Morena Flor de Vinicius de Moraes revela intimidades do casal em documentário

O filme A Casa de Itapuã será lançado no sábado (16), data em que Gessy Gesse completa 82 anos

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  • Laura Fernades

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Memorial Casa Di Vina/Divulgação
Gessy Gesse foi a sétima esposa de Vinicius de Moraes por Foto: Acervo Memorial Casa Di Vina

A atriz Gessy Gesse, 81 anos, não queria revisitar a suíte onde viveu boa parte de sua vida ao lado do então marido, o poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980). O quarto que foi revitalizado e permanece próximo ao original, na casa onde hoje funciona o Memorial Casa Di Vina, em Itapuã, sempre foi evitado pela eterna morena flor de Vinicius.

"Tinha muita lembrança dele deitado. A mesma cama, a mesma coisa, mais original impossível. Então isso toca, né? Querendo, ou não, o quarto e o banheiro trazem muita intimidade. Aí mexe", explica Gessy. Porém, o reencontro aconteceu e é esta a cena que abre o documentário A Casa de Itapuã, que será lançado no YouTube no sábado (16), data em que Gessy completa 82 anos.

Neta de índia e filha do terreiro de Mãe Menininha do Gantois, Gessy foi a sétima esposa de Vinicius. No curta-metragem, ela resgata - com irreverência e saudosismo - lembranças sobre sua vida ao lado do poeta e sobre a casa construída especialmente para o casal, em 1974, pelos arquitetos e artistas plásticos Jamison Pedra e Sílvio Robatto.

O filme reúne depoimentos da cantora Divina Valéria, que esteve presente em muitos dos encontros nesta casa, na década de 1970, do arquiteto Nivaldo Andrade e da neta de Gessy, Mariana Carvalho. O documentário conta, ainda, com depoimento da atriz Renata Proserpio, amiga e nova proprietária da casa em Itapuã.

A amizade com Renata, que considera irmã, não aconteceu por conta da venda da casa, no ano 2000. Sem saber, enquanto esperava a pequena reforma da Casa Di Vina, Renata se mudou com a família para um apartamento no mesmo prédio de Gessy. Foi aí que se aproximaram. "Nossa amizade foi coisa do outro mundo, não tem explicação a não ser o divino, a espiritualidade. Coisa de Vinicius de Moraes, né amor? Jeitinho dele que fazia tudo o que queria", sorri Gessy. Suíte de Gessy Gesse e Vinicius de Moraes no Memorial Casa Di Vina (Foto: Acervo Memorial Casa Di Vina/Divulgação) Destino A ideia do documentário, portanto, nasceu da amizade que o destino trouxe, explica a atriz Luísa Proserpio, 36, filha de Renata e diretora do filme ao lado de Lara Belov e Gabriel Teixeira. "Gessy não queria revisitar a suíte, porque viveu tudo intensamente. Foi minha mãe que levou ela até a casa e virou o baú de memórias", conta Luísa sobre Renata, que também ajudou Gessy a escrever o livro Minha Vida com o Poeta (2013).

Ao longo de 12 minutos, o telespectador faz um passeio pela história a partir da fala de Gessy. "É como se ela estivesse recebendo os visitantes", compara Luísa. A diretora destaca, ainda, que esse minidocumentário faz um convite para o público conhecer o Memorial Casa Di Vina que é aberto ao público e funciona diariamente, das 12h às 22h, mesmo durante a pandemia. O acervo fixo do espaço reúne fotos de Gessy e Vinicius, assim como outros registros importantes.

Entre eles, os encontros com mestres da música, como Batatinha e Dorival Caymmi e as imagens do casamento que teve como padrinhos Jorge Amado e Zélia Gattai. Além disso, o acervo inclui cartas endereçadas a Gessy; a lista de convidados da festa dos 60 anos de Vinicius; ilustrações de Calazans Neto; o convite que Carlos Bastos desenhou para a inauguração da casa; e objetos originais como a máquina de escrever de Vinicius, as contas de candomblé que ele usava, e esculturas e azulejos pintados por Udo Knoff.

"Uma joia da cultura brasileira pouco conhecida. As pessoas conhecem o Vinicius que viviva nos bares de Ipanema, na realidade carioca, mas não conhece o Vinicius que veio para a Bahia e viveu um momento muito especial já no fim da vida, de contato com a natureza, de mais espiritualidade", explica Luísa. "Essa passagem do poeta pela Bahia é uma joia. Todos os documentos e fotos são do acervo que Gessy gentilmente cedeu para nós", agradece.

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Livre, leve e solta Apesar de relutante no início, Gessy se entregou de corpo e alma ao projeto. Sem papas na língua, ela questiona em uma das cenas do documentário: "E agora com 81, meu amor, eu faço o quê? Digo tudo o que sinto". Essa sinceridade aparece no filme, assim como sua irreverência, vitalidade e bom humor.

Ao CORREIO, a atriz lembrou de um momento em que foi abordada com intensidade por uma pessoa que a segurou pelo braço e questionou sobre como chegou aos 82 com essa vitalidade. "Posso falar palavrão com você, né minha filha? Pois eu respondi a essa pessoa: 'Cheguei aqui desse jeito porque mando todo mundo tomar no c... Inclusive quem aperta meu braço'", lembra rindo.

Na hora de fazer conta e dizer quando foi que saiu da casa que dividiu com Vinicius, Gessy não hesitou: "Não lembro e nem quero fazer força", resume, com seu jeitão. "Eu gosto de falar tudo, viu. Meu DNA é tupinambá. Indio é muito sincero, não gosta de mentira, nem sabe camuflar. Quando eu ia dar palestra, sempre começava dizendo: 'Podem perguntar tudo, só não me perguntem como Vinicius me comia que eu não falo", gargalha.

Chamada carinhosamente de estabanada pelos netos, e capaz de ficar zarolha em foto com pessoas que não gosta, Gessy se define como uma pessoa transparente que diz tudo o que pensa. "As pessoas que guardam as coisas, guardam pra quê? Pra ter câncer? Não vale a pena. Eu digo: 'Não venha não que não gosto de você (risos)'. Assim você fica livre, leve e solta", garante.

Depois de falar sobre a emoção de mexer no passado, Gessy ressalta a importância do documentário. "Minha preocupação é que essa juventudae que está chegando saiba quem era Vinicius. Ela não era só 'olha que coisa mais linda'", cantarola, com ironia. Em seguida, conta como foi seu encontro com a musa inspiradora de Garota de Ipanema, Helô Pinheiro. "Eu disse: 'Ela achava que era a garota de Ipanema, mas quem dormiu com ele foi a morena de Itapuã'", diz rindo.

Irreverente, Gessy diz que o que mantém seu equilíbrio no meio da loucura que o mundo está vivendo com a pandemia é sua família. "Sou ponto de referência para meus netos e meus filhos. Se eles me veem bem, eles ficam bem. Não é aquela coisa de esperar a morte, sabe? Se eu cair e ficar com cara de bundão, aí lascou tudo. A morte existe, mas deixa ela lá quieta", brinca. "Ainda vou dar um trabalhinho", sorri.