Mensalinho: MP detalha como servidoras abriram brechas para desvios de ONG

Ambas também se omitiram diante de irregularidades no contrato para construção de 1.120 casas populares

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 23 de setembro de 2014 às 09:38

- Atualizado há um ano

As investigações do Ministério Público da Bahia sobre os desvios no Instituto Brasil detalham como duas servidoras da cúpula da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (Sedur) ajudaram a ONG a driblar normas para abocanhar um convênio milionário com o governo. Segundo o MP, ambas também se omitiram diante de irregularidades no contrato para construção de 1.120 casas populares.Dalva, na sala de apê no Horto, frequentado pela esquerda boêmia (Foto: Acervo pessoal)Em ação civil pública, movida em junho de 2012, a promotora Rita Tourinho narra a participação da arquiteta Liana Viveiros, então superintendente de Habitação da secretaria, e da administradora Lêda Oliveira, à época diretora geral da pasta. Ambas eram servidoras de confiança do hoje deputado federal Afonso Florence (PT), titular da Sedur no primeiro governo de Jaques Wagner. O processo está na 7ª Vara de Fazenda Pública: as servidoras, bem como a presidente do Instituto Brasil, Dalva Sele Paiva, e outras quatro pessoas são réus e estão com seus bens bloqueados. Lêda Oliveira e Liana Viveiros não foram encontradas para comentar as acusações do Ministério Público.

De acordo com o documento remetido à Justiça pelo MP, a origem dos desvios remonta a 18 de agosto de 2008. Nessa data, a presidente do Instituto Brasil propôs um convênio de R$ 17,9 milhões para erguer unidades habitacionais, por meio do programa Dias Melhores, destinado à população de baixa renda.

Dalva Sele Paiva é a autora das denúncias contra políticos e parlamentares do PT baiano, publicadas na revista Veja desta semana. Em 5 de novembro, menos de três meses depois da apresentação da proposta, Liana Viveiros indicou o Fundo Estadual de Combate à Pobreza como fonte de recursos para o convênio. Em ofício à Coordenadoria de Provisão Habitacional da Sedur, Liana deu um empurrão  para o Instituto Brasil.

Sem fundamento legal, de acordo com o MP, a servidora defendeu a assinatura do  convênio sem concorrência pública. Segundo Liana argumentou no ofício, a celebração do contrato não necessitava “de prévia licitação”, pois não “há viabilidade de competição quando se trata de mútua colaboração”. Em tom elogioso, ela citou parcerias desenroladas pela ONG com as prefeituras de Salvador e Lauro de Freitas, durante as gestões de João Henrique (então no PMDB) e Moema Gramacho (PT), respectivamente. “(Liana) Só não deixou claro o porquê da escolha da referida organização”, ressaltou o MP na ação civil.AlertaDiante do avanço da proposta na Sedur, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) emitiu um parecer contrário à assinatura do convênio. Como indicam documentos anexados à ação, a PGE fundamentou sua argumentação em três pontos: a exigência de abrir licitação, já que o tipo de serviço não era exclusividade da ONG; a incompatibilidade entre o projeto e as atividades descritas no estatuto da entidade; e a falta de comprovação de que o Instituto tinha suporte financeiro para bancar a contrapartida no acordo - fixada em R$ 255 mil.Foi a partir daí que o processo recebeu o apoio de Lêda Oliveira, a outra servidora acionada pelo MP por improbidade administrativa. Um documento localizado pela promotora revelou como Lêda, atualmente lotada na Secretaria de Comunicação Social, agiu a favor do Instituto Brasil para resolver o impasse com a PGE.Primeiro, disse que não havia tempo hábil para chamada pública, “em virtude da urgência de atender (sic) ao interesse público através da construção de casas populares”. Destacou ainda o que considerou “baixo custo” para construção das unidades - R$ 8,5 mil cada, valor depois aditado para R$ 12,7 mil, cerca de 50% a mais. Em 18 de dezembro, quatro meses depois, com a ajuda de Lêda e Liana, o convênio foi assinado pela Sedur. Para o MP, “tais fatos (a data de assinatura da parceria e o aditamento do valor das unidades habitacionais) demonstram a falsidade do motivo alegado pela diretora geral da Sedur para a ausência do chamamento público”.IndíciosDurante as investigações, o MP também suspeitou de que Liana Viveiros e Lêda Oliveira facilitaram a aprovação da primeira prestação de contas do convênio com o Instituto Brasil, mesmo com irregularidades detectadas por auditores. Entre as quais, aponta o MP, a descoberta de 39 notas fiscais “inidôneas”, que totalizaram R$ 3,7 milhões. Os indícios de desvios não impediram que as servidoras aprovassem o pagamento de parcelas subsequentes para a ONG.“A Auditoria Geral, através de pesquisa e contato com os supostos fornecedores, constatou que a maioria negou qualquer serviço ao Instituto Brasil e alguns sequer foram localizados nos endereços fornecidos nas notas fiscais”, revelou o MP na ação contra a ONG, as duas chefes da Sedur e mais quatro funcionários do órgão.Para o MP, os desvios podem ter chegado a R$ 6 milhões. Esse é o valor que Dalva Sele disse, à Veja, ter abastecido contas e campanhas de petistas baianos. A revista cita nominalmente Florence, o candidato do PT ao governo, Rui Costa, o senador Walter Pinheiro e o deputado Nelson Pellegrino. Todos negaram as acusações, garantiram se tratar de mentira e armação eleitoral e adiantaram que vão processar a revista.Dalva Sele Paiva, uma mulher bem relacionadaAutora da denúncia que apimentou a reta final da campanha pelo governo do estado, Dalva Sele Paiva está longe de ser uma ilustre  desconhecida dos políticos da esquerda baiana, como alega grande parte dos atingidos pelas acusações. Moradora de um edifício luxuoso no Horto Florestal, área Classe A da capital baiana, a presidente do Instituto Brasil era velha habitué das rodas da “esquerda boêmia”. A  expressão se refere ao grupo de intelectuais e militantes do PT e do PCdoB baiano que frequentam os redutos mais festejados do Rio Vermelho. Também era presença constante nos camarotes e eventos das promoters mais badaladas do estado. “A antiga residência dela na Cardeal da Silva era point da turma do PT. Eu mesmo fui a algumas festas lá. Tinha deputados, que a tratavam como amiga. O apartamento dela na Waldemar Falcão (rua chique do Horto) também vivia cheio com essa turma”, conta um amigo antigo de Dalva, que prefere se manter no anonimato.As ligações entre Dalva e os luminares da esquerda baiana é bem anterior ao que sugerem os políticos atingidos hoje acusados por ela. É tanto que, antes dos tentáculos do Instituto Brasil chegarem ao governo do estado, a ONG gerida por Dalva já obtinha contratos generosos com prefeituras comandadas  diretamente pelo PT ou por políticos de partidos que pertenciam à base aliada.

Entre 2005 e 2008, segundo informa o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), o Instituto Brasil recebeu R$ 28,6 milhões de quatro prefeituras de municípios baianos: Paulo Afonso, gerida por Raimundo Caires (PSB), Madre de Deus, governada por Nita Oliveira (PMDB) e Camaçari e Lauro de Freitas,  comandadas, respectivamente, pelos petistas Luiz Caetano e Moema Gramacho. Todos os convênios haviam sido objeto de ação no MP ou condenação do TCM.

Descrita como boa praça e elegante, sempre teve acesso à high society da capital. Também é conhecida por ajudar artistas, tendo inclusive namorado o forrozeiro Del Feliz. “Ela sempre foi uma pessoa rica, fina e generosa. O PT agora vira as costas para ela, mas se aproveitou muito de sua abertura, de seus contatos”, conta outro amigo de longa data de Dalva Sele.