Moraes Moreira: 'Tentaram melar meu baba'

Cantor fala sobre problemas em trio e ciumeira sobre paternidade do Axé: 'Eu sou o primeiro cantor do trio, e esse, com certeza, não será o meu último Carnaval'

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  • Da Redação

Publicado em 11 de março de 2017 às 17:03

- Atualizado há um ano

Posso me considerar um homem feliz. Já na casa dos 70, ainda  tenho disposição para subir num trio elétrico, cantar por mais de quatro horas com o auxílio do meu filho Davi Moraes. Seguimos a tradição de Osmar: família que toca unida permanece unida. A nossa banda entra nesse clima caseiro. O repertório vai desde os sucessos carnavalescos a clássicos da MPB.

Já são 42 anos dedicados ao Carnaval da Bahia e do Brasil. Nossas canções resistiram a tudo e a todos, dando mostras de que vieram para ficar. Passada a euforia dos sucessos imediatos, elas ressurgem gloriosas, no gogó dos foliões, inteiras e renovadas pela juventude. Reforçam assim um conceito que tenho: um bom Carnaval se faz com passado presente e futuro.

Nosso Carnaval 2017 começou em Natal. Recebi pelo celular uma mensagem de Armandinho: "Fala Moreira, Caetano declarou que você é o pai do Axé e pronto, quer você queira ou não. Que você foge disso como o diabo foge da cruz". Fiquei intrigado, mas respondi: “deixa Caetano falar”.

Caetano disse que eu era o pai do Axé e do Carnaval moderno. A segunda parte da mensagem: "quer você queira ou não", não ficou claro se foi ele que disse.  Fiquei meio cabreiro, pois me pareceu autoritário, feriu suscetibilidades e provocou ciumeiras. Como sabemos, a paternidade é disputada por muitos.

Quando o Axé chegou foi arrasador. A engrenagem formada pelas gravadoras, empresários e radialistas, baniram as minhas músicas e as de Dodô e Osmar de toda e qualquer programação dos meios de comunicação. De repente ficamos velhos, nenhuma  conexão entre nós e o novo movimento aconteceu. Poucos artistas se pronunciaram: Luiz Caldas e Bell Marques sâo alguns dos poucos que nunca negaram a nossa influência.

Enquanto o Axé vivia seu auge conseguíamos aqui e acolá, emplacar na Bahia, com muita dificuldade, uma ou outra música na programação, como Chame Gente, Cidadão e Lua dos Amantes.Moraes inicia desfile no circuito Barra-Ondina (Foto: Mateus Pereira/GOVBA)Dizer que eu tenho algum preconceito em relação ao Axé é algo que não faz o menor sentido. Com muito orgulho sou parceiro de Gerônimo,  de Neguinho do Samba,  entre outros. Digo na letra de Chame Gente, Bahia de todos os Santos, encantos e Axé. Na saída de  Natal para Salvador  comentei com Davi, que estava sentindo uma energia pesada no ar. Cheguei na cidade da Bahia e fiz as minhas obrigações.

Havia passado um verão feliz em Salvador. Lancei o meu livro de poesias ‘Poeta não Tem Idade’, me apresentei no teatro Rubi e participei da Noite de Santo Amaro, fui no projeto social de Margareth Menezes e na Casa do Sol. Tudo prenunciava um Carnaval maravilhoso.

A comemoração pelos 70 anos de Moraes cresceu, ainda mais depois da divulgação da música-tema da TV Bahia, composta por Mateus Aleluia, que faz referência  aos 50 anos Tropicália e à minha efeméride.

Sabíamos de antemão que o trio a ser usado por nós no domingo seria o Trio Light, fornecido pela prefeitura, e na terça teríamos o Trio O Ricardão, do governo estadual. Ressalva: como o nome dos trios são feios, falta inspiração,  sou do tempo do Tapajós, Marajós, Caetanave, Trio Espacial.

Completamente chocada, nossa empresária Bel Kurtz nos deu a noticia: "o caminhão está com problemas de embreagem, não consegue sair do lugar”. Imagine, esses caminhões são vistoriados por vários orgãos. Nunca em meus tantos carnavais havia passado por esta situação. O reboque foi chamado para trocar o cavalinho, outra cabine seria acoplada.

Apesar da demora, conseguimos fazer a troca. Fomos embora, a nossa pipoca esperava. Fomos aos trancos e barrancos pois o motorista não se entendia com o novo sistema de embreagem. Logo no início do circuito, o tombo foi tão grande que fui ao chão. Pedi desculpas e segui cantando. A pipoca estava conosco. Chegamos perto de Ondina com muito sacrifício. Aí começou a cair uma chuva. Os funcionários do trio começaram a cobrir os equipamentos, percebi que estava correndo risco de vida. Resolvi parar de cantar, mas Davi continuou a tocar com a banda. Diante de nossas reclamações, uma senhora ameaçou nos processar.

Na terça-feira, as esperanças não se renovaram com Trio Ricardão. Pra completar, o trio de Thiago Abravanel tocava sem parar. Um marinheiro de primeira viagem.

Seguimos com a pipoca enlouquecida. Na altura do Barravento, o trio parou de andar e derramou todo o óleo na pista. O pessoal da Polícia Militar pediu que abandonássemos o caminhão. Esperei a troca da cabine, tirei fotos com os fãs, que, bradaram: "isto é um absurdo, uma vergonha, um artista como Moraes Moreira não merece ser tratado dessa maneira”. Para felicidade, o motorista era bom e nos conduziu até o fim do circuito. Nossa pipoca deu uma demonstração de amor.

Num momento de lucidez, o secretário Isaac Edington, da Saltur, declarou ao jornal CORREIO: "A gente tem uma frota de trios elétricos sucateada. Os trios são muito antigos em sua maioria, por mais que eles passem pelo processo de fiscalização, onde a gente tem todos os órgãos responsáveis cuidando disso, mas eles ainda deixam muito a desejar”.

Tentaram melar meu baba, mas não conseguiram. O povo baiano viu que eu estava lá com minha história, meu repertório, com Davi Moraes, a banda e uma equipe dedicada. Eu sou o primeiro cantor do trio, e esse, com certeza, não será o meu último Carnaval.