Mestre Abdias do Sacramento: o mais famoso dos Expostos da Santa Casa

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  • Nelson Cadena

Publicado em 19 de outubro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Na madrugada de 21 de dezembro de 1911, uma quinta-feira de lua nova, Amélia Sacramento, uma mãe aflita, viúva em estado de pobreza, temerosa de não conseguir criar o seu filho, então com menos de 1  ano de idade, abandonou a criança na Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. No dia seguinte foi registrado no livro da Roda com o nome de Abdias de Mattos. Já adulto seria conhecido como Abdias do Sacramento Nobre, o famoso mestre artesão reconhecido como o último representante do Brasil de uma linhagem de tecelões do pano da costa ou alaká, adereço do traje típico das mulheres afro-baianas desde o século XVIII. Trabalhos de sua autoria expostos no Museu Nacional foram devorados pelas chamas no incêndio ocorrido em setembro último.

A Roda dos Expostos da Santa Casa era uma instituição secular, instalada em 1734, desativada oficialmente em 1935, após receber mais de 15 mil crianças, inicialmente na Rua da Misericórdia e, a partir de 1862, no espaço hoje conhecido como Pupileira, no bairro de Nazaré. A Roda era um dispositivo de madeira que girava no seu próprio eixo, de forma a introduzir o bebê abandonado, sob o anonimato dos pais ou responsáveis, dentro da instituição.

A rodeira encarregada de registrar Abdias de Mattos (o sobrenome Mattos era comum a todas as crianças expostas, desde 1840, em reconhecimento ao instituidor da Roda o capitão e rico filantropo João de Mattos Aguiar que legou parte de sua fortuna com essa finalidade) assim anotou no livro correspondente: “Pelas cinco horas da madrugada foi exposta na Roda do Asilo dos Expostos um menino preto da idade de 1  ano em bom estado de saúde”. Ao que tudo indica permaneceu na Santa Casa até os 9  anos de idade. No arquivo histórico da Misericórdia não encontramos o registro de saída.

O período referido é informação do próprio mestre Abdias, em 1982, em depoimento a Isabel Cristina Figueiredo e Vânia Bezerra de Carvalho, reproduzido em caderno cultural do Ipac: “Quando nasci, com menos de 1  ano de idade, minha mãe me colocou na Roda da Santa Casa da Misericórdia, porque não tinha ninguém que olhasse por mim. Como ela ficou viúva e pobre, precisando se manter, me deixou lá até os 9  anos. Fui morar na Quinta das Beatas, no bairro de Cosme de Farias, com Mestre Vitorino, com quem aprendi o ofício de alfaiate. Trabalhei como jardineiro, estivador, em casa de família e na Texaco. Depois que me aposentei, vendo que minha aposentadoria não dava para minha sobrevivência, resolvi vender jornal na rua, vender picolé e trabalhar na construção civil. Recomecei o trabalho no tear depois da aposentadoria da Texaco. Fiquei trabalhando no Instituto Feminino.”

O mestre Abddias faleceu em 1994, um privilégio de longa vida, dentro do universo de crianças expostas na Bahia, cuja taxa histórica de mortalidade foi de 67% enquanto existiu a Roda. Legou o seu ofício de tecelão de pano da costa através de cursos que teve a oportunidade de realizar, junto com a sua filha Lourdinha, por iniciativa do Ipac em 1986, na Casa de Xangô do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, sob a liderança de Mãe Stella de Oxóssi.

Abdias de Mattos, como registrado na Santa Casa da Bahia, ou Sacramento Nobre, é seguramente o mais famoso dos expostos da instituição, um enjeitado que honrou as tradições da Bahia com o seu talento, determinação e simplicidade.