Medicina come mosca em relação a transtornos mentais que levam ao suicídio

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 20 de novembro de 2018 às 19:21

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Um amigo muito querido tentou o suicídio recentemente. Salvou-se, mas com sequelas. 

Eu tenho transtornos mentais e a ideia de morte voluntária é uma constante em minha vida há pelo menos 15 anos. 

A filha do poeta, tradutor e ensaísta Régis Bonvicino tirou a própria vida mês passado. Era uma bela moça de 25 anos de idade. Jogou-se do décimo terceiro andar, vítima, provavelmente, de uma severa depressão, interface da bipolaridade, doença da qual ela era vítima.

Um vizinho meu de porta se matou aos 63 anos se jogando do vão do Elevador Lacerda. Custou a morrer. Depois da imensa queda, só conseguiu se libertar das dores no hospital, horas depois.

O jovem e talentoso romancista Victor Heringer também tirou a própria vida. Era jovem, belo e talentoso, como eu disse. 

Há um breve romance do Martin Amis, Trem Noturno, que trata do suicídio de uma mulher que tinha tudo para desejar viver eternamente. Era jovem, bonita, talentosa e milionária. Mas no romance ela é vítima de uma doença cujos “sintomas” são exatamente esses.

Todas as pessoas citadas acima - modelos, já que não teria fim um post com a citação de todos que conheço que se mataram - estavam sendo acompanhadas por psiquiatra e sendo medicadas. Estavam sendo tratadas, portanto. Então eu nos pergunto: o que está acontecendo? Eu nos respondo: a Medicina está comendo mosca há muito tempo no que diz respeito a transtornos mentais severos. A Medicina vem perdendo feio. O binômio Psicoterapia X Medicamento não está funcionando. Li um livro de um psiquiatra, cujo nome não me ocorre agora, que fala abertamente sobre a fragilidade do tratamento clássico. Um psiquiatra está falando isso! Não um psicólogo.

O que fazer então? Parar de filosofar. Nesse sentido Jung me interessa mais. Mas só nesse sentido, o de não filosofar, o de não intelectualizar a saúde mental. Freud construiu um saber a partir do intelecto, e estimulou o desenvolvimento de uma filosofia psicanalítica. Mas jamais perdeu a Medicina de vista, a clínica, o cuidado urgente com os que sofriam. Até que surgiu Lacan, e a coisa ficou tão acadêmica, tão vaidosa (franceses, quando entram no jogo, querem escrever imediatamente o anti-Édipo, como se num ataque de mania)... E logo se tornou hegemônica, pois o ser humano é, por natureza, vaidoso, já dizia o Eclesiastes...

Congressos, congressos, congressos (em geral bancados com dinheiro público), livros sobre o comentário ao comentário feito sobre o comentário que um pós-estruturalista fez à obra de Foucault, tendo em vista um dos seminários de Lacan, mal traduzido pela Zahar. Filosofia, enfim. Até hoje há congressos só para discutir a correta ou incorreta tradução do termo freudiano trieb.

Enquanto isso, pacientes em estado de emergência fazem psicoterapia semanalmente, gastam 3 mil reais por mês só com psicoterapeutas e psiquiatras e, algum tempo depois, se matam - às vezes a conta fica para os parentes.

O Estado precisa levar a sério o transtorno mental e parar de oferecer apenas remédio e psicoterapia de grupo de 15 em 15 dias, com sessões de 15 minutos (!). O tratamento particular precisa ser menos elitista, cobrar menos, e, sobretudo, ser mais efetivo. Como ser mais efetivo? Pensando mais em Hipócrates (ou Charcot) que em Deleuze e seus epígonos, editores e livrarias. Já há literatura médica demais para “a arte do bem dizer”. E Winnicott merece mais chances.

*Henrique Wagner é "escritor e doente mental".

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização do autor.

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