trabalho de Tasuku Honjo, 76, pesquisador da Universidade de Kyoto, teve início em 1992. Ele descobriu que outra proteína, a PD-1, também funciona como um freio para as células T, mas em um mecanismo diferente da CTLA-4. 

Em 2012, um estudo clínico demonstrou eficácia no tratamento de pacientes com diferentes tipos de câncer. Houve remissão a longo prazo e possível cura em vários pacientes, inclusive em alguns com câncer já metastático, condição até então considerada intratável.

Para o comitê do Nobel, as possibilidades de tratamentos que se seguiram às descobertas “mudaram fundamentalmente o resultado para certos grupos de pacientes com câncer avançado”. 

“Os cientistas ambicionam simplesmente forçar as fronteiras do conhecimento, e minha intenção não era estudar o câncer, mas entender a biologia das células T, essas células incríveis que correm pelo nosso corpo para protegê-lo”, falou Allison ao comemorar o prêmio.  Já Honjo disse que sua intenção é “continuar com a pesquisa para que a imunoterapia salve mais pacientes com câncer do que nunca”. 

Os organizadores do Nobel lembraram que, como ocorre com outras terapias, há efeitos colaterais que podem até mesmo colocar em risco a vida dos pacientes. Em alguns casos foi observada uma resposta imune hiperativa, mas em geral são gerenciáveis.

Avanço do câncer

De acordo com dados da Agência para a Pesquisa do Câncer, entidade ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), o câncer avança e 18,1 milhões de novos casos serão registrados em 2018 no mundo, com um total de 9,6 milhões de mortes. Se nada for feito, o levantamento alerta que as incidências vão atingir 29,4 milhões de novos casos em 2040, uma expansão de 63% nos próximos 20 anos. A mortalidade deve subir de 9,6 milhões de pessoas hoje para 16,3 milhões em 2040.

No Brasil, a pesquisa apontou 559 mil novos casos de câncer, com 243 mil mortes, em 2018. E as projeções da doença para 2040 avaliam um aumento de 78,5%, com 998 mil novos casos registrados. Alguns planos de saúde no Brasil já cobrem o tratamento baseado nas descobertas de Allison e Honjo. Porém, o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece esse tipo de tratamento. No entanto, pacientes podem conseguir o tratamento gratuito se participarem de grupos de pesquisas clínicas em hospitais de referência em Oncologia. 

Cientistas brasileiros

Pesquisadores brasileiros criaram um biossensor capaz de diagnosticar precocemente o câncer de pâncreas, considerado um tipo de tumor raro no Brasil, porém altamente letal por ter sintomas que demoram para aparecer  e quando dão sinais indicam que a doença já está em  estágio avançado, tornando  o tratamento mais difícil.

Os cientistas do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), em parceria com o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), do Hospital de Câncer de Barretos, e a Universidade do Minho, de Portugal, construíram um dispositivo de baixo custo que consegue detectar o biomarcador do câncer de pâncreas com alta sensibilidade e seletividade. 

“Conseguimos fazer um biossensor de baixo custo capaz de detectar o biomarcador do câncer de pâncreas em amostras reais de sangue e de células tumorais em uma faixa de relevância clínica”, disse um dos criadores do marcador, o professor do IFSC-USP Osvaldo Novais de Oliveira Junior.

De acordo com a Fapesp, que apoia o projeto, o dispositivo é formado por duas lâminas em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro), compostas por ácidos e anticorpos que reconhecem o antígeno CA19-9, proteínas existentes nas células cancerígenas. 

Atualmente, a detecção do CA19-9 é feita por meio do teste Elisa, que é um exame de sangue de alto custo e sensibilidade limitada, sendo difícil para detectar câncer de pâncreas em estágio inicial.