Monitoramento da Ufba sobre Telegram mostra aumento de conteúdos neonazistas e antivacina

Fake news e mensagens de discurso de ódio crescem no Telegram

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  • Priscila Natividade

Publicado em 21 de março de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Fake news, informações falsas sobre as eleições, mensagens conspiratórias relativas à vacinação e a disseminação de discurso de ódio com viés antissemita estão cada vez mais presentes entre os conteúdos disseminados nas trocas de mensagens dentro do Telegram. É o que aponta o estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHDUFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que monitoram o aplicativo desde 2018.

Só no mês de janeiro desse ano, o projeto Ecossistema de Desinformação e Propaganda Computacional do Telegram, coletou e analisou 450.435 mensagens de texto e 501.002 mensagens de mídia (áudio, imagens ou links) em 69 grupos e 186 canais mensagens postadas pela extrema-direita brasileira na plataforma. Coordenado pelos professores Leonardo Nascimento, Letícia Cesarino e Paulo Fonseca, a análise no período aponta para um grande e preocupante processo de desinformação que vem ocorrendo através de todas as redes.  “Um dos achados fundamentais da pesquisa é que não tem como você pensar o Telegram dissociado das outras plataformas. O Telegram aí funciona como uma ‘dobradiça’ que conecta públicos da superfície das redes  – Youtube, Instagram – com públicos  das profundezas subterrâneas da rede, da deep web, grupos  ocultos e tudo mais. Ele faz esse papel intermediário”, explica Leonardo Nascimento.    Embora esteja ocorrendo e sendo disseminada no Telegram, na maioria das vezes, a produção da desinformação não é feita na plataforma, como acrescenta um dos coordenadores da pesquisa: “Onde acontece os processos de desinformação? Naquilo que estamos chamando de Ecossistema Multiplataforma de Desinformação. Ou seja, está no link do vídeo postado no Youtube, na mensagem do Twitter, no Whatsapp ou no Tik Tok que é enviado pelo Telegram”.

Outra constatação que fortalece a presença das fake news está na característica híbrida do aplicativo que permite a criação de grupos de até 200 mil pessoas, o que massifica a disseminação de conteúdo.  “O Telegram é, ao mesmo tempo, uma rede social e um aplicativo de conversação e troca de mensagens. Os grupos são ambientes onde qualquer um fala, pode mandar mensagem, por isso é parecido com o Whatsapp, mas, em compensação, os canais são canais para grandes audiências, em que você faz uma postagem em todo mundo pode ver e comentar”, comenta.

Alcance

Ainda de acordo com a pesquisa, também foram compartilhadas com frequência mensagens sobre as formas de burlar um possível banimento do Telegram, que havia sido determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, após o cumprimento de determinações judiciais por parte da empresa, a decisão foi suspensa. Já com relação à abordagem dos conteúdos pela extrema-direita, o relatório destaca a maneira como as mensagens relacionadas à vacinação e à exigência de comprovação vacinal vêm apresentando características conspiratórias, entre elas, a sugestão de suposta articulação mundial de empresas farmacêuticas, governos e organizações internacionais que conspirariam contra a segurança  e liberdade das pessoas. Além disso, centenas de postagens, inclusive, vídeos e áudios, falam de jovens saudáveis, que teriam supostamente morrido por conta do uso da vacina.

Chama atenção também a intensificação no final do ano passado do número de mensagens, vídeos e áudios que sugerem uma oposição entre cristãos versus judeus com conteúdos abertamente neonazistas. Os judeus são retratados nestas postagens como “anti-cristãos”. Já ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros, ao ex-presidente Lula e a esquerda, além do descrédito das instituições públicas de saúde e a imprensa são temáticas mantidas ao longo dos últimos meses.

O professor Leonardo Nascimento, ressalta que ainda que tenha grupos de temáticas bastante variadas no Telegram – principalmente, os  religiosos, de apoiadores do atual presidente, políticos e de diversos partidos – não é na plataforma onde mora o problema.  “É necessário partir do pressuposto de que as tecnologias e plataformas digitais têm características ambíguas. A mesma tecnologia, pode ser utilizada para produzir coisas incríveis como para destruir ou criar malefícios”, comenta.Suspensão

Lançado em 2013, na Rússia, o Telegram é um dos principais concorrentes de plataformas como o WhatsApp. Não por um acaso, toda vez que  tem uma queda no zap, muita gente se rende ao Telegram para enviar mensagens instantâneas. Com base nos dados divulgados no último mês por uma pesquisa feita pelo Mobile Time com a consultoria Opinion Box, atualmente, o Telegram chega a estar presente em 60% dos smartphones dos brasileiros. No último ano, o número de celulares que têm o aplicativo instalado aumentou 15%. Número que representa o maior crescimento entre Signal, Facebook Messenger, Instagram e, inclusive, o WhatsApp.

Sexta-feira (18), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, determinou a suspensão do aplicativo no país. Segundo ele, o Telegram “em todas essas oportunidades, deixou de atender ao comando judicial, em total desprezo à Justiça Brasileira”. A decisão atendia a um pedido da Polícia Federal (PF) e foi motivada pelo descumprimento de ordens judiciais pelo Telegram, entre eles, o que ocorreu no âmbito de uma investigação em andamento envolvendo o jornalista Allan dos Santos.

Em resposta à decisão do STF, o fundador do Telegram, Pavel Durov, pediu desculpas e informou que nomearia um representante legal para o Brasil e pediu que o STF reconsiderasse a decisão de suspensão.   No sábado (19), Alexandre de Moraes determinou que o Telegram cumprisse, em até 24 horas, as decisões judiciais emitidas pela Corte.

O presidente Jair Bolsonaro também se manifestou. Durante o discurso em Rio Branco, no  Acre, ele disse que a suspensão da plataforma “vai prejudicar a comunicação de 70 milhões de pessoas no país”, é “inadmissível” e pode “causar óbitos”. O Telegram é um dos aplicativos mais utilizados por Bolsonaro, onde acumula mais de 1,3 milhão de seguidores.

Para Leonardo Nascimento, qualquer plataforma social pode agir como um veículo de desinformação. Não dá para ‘demonizar’ as redes.  “Apesar de o Telegram estar sendo utilizado pela extrema-direita, o aplicativo tem múltiplas funcionalidades. Muitos professores como eu, por exemplo, utilizam para manter contato com os alunos, compartilhar documentos, fazer enquetes. Não faz sentido acharmos os problemas todos do Brasil vão ser supostamente resolvidos banindo o Telegram. A vida real das pessoas está nas plataformas também”, finaliza.   

Por que usuários gostam Alguns usuários do aplicativo perderam o instrumento de trabalho com a suspensão pelo Supremo. Foi o caso do cientista social Frank Ribeiro, 39, que teve que voltar para o Whatsapp. Ele ainda estuda migrar para outras plataformas. A preferência pelo Telegram se dá pela forma de armazenamento. "A gente usa muitos aplicativos, e o Telegram, como armazena coisas em nuvem, diferente do seu concorrente, permite armazenar mais arquivos, sem comprometer a memória do aparelho", diz.

No entanto, Ribeiro concorda com a suspensão do funcionamento do aplicativo. “Vivemos em tempo de muitas fake news, no sentido de combatê-las. Se o aplicativo não vem colaborar nesse processo, acho interessante o bloqueio, para pressionar e trazer essa empresa para o dialogo, colaborando pela boa informação e a veracidade das informações no país”, argumenta Ribeiro. 

Já Juliana Oliveira, 36, graduanda em Sistemas de Informação da Ufba, usa o app para estudar, desde 2016. “Os bots, canais e a possibilidade de me comunicar sem a pessoa ter meu número de telefone me encantaram. Depois disso, comecei a encontrar grupos de assuntos de meu interesse, sobre software livre e comunidades sobre ferramentas que utilizo nos meus estudos na área de Computação. Eles congregam mais de 2000 pessoas e dá para estudar, compartilhar conhecimentos, tirar dúvidas, se informar, ajudar e conhecer pessoas, é maravilhoso”, defende.

Ela defende uma regulamentação do app, mas suspender o funcionamento é visto como “uma medida precipitada e exagerada” pela estudante. “É possível encontrar conteúdos de disseminação de fake news, venda ilegal de armas, distribuição de pornografia infantil, entre outros. São situações que precisam ser investigadas e medidas cabíveis tomadas. O não posicionamento e a não adoção de mecanismos que possam impedir o compartilhamento de tais conteúdos, torna os responsáveis pela plataforma Telegram coniventes com tal situação”, argumenta. 

Para a social media Bianca Bessa, 23, o prejuízo foi na participação de alguns grupos que compartilham conteúdos de trabalho, cursos e entretenimento, como filmes, livros e séries. “Uso para ter acesso a conteúdos que alguns grupos compartilham, principalmente nos grupos de cursos, pois rola networking e compartilhamento de material. Há uma liberdade muito maior em relação aos outros aplicativos”, opina.

Bianca acredita que o aplicativo deve ser restringido quando o assunto é fake news, mas não deve impedir o acesso a outros conteúdos. “É bastante prejudicial podar o acesso a conteúdos, seja de cursos ou entretenimento, já que o Telegram possui grupos voltados para esse tipo de compartilhamento”, completa.