Morre em Salvador, aos 94 anos, o historiador Luís Henrique Dias Tavares

Ele era professor emérito da Ufba e ocupava a cadeira de número 1 da Academia de Letras da Bahia (ALB)

Publicado em 22 de junho de 2020 às 13:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Tayse Argôlo/Arquivo CORREIO

Embora o Grito do Ipiranga tenha proclamado a Independência do Brasil em setembro de 1822, foi no ano seguinte, em julho de 1823,  que os baianos colocaram os portugueses para correr do comando do país. Estudioso da história da Bahia e um dos maiores defensores da tese da importância do estado para a consolidação do processo de libertação do Brasil de Portugal, o renomado professor e historiador Luís Henrique Dias Tavares morreu, no fim da manhã de ontem, aos 94 anos, em Salvador.

Um dos maiores intelectuais do estado, ele é o autor de clássicos como ‘História da Bahia’ e ‘A Independência do Brasil na Bahia’; além de ter vasta produção literária, com obras de ficção (contos, novelas) e acadêmicas. Ao todo, segundo lista no site da Academia de Letras da Bahia, onde o professor Luis Henrique ocupava a cadeira de número 1, foram 27 livros publicados."Meu pai foi alguém que passou nessa vida e cumpriu tudo que fosse possível cumprir", disse, emocionado, o filho, também professor, Luís Guilherme Pontes Tavares.O historiador teve quatro filhos - Luís Gulherme, Milena, Cláudia e Sérgio, morto em 2011. Ele partiu deixando filhos, netos e a esposa, dona Laurita Pontes Tavares, com quem costumava passear pelas ruas do bairro da Graça, trajando bermuda e meias compridas. Além da família, ficam saudosos os historiadores desta geração e das próximas. 

Para o também historiador Milton Moura, professor do curso de História da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Luís Henrique é um exemplo."Em um tempo difícil como o nosso, nós devemos nos espelhar em quem tem o que dizer. Ele foi fantástico! Para mim, ele é um exemplo para as atuais e futuras gerações de pesquisadores e historiadores", conta Moura.Ele lembra, com bom humor, que mesmo a baixa estatura física do historiador não o fazia passar despercebido onde quer que fosse. "Ele era educado, respeitoso, delicado, convivia com todas as opiniões diferentes da dele. Ele era assim, de modesta estatura, mas quando ele chegava num lugar, todo mundo olhava para ele, porque naquele ser humano tão delicado, havia um conhecimento muito grande", conta.

Em 2011, Luís Henrique recebeu o título de Cavaleiro da Ordem do Dois de Julho, outorgado pelo Governo do Estado da Bahia, e não por acaso: nascido em Nazaré, no Recôncavo, em 25 de janeiro de 1926, Luís Henrique foi o grande defensor da tese da importância da Bahia na Independência do Brasil. Na Bahia, a Independência é celebrada numa data própria, 2 de julho, lembrando a guerra de 1823 considerada por Luís Henrique como uma verdadeira epopéia, da qual participaram tanto as elites como o povo baiano."Esse é o principal legado dele: ele acreditava que o processo de Independência da Bahia teve importância fundamental para a definição do que veio a ser o Brasil", explica Milton Moura, sem esquecer dos predicados de Luís Henrique enquanto pesquisador."Havia um conhecimento muito grande, ele examinava muito cudadosamente todas as fontes disponíveis. Ele nunca falava nada pela opinião dele apenas, ele examinava todas as fontes. Conhecida cada palavra de Braz do Amaral, ele conhecia tudo aquilo, ele fuçava tudo aquilo. Professor Luís Henrique, como Thales de Azevedo e outros que nos antecederam - era da mesma geração de Cid Teixeira, que está vivo - era aquele tipo de pessoa que falava e nos dava prazer de ouvir pela maneira de falar", completa.

Também professora da Ufba, a historiadora Lina Aras lembra com carinho do mestre - quem, para ela, exercia com maestria o exercício do ofício de historiador, de literato e um grande professor de gerações."O meu mestre Luis Henrique possuía a capacidade de além de orientar para o mister da profissão, era um grande orientador para a vida. Guardo em mim a riqueza do aprendizado vivenciado em sua companhia. A idade e o envelhecimento não foi um impedimento de continuar contribuindo para a formação de novos pesquisadores. A morte é um fato inexorável, fica a lembrança e o amor nutrido por uma pessoa muito especial", afirma, ao mesmo tempo em que lamenta a perda e se solidariza com a família."Nossa solidariedade a sua família em primeiro lugar, mas também ao grande número de pessoas que foram encantadas pela competência, gentileza e generosidade do mestre do Prof. Luis Henrique que hoje nos deixa", diz.

Presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro disse que o professor conseguiu traduzir fatos históricos em linguagem "palatável e empática". Para ele, é uma das personalidades que marcará para sempre como alguém que foi apaixonado pelo estado e pela cidade. "É raro alguém que seja da academia não trazer o assunto para o distante, erudito demais. Ao mesmo tempo que ele tinha o erudito, ele não levava isso para as aulas nem para os livros de forma a tornar isso inacessível. Ele decodificava sem empobrecer", destacou o gestor. 

Em 2013, a última vez que o CORREIO conversou com o professor, ele lançou dois livros: Bahia, 1789 e Abdicação de Pedro I: Derrota e Absolutismo, ambos pela Edufba.

A Associação Nacional de História Seção Bahia (Anpuh-BA) disse que sua obra abriu caminho para novos estudos, evidenciado nas dissertações e teses concluídas. A associção acrescentou que ele foi orientador de estudos e acolhedor de jovens pesquisadores, destacando-se pela sua competência e generosidade no trato cotidiano. "A aposentadoria não o impediu de continuar sua tarefa com a mesma atenção com que atendia a todos que o procuravam", escreveu a entidade.

Imortal Entre as obras mais importantes do historiador está justamente História da Bahia, que foi encartada no CORREIO em formato de fascículos a partir de maio de 2000, sempre aos domingos. "Vendeu muito bem, o jornal não teve prejuízo comigo", brincou na época. A obra reúne informações sobre a formação do povo baiano, detalhes das povoações em cada região e as lutas contra o despotismo. Na ocasião, a obra era a única publicação voltada para o tema no mercado. Em entrevista ao veículo, ele disse que teve a iniciativa de publicar depois de solicitação de colegas professores.

Por esta e outras produções, inclusive de ficção, o historiador passou a ocupar, em 1968, uma das cadeiras da Academia de Letras da Bahia (ALB). Ele era o imortal ocupante da cadeira de número 1, cujo patrono é o Frei Vicente de Salvador.

Da Academia Brasileira de Letras (ABL), Luís Henrique recebeu, em 2006, o Prêmio de História e Ciências Sociais, pelo livro Independência do Brasil na Bahia. Aquela era a primeira edição do prêmio e, na ocasião, a comissão que o elegeu disse que o “experimentado historiador baiano Luís Henrique Dias Tavares realizou um cuidadoso e exaustivo levantamento de documentos em arquivos brasileiros e portugueses. Autor também de obras literárias, ele extraiu de suas fontes uma narrativa histórica sóbria, precisa e fluente. O cuidado com a documentação não impediu, no entanto, que injetasse paixão em sua história da independência da Bahia”.

A Associação Baiana de Imprensa (ABI) lamentou a morte de Luís Henrique. Em 2012, a organização condecorou o historiador com a medalha Ranulfo Oliveira. Em nota, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), que o concedeu, em 2013, o Diploma do Mérito e Medalha Bernardino de Souza, também lamentou o falecimento. Matéria em 2013 na ocasião do lançamento de dois livros para o público infantil (Imagem: Arquivo CORREIO) Trajetória

A Biblioteca Virtual Consuelo Pondé, do Governo do Estado, fez um perfil com a trajetória do professor. Filho de um coletor estadual e de uma professora, Luis Henrique Dias Tavares foi alfabetizado pela própria mãe e frequentou a escola pela primeira vez aos sete anos, numa classe com crianças de vários níveis, como era comum na época.

Luís Henrique cursou Geografia e História, Bacharelado e Licenciatura, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal da Bahia (1948 – 1951). Recebeu o título de Doutor em História por concurso de Livre Docência, com defesa de Tese, prova escrita e oral. Era professor emérito da Ufba. A universidade lamentou a perda e se solidarizou com familiares, amigos e colegas.

O professor se aposentou da Ufba em 1991, mas nunca se afastou dela e continuou frequentando seu gabinete na Faculdade de Filosofia, onde atendia alunos de cursos de pós-graduação, além de participar de bancas de teses.

Ele dirigiu o antigo Departamento de Ensino Superior e da Cultura e também foi diretor, entre 1959 e 1969, do Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), quando este ainda ocupava um prédio na Rua Carlos Gomes, esquina com a Rua da Faísca. Em 2017, o historiador foi homenageado pelo Apeb com o lançamento da coletânea Capítulos de história da Bahia – Independência. A publicação, organizada pelas professoras Maria das Graças de Andrade Leal e Avanete Pereira Sousa foi dedicada a Luís Henrique."O professor Luís Henrique Dias Tavares é sem dúvida um dos maiores conhecedores da história da Bahia. Eu não conheço nenhuma publicação sobre nossa história tão completa, que inclusive o jornal CORREIO publicou, encartada em fascículos", disse o presidente do conselho administrativo da Rede Bahia, Antonio Carlos Junior.Fez seu Pós-Doutorado na Universidade de Londres (1977 – 1978, 1982, 1984, 1986), com pesquisas em Arquivos (Foreign Office Record's), e Bibliotecas (British Library), ocasião em que escreveu o livro Comércio Proibido de Escravos. 

Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), além de sócio da Academia Portuguesa de História e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Recebeu, da Academia Brasileira de Letras, prêmios literários tanto por sua ficção quanto por sua produção acadêmica no campo da História. Seus livros estão disponíveis ao público na Biblioteca Ruy Barbosa da Casa da Bahia.

O corpo do professor Luís Henrique foi cremado na tarde desta segunda-feira, 22, no Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas. Por conta da pandemia do coronavírus, não houve velório.

Confira todos os livros escritos pelo professor:A noite do Homem - (Contos), Coleção Tule, Imprensa Oficial do Estado,1960;

Moça sozinha na sala - (Crônicas), São Paulo, Martins Editora, 1960;

Menino pegando passarinho - (Crônicas), Rio de Janeiro, Tempo Presente, 1966;

O Sr. Capitão/ a heróica morte do combativo guerreiro - (Novela), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969. E 2ª edição, Ática;

Homem deitado na rede - (Crônicas), Rio de Janeiro, Organização Simões, 1969;

Almoço posto na mesa - (Contos e Crônicas), Salvador, EGBA, 1991;

Não foi o vento que a levou - (Novela), Salvador, Casa de Jorge Amado e Edufba, 1996;

Sete cães derrubados - (Crônicas), Salvador, Casa de Jorge Amado e Edufba, 1999;

Nas margens, no leito seco - (novela). Salvador: Edufba, 2013;

As Idéias revolucionárias do 1798 - Cadernos de Cultura, Ministério da Educação, 1956;

História da Bahia - 9ª Edição, Correio da Bahia, 2000: 10ª edição, Salvador, São Paulo, EDUFBA em parceria com à UNESP, 2001

O movimento revolucionário baiano de 1798 - (Tese de Concurso), Salvador, Imprensa Oficial, 2001

O problema da involução industrial da Bahia Salvador - Centro editorial e Didático, 1966;

Duas reformas da educação na Bahia: 1895 e 1925 - Centro Regional de Pesquisas Educacionais, 1969;

Curso de História do Brasil, Volume I - Salvador, Centro Editorial e Didático, 1971;

História da Sedição Intentada na Bahia em 1798 - São Paulo, Pioneira Editora, 1975;

Pedro Calmon - Salvador, Fundação Cultural do Estado, 1977;

A Independência do Brasil na Bahia - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1ª edição, 1977: 2ª edição, 1982;

Manuel Vitorino: Um político da classe média - Brasília, Rio de Janeiro, Senado Federal e Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981;

O fracasso do Imperador - paradidático, Ática, 1986;

Comércio proibido de escravos - São Paulo, Editora Ática, 1988;

A Conjuração Baiana - (paradidático), São Paulo, Ática, 1994;

Bahia: 1798 - São Paulo, paradidático, Ática, 1995;

Nazaré, Cidade do Rio Moreno - Salvador, Secretaria de Cultura e Turismo, 2003;

Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia - Salvador, São Paulo, EDUFBA, UNESP, 2003

Bahia, 1798 - (paradidático ilustrado por Cau Gomes). 1. ed. Salvador: Egba, 2010; 2. ed. Salvador: Edufba, 2012;

Abdicação de Pedro I. Derrota do absolutismo - (paradidático ilustrado por Gentil). Salvador, Edufba, 2013