Mestre Didi: documentário e tombamento do Ilê Axé Asipá celebram centenário

Sacerdote-artista sempre prezou pela formação e auto-estima do povo negro

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  • Da Redação

Publicado em 27 de novembro de 2017 às 06:25

- Atualizado há um ano

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Em seus 95 anos de vida, Mestre Didi foi de falar pouco e produzir muito. Agora, quando completaria 100 anos, são as pessoas com as quais o sacerdote-artista conviveu e todo o seu legado que falam por ele. Parte dessa história é contada no documentário Alápini - A Herança Ancestral de Mestre Didi Asipá, que será lançado em evento gratuito nesta quinta-feira (30), às 19h30, na Sala Walter da Silveira, nos Barris. Dirigido por Emilio Le Roux, Hans Herold e Silvana Moura, o filme é centrado na vida e obra de Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, filho da famosa yalorixá Mãe Senhora do Ilê Axé Opô Afonjá. “Ele é absolutamente incrível. Nasceu em 1917, em um terreiro de candomblé, filho de Mãe Senhora, que Vinicius de Moraes cantava, que Pierre Verger fotografou. Se hoje é difícil estar nesse lugar, com toda intolerância religiosa, imagine ali...E ele dá um salto grandioso! Sempre prezou a formação, o estudo, a auto-estima do povo negro, e levou isso ao extremo”, destaca Silvana Moura.

Frequentadores do Asipá e fascinados pelos trabalhos de Mestre Didi, os diretores foram incentivados pelo neto do sacerdote, José Félix - morto em setembro deste ano -, a gravarem o filme, que venceu o edital Agosto da Igualdade 2017 da Sepromi.

“O filme é composto por dezenas de entrevistas com homens do terreiro, que foram formados por Mestre Didi e conviveram com ele por mais de 30, 40 anos. Todos eles viam naquele homem uma espécie de pai, de sacerdote“, destaca Silvana.

Mestre Didi é pai de três filhas biológicas. Duas são do casamento com Edvaldina Falcão dos Santos: Inaycira e Iara. A terceira, Nídia de Iemanjá, é fruto do relacionamento com Maria de Lurdes Deró. Após o divórcio, Didi iniciou uma união de quase 50 anos com a antropóloga argentina Juana Elbein, que hoje detém os direitos sobre seu acervo, cujas obras estão no centro de uma disputa familiar. 

Legado artístico Falecido em outubro de 2013, o supremo sacerdote do Asipá foi um exemplo de fé e condução de vida. Publicou 20 livros sobre a cultura negra e a tradição de origem nagô, dentre eles Yorubá Tal Qual Se Fala (1946), dicionário e vocabulário yorubá-português. Também teve obra com prefácio assinado por Jorge Amado e com ilustrações de Carybé. Nas artes plásticas, Mestre Didi manipulou materiais e formas, objetos e emblemas que expressam as entidades sagradas. O ofício e habilidade foram burilados desde a infância, quando foi ensinado pelos mais velhos do culto orixá Obaluaiyê.

Palhas de palmeiras, conchas, sementes e búzios são matéria-prima da maior parte de suas esculturas, que podem ser encontradas em importantes museus do Brasil e do mundo, como o Guggenheim, em Nova York, o Pompidou, em Paris e o Museu Afro-Brasil, em São Paulo. “Os Orixá do Panteão da Terra são os que nos alimentam e nos ajudam a manter a vida. Os meus trabalhos estão inspirados na natureza, na Mãe Terra-Lama, representada pela Orixá Nanã, patrona da agricultura”, assim ele definia suas obras.  Em Salvador, as esculturas de Mestre Didi podem ser vistos no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), na Av. Contorno, e no Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira (Muncab), no Pelourinho. Uma das suas esculturas mais famosas, no entanto, pode ser vista ao ar livre, na orla do Rio Vermelho. Trata-se do Cetro da Ancestralidade, instalado no local em fevereiro de 2001. A escultura, feita em bronze e com sete metros de altura, é  ao mesmo tempo uma obra  de arte e um objeto sagrado, que  utiliza elementos significativos da herança cultural africana. Ela está fixada de modo a ter como fundo a linha do horizonte infinito do oceano, em direção à África. Cetro da Ancestralidade instalado na orla do Rio Vermelho em fevereiro de 2001 (Foto: Arquivo CORREIO) “Suas esculturas de grande leveza trazem intrínseca a força arquetípica e simbólica de uma África remota. Uma visão teológica e mítica de seus antepassados. Sua arte não é ritualista, mas um conjunto orgânico de elementos visuais de raiz ascendente”, comenta o crítico de arte e colunista do CORREIO César Romero, que diz ainda que a arte do sacerdote evocou a natureza do sagrado.  Do ponto de vista religioso, Mestre Didi também desempenhou um papel de liderança fundamental. Ocupou o posto de Alápini, o mais alto no rito nagô aos ancestrais masculinos, conhecido como Culto aos Egunguns. Já nagô é o termo usado para definir a herança dos povos vindos de regiões onde atualmente estão a Nigéria e parte do Benin. 

Tombamento

Em 1980, Mestre Didi fundou o Terreiro Ilê Axé Asipá, sociedade cultural e religiosa, localizado no bairro de Piatã, em Salvador. No próximo dia 2 de dezembro, data de aniversário de Mestre Didi, o terreiro será tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac). Cena do documentário Alápini - A Herança Ancestral de Mestre Didi Asipá (Foto: Reprodução) “Essa é uma vitória muito grande e que se deve a ele, mesmo tendo chegado agora”, diz Genaldo Novaes, Ojé Alagba (chefe de comunidade) do Terreiro Ilê Axé Asipá.  Hoje com 67 anos, Genaldo conviveu com o Mestre Didi desde pequeno. “Ele foi como um pai para mim, me auxiliou em tudo, me ensinou yorubá, me incentivou a fazer a graduação em engenharia e me convidou para integrar o Conselho Religioso do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira”, lembra.   Mestre Didi ao lado da esposa, a antropóloga argentina Juana Elbein (Foto: Arquivo CORREIO)