Miss Maxixe, ou a assunção da guardiã das virgens

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  • Da Redação

Publicado em 16 de setembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Era vento assim. Varanda assim. Inverno assim. Bem-te-vis cantando assim. Mas não tinha o cheiro de mar que desponta ali na esquina. Era outro lugar. Outra época. Outra moral. Outros costumes. Estava em cena casal de namorados. Rita e Roberto. Beijavam-se. Diziam-se frases ardentes. Mordiscavam-se. [Chegara a hora de Coriolana intervir:  Tossiu três vezes. Bateu palma três vezes. Rita e Roberto não deram a menor pelota].

Coriolana fez desesperada tentativa de impedir que o casal de namorados chegasse às vias de fato – e gritou fino e alto. A ponto de acordar os pais e os dois irmãos pequenos de Rita, que dormitavam na sala diante de tevê que chuviscava. Eles chegaram, num átimo, à varanda onde o casal se recompunha do quase ato sexual.

Coriolana tinha 19 anos. Não era bonita. Nem feia. Falavam dela assim: - Sem graça, insossa. Alta, magra, rosto totêmico pingado de sardas enferrujadas. Órfã de pai e de mãe. Morava de favor nos fundos de casa velha habitada por casal de velhos caducos em ponta de rua dessa cidadezinha onde Judas perdeu as botas.

Sobrevivia de pequenos mimos – moedas de pouco valor, sobras de comida etc. – que país de família lhe davam em troca de severa vigília da virgindade das moçoilas-em-flor-no-cio. [O exercício dessa missão, que o tempo tornou inócua, era destinado a primas menores e vizinhas abelhudas].

Coriolana profissionalizou essa inglória missão e monopolizou o mercado. Tinha agenda cheia e dizia a quem lhe perguntava o ofício: - Cocada! [Nota do narrador: aquela que tinha a missão, dizia-se, de ‘segurar vela’]

O apego de Coriolana pela missão que exercia era diretamente proporcional ao ódio que as moçoilas-em-flor-no-cio lhe nutriam. Deu no que deu: foi espancada quando, na calada da noite, voltava para os fundos da casa velha habitada por velhos caducos.

Duas mocetonas raivosas lhe deram surra que deixou marcas profundas no corpo e na alma de Coriolana. Furaram um dos olhos com tesoura. Bombardearam o joelho direito com martelo. Rasparam os cabelos com faca de cozinha. Deixaram-na semimorta em terreno baldio.

Coriolana sobreviveu enquanto pôde. Capenga. Meio cega. Meio aleijada. Achincalhada pelo povaréu com o epíteto enigmático de Miss Maxixe, se acabrunhou, encolheu, ficou meio metro mais curta.

Definhou, definhou, até que morreu – para alegria e gáudio das moçoilas-em-flor-no-cio. Enterrada em cova rasa, teve os ossos devorados por cães famintos e placa cravada ao lado do corpo em desconstrução: ‘Aqui jaz miss Maxixe, uma desgraçada!’

Dois meses depois, o ectoplasma de Coriolana – o narrador se recusa a chamá-la de Miss Maxixe – materializou-se diante de casal de namorados que se beijavam em varanda qualquer, assustando-os a ponto de desmaiarem.

A série de materializações prosseguiu até a cidadezinha – e suas 1556 almas – desparecer do mapa, sufocada por toneladas de lama advindas do rompimento de barragem nas cercanias.

[Só então o ectoplasma de Coriolana voou em paz] [Quem quiser que conte outra!]