Medalhista em Tóquio pode ser punida por fazer gesto em defesa da saúde mental

Lésbica e negra, Raven Saunders protagonizou a primeira manifestação em pódio desta edição dos jogos

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 2 de agosto de 2021 às 19:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Usopc/Divulgação

Qual seria a sua reação ao conquistar uma medalha olímpica? O que se passaria na sua cabeça ao pegar aquele pequeno apetrecho cheio de história e significado? Em quem você pensaria? O que faria? A primeira reação de Raven Saunders após receber a medalha de prata conquistada no arremesso de peso, Raven Saunders decidiu protestar e deixar uma mensagem pelas vidas de pessoas negras, mulheres lésbicas e por aquelas e aqueles que lutam por sua saúde mental. E o Comitê Olímpico Internacional (COI) pode até puni-la por isso.

Ao subir no pódio, estava visivelmente eufórica. Depois de colocar a medalha no peito, ergueu os braços e cruzou os punhos em forma de "X" um pouco acima da cabeça fazendo a primeira manifestação em pódio da Olimpíada de Tóquio. Segundo a própria Saunders, o gesto representava a “interseção onde todas as pessoas oprimidas se encontram”."Grito para todos os meus negros. Grito para toda a minha comunidade LGBTQ. Grito para todos os meus funcionários que lidam com saúde mental. Para mostrar aos mais jovens que não importa em quantas caixas eles tentem encaixar você, você pode ser você e pode aceitar isso. As pessoas tentaram me dizer para não fazer tatuagens e piercings e tudo isso. Mas olhe para mim agora, e estou brilhando", disse a medalhista estadunidense.Conhecida como a Mulher Hulk, apelido que é levado com carinho pela atleta que usa máscaras com imagens do personagem da Marvel e também do Coringa, vilão de Batman, da DC Comics, Saunders enfrentou o pico de uma depressão profunda há três anos e meio. Segundo a própria atleta, em janeiro de 2018, pensou em suicídio diversas vezes. 

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A atleta chegou a pegar o seu carro e saiu pelas ruas de Oxford, Mississipi, apenas passando em frente dos locais onde deveria parar. Sentia que era a última vez que os enxergaria em vida. Estava pronta para jogar seu carro em um barranco quando sentiu algo e decidiu escrever uma mensagem a uma psicóloga de extrema confiança, mas com a qual não falava havia oito meses.

Caso não tivesse resposta até chegar ao próximo ponto de seu itinerário, um supermercado, desistiria. A terapeuta respondeu e aquela mensagem, segundo a própria Raven, a puxou de volta à vida.

Depois do episódio, voltou a se tratar e foi diagnosticada com depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático. Deixou a universidade e praticamente não competiu entre 2018 e 2019.

Os problemas começaram no ano anterior à tentativa de suicídio interrompida. Raven teve uma série de lesões e muita dificuldade para manter a forma física - muito devido à rotina que dividia estudos e competições, soma que tinha como produto uma pressão gigantesca."Quero dar visibilidade a pessoas de todo o mundo que estão lutando e não têm plataforma para falar por si mesmas. Um salve para meu povo negro. Um salve para toda a minha comunidade LGBTQ. Um salve para todo o meu povo que lida com saúde mental”, afirmou.: Raven posa com bandeira dos EUA após conquista da prata (Foto: Andrej Isakov/AFP) O COI anunciou nesta segunda (2) que está analisando o gesto feito pela estadunidense. Porta-voz do Comitê, Mark Adams afirmou em entrevista coletiva que o COI está em contato com o órgão internacional que rege o atletismo e com o Comitê Olímpico e Paraolímpico dos Estados Unidos (Usopc).

"Conforme os termos da delegação do USOPC, o USOPC realizou sua própria análise e determinou que a expressão pacífica de Raven Saunders em apoio à justiça racial e social que aconteceu na conclusão da cerimônia foi respeitosa com seus concorrentes e não violou nossas regras relacionadas a manifestações", afirmou o órgão em nota enviada à agência Reuters em defesa da atleta.

No mês passado, o Comitê flexibilizou a regra 50, que proibia os atletas de fazerem qualquer tipo de protesto. Agora, é permitido fazer gestos em campo desde que, segundo a norma, aconteça sem interrupções e com respeito pelos outros competidores. Mesmo assim, ainda existe uma ameaça de sanções para protestos no pódio, durante a cerimônia de entrega de medalhas.

Sobre toda essa situação, Raven optou pelo bom humor. Em sua conta no Twitter, escreveu que se alguém tentar tomar a sua medalha, ela sai correndo pela fronteira japonesa e vai conseguir escapar - ainda que não saiba nadar.