Moradores comemoram instalação de geomanta em Cajazeiras

Equipamento tem 1.155 metros quadrados do material que dura cinco anos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 10 de abril de 2018 às 13:19

- Atualizado há um ano

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Xinxim de bofe, sarapatel, dobradinha... Os moradores da Rua São Paulo, em Cajazeiras VI, ainda não decidiram o cardápio, mas a comemoração já está planejada para o final de semana. A reunião não é para festejar o aniversário de ninguém, mas a realização de um antigo sonho de quem vive por ali: poder dormir tranquilamente, mesmo nas noites de chuva. Isso porque uma geomanta - proteção de encostas -, de 1.155 metros quadrados, foi inaugurada na manhã desta terça-feira (10) e deve proteger parte do barranco de possíveis deslizamentos.

Toda construção do equipamento, que é uma técnica que protege as encostas de desabarem com a força das chuvas, foi acompanhada por gente como a aposentada Maria Gilza de Jesus, 56 anos, por cerca de 90 dias. Faz mais de 20 anos que Gilza mora na Rua São Paulo e já perdeu as contas de quantas foram as noites que passou em claro, sem desgrudar os olhos dos fundos de sua casa, construída sobre parte de um barranco."Eu tenho essa preocupação grande em mim, desde que construí minha casa eu convivo com o medo. A única coisa que tira mais meu sono do que o medo da casa cair, é a violência urbana. Porque a gente sabe o quanto difícil está o mundo. Mas os deslizamentos assustam a gente e não é pouco", comenta ela, que mora com o marido."Quando estou sozinha em casa, então, é que a agonia aumenta. A geomanta é uma coisa que vai trazer essa segurança para a comunidade", completa ela. Maria Gilza de Jesus e a neta, a pequena Luna  (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) E a felicidade é tanta que ela mesma está organizando, junto com vizinhos, um grande almoço para comemorar a geomanta. "Estamos com algumas ideias de comidas, essas que rendem bastante, mas ainda vamos decidir. O fato é que isso vai ser, sim, muito comemorado. Só quem passa por isso sabe os medos que a gente sente quando chove forte. Então agora é comemorar, sim, e muito", conta ela, sem disfarçar a alegria.

O prefeito ACM Neto, que esteve no local para inaugurar o equipamento de proteção, recordou um deslizamento ocorrido em 2015. "As pessoas que não conhecem as áreas mais pobres de Salvador não fazem ideia do que é viver em uma encosta. Vem a chuva e os moradores não sabem o que vai acontecer em suas casas. Há três anos, quando historicamente choveu um grande volume, a população sofreu muito. Hoje estamos aqui, para garantir essa segurança aos que mais precisam", afirmou Neto.

Ainda conforme o prefeito, o investimento foi de R$ 180 mil. A técnica de proteção foi adotada na cidade pela Prefeitura desde 2016, de acordo com Neto, e tem duração média de cinco anos. Além da geomanta, uma nova escadaria também foi instalada próximo à estrutura da encosta. 

A estrutura também foi festejada pela diarista Ana Maria da Silva, 55, que também mora em uma área de risco. Faz mais de 10 anos que Ana construiu a casa que mora sozinha com os dois filhos e uma neta, mas a preocupação da família costumava se repetir todos os anos, geralmente no mês de abril."Porque molha muito, a gente sabe que a água tem uma força enorme. Eu não tenho marido, e aí sempre convivi com esse medo. Eu e meus filhos. Só nós sabemos a importância dessa construção [da geomanta] pra gente", relata Ana.De acordo com a diarista, faz tempo que a comunidade aguarda pela instalação do equipamento. "A gente queria uma praça dessas bonitas com academia. Mas a urgência verdadeira é não morrer soterrado. Porque a natureza é forte e a chuva não brinca em serviço", completou, aliviada. Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO Não é contenção A geomanta é um composto de geotêxtil e PVC, com uma cobertura de argamassa jateada. Semelhante a um tecido rígido, ela impermeabiliza o talude [barranco ou encosta] e é instalada em áreas onde há riscos de desabamento. Segundo o diretor geral da Defesa Civil (Codesal), Sosthenes Macedo, no entanto, a geomanta não é uma contenção de encosta. 

"Não chega a ser uma contenção. É uma proteção para aquelas áreas que historicamente existem em Salvador. De início, ela tem o prazo de validade de cinco anos. A duração é superior ao da lona comum, que é de três meses. Depois desse tempo, o adequado é fazer a manutenção desses equipamentos. Até lá, é a certeza de segurança para essas pessoas", salientou.

Ainda de acordo com Sosthenes, Salvador tem 88 geomantas já executadas. "É um equipamento bastante seguro, que evita que a terra deslize na incidência de chuvas. Não é necessário nenhum cuidado por parte da população, basta não mexer, não cortar. Felizmente, os moradores foram orientados durante as obras e estão cientes de que não podem mexer no equipamento, porque já aconteceu de cortarem para ampliar o próprio terreno", completou o diretor da Codesal.

Faz cinco anos que a dona de casa Gilsa Santos Pereira, 65, precisou sair de casa às pressas, recém-parida, porque havia risco da casa em que mora há 30 anos desabar. "Nunca vou esquecer dos engenheiros da Codesal me dizendo: 'infelizmente, a senhora vai precisar sair [da casa] porque senão, pode acabar sendo vítima de uma tragédia'", lembra ela. Sem ter para onde ir, a dona de casa permaneceu no mesmo lugar e com o medo de sempre.

"Agora não vou ter mais medo, porque eu sei que a geomanta faz com que a água não tenha a força para fazer deslizar a terra. Infelizmente, nossas casas são construídas assim, por falta de condições. Mas é tudo o que temos em nossas vidas, temos mais é que agradecer", comenta Gilsa, que já deu sua opinião sobre o cardápio do almoço de comemoração: "Xinxim, porque rende mais".