Moa do Katendê: centenas celebram memória de mestre ao som de tambores no Pelô

Afoxés Filhos de Gandhy e Ilê Aiyê, além de Olodum, homenagearam capoeirista morto

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  • Tailane Muniz

Publicado em 16 de outubro de 2018 às 22:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

Romualdo Rosário da Costa, o mestre Moa do Katendê, foi assassinado durante uma discussão política há quase dez dias, no domingo (7), após o 1° turno das Eleições 2018, mas ele vive: não em matéria, mas em memória e legado. 

Centenas de pessoas que acreditam que "Moa vive", lotaram o Largo do Pelourinho, na noite desta terça-feira (16), para gritar - ao som de dezenas de tambores - a permanência de sua mensagem de amor, luta e resistência.

Amigo de Moa há 30 anos, o cantor e compositor Tonho Matéria foi um dos organizadores do segundo ato realizado em memória do mestre - que começou a se desenhar no sábado (13), quando amigos e admiradores decidiram que a roda de capoeira que reuniu mais 200 pessoas no mesmo largo, na última quarta-feira (10), foi insuficiente para "comunicar à sociedade quem foi Moa do Katendê e sua contribuição para a sociedade"."Estamos aqui pela vida e história dele. Foi a forma que encontramos de dizer ao povo, à sociedade, que basta. Precisamos dizer não à morte dos nossos ícones, do povo negro. Todo dia é um que se vai", comentou Tonho, que vestia uma camisa branca, enfatizando que "Moa vive".E como a vida do mestre foi marcada pela cultura afro-brasileira, ficou decidido que os tambores do Olodum e todo o axé dos afoxés Filhos de Gandhy e Ilê Aiyê contariam melhor essa história. 

Músicas como "Protesto Olodum", composta por Tatau, ex-Araketu, interpretada pelo próprio grupo, embalaram as pessoas que se aglomeraram por toda extensão da ladeira principal do Centro Histórico.

'Mataram um nêgo' Uma grande faixa branca, estendida sobre a fachada do Museu da Cidade, mandou o recado: "Moa vive! Mataram um nêgo, não vou me calar". Foto: Betto Jr./CORREIO O silêncio sobre a morte de Moa foi rompido por gente como o gestor e pesquisador cultural Chicco Assis, 38, que conviveu com o artista assassinado e ajudou a convocar o grande público."Nós, enquanto coletivo de afoxés e entidades negras, estamos aqui pela representatividade que ele teve para todos nós. Hoje é um dia que deve representar, especialmente, a nossa força", afirmou Chicco.O produtor, no entanto, lamentou o fato de que o reconhecimento a Moa tenha sido ocasionado por sua morte. "É um grande alerta para que possamos zelar pelo nosso patrimônio vivo, e não depois que ele já não está mais aqui", comentou.

Chicco lembrou que foi realizado, também esta noite, um ato simbólico na Avenida Paulista, em São Paulo, cidade em que o mestre morava atualmente. 

Lideranças como Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, e João Jorge, presidente do Olodum, além dos filhos de Katendê, Raniere e Somonair da Costa, também  participaram do evento que movimentou o Pelourinho.

"Moa lutou pela sociedade brasileira, pelos blocos afros e afoxés. Nós precisamos tomar a frente disso. Queremos viver nesse país com amor e liberdade", afirmou João Jorge.

'Ele não esperava' Somonair, filha do mestre, também recordou o pai. "Ele não esperava morrer como morreu, eu tenho certeza. Ele foi um bom pai, um bom amigo, uma pessoa maravilhosa, covardemente assassinada", disse. Autor confesso do crime, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36, teve a prisão em flagrante convertida para preventiva. Ele aguarda julgamento no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador. 

Sem mais palavras, Somonair concluiu sua fala com o grito de "Moa vive!", acompanhado, em coro, pelos ali presentes.

Amiga de longa data, a produtora cultura Negra Jhô defende que o "companheiro de vida" não teve o valor que merecia. "A gente tem que pegar na mão do irmão quando ele está vivo e respirando, não quando ele já não pode mais sentir nada", pontuou.

E embora tivesse no olhar a tristeza de quem não tem mais Moa por perto, "resistindo junto", Jhô estava vestida como quem vai a uma grande celebração, e justificativa ela tem: "Eu me arrumei e vim bem bonita porque Moa é festa, é alegria".