Médicos exumam corpo do escritor Lima Barreto

Na peça Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, que estreia no Teatro Vila Velha, escritor passa por uma autópsia

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  • Laura Fernades

Publicado em 28 de novembro de 2017 às 06:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Valmyr Ferreira/Divulgação

Já imaginou se médicos decidissem fazer uma autópsia no escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) para esclarecer “como um cérebro considerado inferior pode ter produzido uma obra literária tão vasta e rica”, já que esse privilégio era exclusivo “das raças tidas como superiores?”. Pois esse é o mote do monólogo Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, que estreia quinta-feira (30), no Teatro Vila Velha, no Campo Grande.

Protagonizado por Hilton Cobra, 61 anos, o espetáculo comemora os 40 anos de carreira deste ator baiano radicado há 33 anos no Rio de Janeiro. “É uma festa, uma celebração que faz refletir e discutir a eugenia, o racismo, a literatura e as alegrias. Quero passar dez anos com esse espetáculo”, agradece Cobra sobre a peça que tem texto de Luiz Marfuz, direção de Fernanda Júlia e cenário de Marcio Meirelles.

Apresentado recentemente na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o espetáculo foge da biografia didática para apresentar vida e obra de Lima Barreto. Inspirado em romances, contos e crônicas de Lima, especialmente Diário Íntimo e Cemitério dos Vivos, o monólogo destaca diferentes facetas do escritor e passeia por temas como o racismo e a eugenia, teoria usada pelos nazistas para justificar a seleção dos “melhores indivíduos” para continuar a raça humana.

Atualidade Trechos de dois filmes do cineasta sueco Peter Cohen, Homo Sapiens 1900 (1998) e Arquitetura da Destruição (1989), costuram a narrativa que tem participação em voz off de atores como Lázaro Ramos, Frank Menezes, Harildo Deda e Hebe Alves. A partir da peça, que tem direção de movimentos de Zebrinha e direção musical de Jarbas Bittencourt, Cobra reforça que a ideia é destacar a importância dos autores negros.

“Lima Barreto é um autor que a sociedade brasileira estava devendo produzir e reproduzir o pensamento”, defende, sobre o escritor que morreu precocemente aos 41 anos. “Nossa peça é uma contribuição para isso, chama a atenção para que se publique mais autores e autoras negros”, reforça.

A atualidade de Lima, continua Cobra, permite jogar luz sobre temas que em sua avaliação continuam marcando a sociedade contemporânea. “A segurança pública é, nada menos, que um ato de extermínio da população negra brasileira. Isso é uma forma de limpeza étnica que não interessa aos poderes combater”, compara.

O racismo opera, ainda segundo o ator, invisibilizando a produção de pessoas como Lima Barreto. “O racismo diz: você não será lido, vou impedir que você cresça e apareça. O racismo no Brasil é secular e Lima Barreto foi absurdamente perseguido por conta disso”, denuncia Cobra que acredita estar lidando, ainda hoje, com um país “preponderantemente racista”.

Diretora da peça, Fernanda Júlia, 38, destaca que a “escrita genial impedida de vir à luz" foi o processo que corroeu Lima Barreto que "não enlouqueceu", “foi enlouquecido”. “Nunca foi tão necessário reler e repensar Lima Barreto. Ele escancara uma verdade histórica que se reforça, sofistica e reinventa no século XXI. É um forma de compreender nosso tempo pela lente do passado”, destaca.

Serviço Espetáculo: Traga-me a cabeça de Lima Barreto, com o ator Hilton Cobra Quando: De quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Até 10 de dezembro Onde: Teatro Vila Velha (Passeio Público | 3083-4600) Ingresso: R$ 20 | R$ 10 (quintas) e R$ 30 | R$ 15 (de sexta a domingo)