Militância de educadora

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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  • Da Redação

Publicado em 20 de março de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Na minha trajetória como repórter especializada em religiosidade e culturas conheci pessoas admiráveis e extremamente inteligentes. Este foi um dos grandes presentes que o jornalismo me deu e que tem uma duração benéfica continuada, pois as entrevistas, como aponta Cremilda Medina em seu livro Entrevista: O Diálogo Possível, são boas quando entrevistador e entrevistado conseguem estabelecer uma ponte para além de um roteiro de perguntas e respostas.

Saí de cada um desses encontros com mulheres e homens do povo de santo repleta de novas possibilidades para refletir sobre várias questões. Uma destas pessoas que me proporcionaram uma experiência enriquecedora na entrevista foi Makota Valdina, mas que, devo admitir, em relação a outras fontes, nossos encontros para reportagens foram poucos. Para além do jornalismo, sempre a encontrava em atividades variadas, porque sua militância ocorreu também fora dos muros do terreiro. Além disso, outra marca da trajetória de Makota Valdina sempre despertou a minha atenção: sua facilidade em conectar-se com a juventude.

Meninas e meninos negros que participaram de variados projetos, como os do Instituto Steve Biko, dos encontros, das marchas seja contra o racismo ou de combate à intolerância religiosa, tinham uma referência em Makota Valdina. Era extremamente comum ao conversar com eles escutar a repetição de uma das suas frases mais contundentes: “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados”.

Se ela estava em uma roda de conversa, em um seminário ou numa solenidade mais formal, a juventude era uma parte considerável da plateia. Baixinha e franzina, tornava-se uma gigante ao ganhar um microfone. Sem alterar o tom de voz, sabia dosar indignação com a tranquilidade que é necessária para traçar estratégia em combates difíceis.

Em uma das últimas vezes que a encontrei, no Teatro Vila Velha, antes de uma ação do Bando de Teatro Olodum, lembro que ela estava indignada com o desrespeito à cidadania no país desde o movimento para tirar a então presidente Dilma Rousseff e anunciava: “Se a gente não se mexer vai ficar ainda pior”. Como sempre, ela tinha razão.       

Neste 19 de março em que os grupos que tiveram o privilégio de conviver com a sua inteligência e dinamismo estão consternados e cheios de dor observo a forte presença jovem em posts nas variadas mídias digitais. Nesses textos um fio os une: a importância que esta makota - um título do candomblé de nação angola que a sua forte presença ajudou a tornar mais familiar - ganhou na formação de dezenas dos agora militantes no combate ao racismo e ódio religioso. O consolo é o da esperança de que essa rede que ela formou distribua os frutos da sua militância educadora.

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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