Mau cheiro do Dique do Tororó impede realização de rituais sagrados

Local é utilizado por adeptos do candomblé, que protestam no local nesta sexta

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  • Milena Hildete

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 02:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

A coloração da água do Dique na última quarta-feira (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A fedentina exalada pelo Dique do Tororó nas últimas semanas tem atrapalhado até mesmo os rituais religiosos. Membros de terreiros de candomblé de toda a cidade têm sido diretamente afetados pelas condições do manancial, que, para a religião, é considerado sagrado. O Dique é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1959 e ‘guarda’ 12 esculturas de orixás, assinadas pelo artista plástico Tati Moreno.

Como forma de protesto contra o mau cheiro e a sujeira, a partir das 7h desta sexta-feira (20), representantes de pelo menos dez casas de candomblé vão se reunir no local para uma manifestação. De acordo com o ogã da Casa de Oxumarê, Leonel Monteiro, um dos organizadores do movimento, a ideia é promover um Ato em Defesa das Águas Sagradas do Dique do Tororó. No ato, o grupo estará com atabaques, na altura da saída para a Avenida Vasco da Gama - que tem sido apontado como um dos locais onde o mau cheiro está mais forte, assim como nas proximidades da Lapa.“Esse mau cheiro vem nos preocupando, porque ninguém tomou nenhuma atitude e ali é um dos locais considerados uma extensão dos terreiros. Ali é uma área historicamente considerada sagrada para a comunidade de matriz africana. Terreiros de candomblé depositam anualmente suas oferendas às divindades ligadas às águas”, explica o ogã Leonel.Segundo ele, o Dique não apenas é o local de entrega dos presentes para Oxum na madrugada do dia 1º de fevereiro. Ao longo do ano, muitas casas levam presentes para ofertar aos orixás, de acordo com o calendário de cada uma.

“Para que a gente possa manter a ligação com o sagrado, a natureza precisa estar preservada. Quando a água está poluída, tem alguma alteração, o axé está desequilibrado e isso impede o culto. Isso impede a perpetuação do ato de levar o presente às águas”, disse ele.

Para dar uma ideia, o ogã faz uma analogia: quem pegaria um lanche e levaria para comer em um lugar sujo e com mau cheiro? De acordo com ele, “ninguém faz isso”. “Você não pode depositar uma oferenda, no caso, alimentar o sagrado, em um ambiente poluído”, afirmou.

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O sacerdote do terreiro Vodun Zo, conhecido como Doté Amilton Costa, é um dos religiosos que participarão do ato. Ele faz oferendas no Dique há mais de 43 anos, mas neste ano, preferiu não cumprir o ritual religioso no local. “Eu faço isso desde quando me entendo por gente e fiz até quando o Dique estava sendo restaurado. Mas, como é que vai colocar oferenda com aquele mau cheiro? Tá tudo sujo e a natureza vai rejeitar, porque pra gente precisa que tudo esteja despoluído”, comentou. 

A ialorixá e matriarca do terreiro Ilê Asé Omo Omin Tundê, Mãe Rita de Oxum, também leva presentes para o local. Todo ano, ela prepara duas oferendas - apenas com frutos e flores - para o Dique (que é de água doce) e para as águas salgadas. “Deixamos de fazer um ritual obrigatório (em maio), porque não tinha condição nenhuma de fazer no Dique”, lamentou. De acordo com a religiosa, o clima da região mudou.“Com aquele mau cheiro gritante, não tem como colocar as oferendas, porque os orixás se sentem incomodados”, declarou Mãe Rita de Oxum.A fala da religiosa mostra que o problema não é novo. O professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), afirmou, na quarta-feira, que o Dique sofre de poluição crônica - e isso vem piorando há mais de 400 anos.

 Apesar disso, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), ligado à Secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema), e a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder) informaram que não são responsáveis pelo espelho d’água. A prefeitura de Salvador reafirmou que o Dique é de responsabilidade do governo do estado.

Aula pública Além do ato promovido pelos terreiros nesta sexta, professores do Instituto de Biologia da Ufba vão promover uma aula pública também pela manhã, no Dique.

“Vamos levar microscópio, material para as pessoas verem e tirarem suas dúvidas”, adiantou o professor Eduardo Mendes. O aulão será público.

Mendes explicou ao CORREIO que há muitas maneiras de sanar o problema a médio e longo prazo - todas com o objetivo de promover a restauração ecológica. “Significa trazer o nível de qualidade ambiental para que as pessoas possam utilizar essas águas de forma lúdica”, disse o professor. Ele ainda afirmou que seria necessário investigar o escoadouro para ver se a região não está entupida. “Não é absurdo não poder nadar ou fazer stand up paddle no Dique?”

A Embasa também já negou ser responsável pela manutenção das águas do Dique.