MP-BA recomenda suspensão de concurso da Polícia Civil por 'graves falhas'

Se a recomendação não for acatada, o órgão estuda pedir a anulação judicial

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  • Thais Borges

Publicado em 22 de maio de 2018 às 11:54

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO

O Ministério Público do Estado (MP-BA) recomendou a suspensão do concurso público da Polícia Civil da Bahia, devido à “ocorrência de irregularidades” e “graves falhas” na realização do processo seletivo.

A recomendação, assinada pelas promotoras Heliete Viana e Rita Tourinho, através do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (Gepam), foi publicada no Diário Oficial de Justiça do estado nesta terça-feira (22). 

O documento foi enviado pelo gabinete da procuradora-geral de Justiça, Ediene Lousado, e é endereçado ao titular da Secretaria da Administração do Estado (Saeb), Edelvino da Silva Góes Filho, e à Fundação Vunesp, que organizou o concurso.

As provas foram realizadas no último dia 22 de abril. Ao todo, os 48 mil candidatos concorrem a mil vagas: 880 para investigador, 82 para delegado e 38 para escrivão. O maior número de inscritos foi para o cargo de investigador, com 35.036 candidatos – delegado (10.658) e escrivão (2.426) vêm logo em seguida.

Segundo o MP-BA, as irregularidades incluem o uso de celulares para fotografar o momento de aplicação da prova; ausência de informação formal dos candidatos; retirada do gabarito antes do término do tempo estabelecido para a realização da prova; deficiências na aplicação e fiscalização, além de descumprimento da proibição de o candidato levar consigo o caderno de prova após a finalização do tempo regular.

Ainda em abril, o MP-BA recebeu denúncias das irregularidades – nas redes sociais, candidatos chegaram a apontar que alguns participantes tiveram acesso ao gabarito. 

“Considerando que a primeira notícia de fato veio instruída com cópias de fotografias de eventos ocorridos durante a aplicação das provas objetiva e discursiva, bem como reproduções de conversas do aplicativo WhatsApp de candidatos inscritos no certame e registros nas redes sociais que revelam indícios de ocorrência das irregularidades apontadas”, dizem as promotoras, na recomendação.

Ainda segundo a promotoria, houve “graves falhas” na atuação da equipe responsável por aplicar os testes. O objetivo da recomendação, portanto, é de que a suspensão ocorra até que as irregularidades sejam apuradas ou esclarecidas. Além disso, o órgão solicita que a Saeb e a Vunesp adotem as providências legais pertinentes. 

Anulação  Em entrevista ao CORREIO, a promotora Heliete Viana explicou que as duas responsáveis têm um prazo de 20 dias úteis, a partir do dia em que forem notificadas, para dar uma resposta à recomendação. “Não se trata de uma questão de improbidade, mas de uma questão de possibilidade ou não de pedir judicialmente a anulação do certame. É nesse sentido, para que eles suspendam o concurso”, afirmou. A possibilidade do pedido de anulação é considerada caso a recomendação não seja acatada. 

Segundo ela, o MP-BA recebeu denúncias de mais de 100 pessoas acerca do concurso – em algumas representações, mais de 30 pessoas assinavam. A partir das diligências investigatórias, que envolveram também documentos enviados pela própria Fundação Vunesp, a promotora conta que foram constatadas as falhas na equipe de aplicação em diferentes locais de prova. “Não se pode falar necessariamente em fraude, mas em uma grave falha da equipe contratada pela fundação para aplicar as provas, a começar, inclusive, pela estrutura que foi dada. Tivemos acesso ao manual do coordenador e ao manual dos fiscais, que preveem que uma sala de 40 pessoas tenha apenas um fiscal. Estou levantando mais dados para saber quantos fiscais volantes existiam, até para acompanhar as pessoas quando iam ao banheiro”, disse a promotora. No entanto, Heliete Viana reforça que os documentos da própria organizadora já apontam para a escassez de fiscais. Essa falha na fiscalização, na avaliação do MP-BA, seria um dos motivos que levou candidatos a fotografar tanto locais de prova quanto folhas de respostas. Esses candidatos, embora ainda não tenham sido identificados, também estão na mira do órgão. 

“Se houve uma falha no controle e o candidato burlou a regra, ele também pode ser punido. Em último caso, a depender da dimensão do problema, e já sabemos que não foi algo localizado, talvez o mais recomendado fosse até a repetição dessa etapa. É algo a se cogitar, mas já vai surtir um efeito bem mais positivo se a secretaria concordar com a suspensão e até se aliar ao MP-BA na investigação”, sugere. 

Procurada pelo CORREIO, a assessoria da Polícia Civil informou que somente a Saeb responde pela realização do concurso. A secretaria, por sua vez, informou a Procuradoria Geral do Estado (PGE) é quem irá se posicionar sobre o caso, mas, até a publicação da reportagem, nem a PGE, nem a Fundação Vunesp tinham emitido posicionamento.

Governador pediu investigação e analisará cancelamento Durante uma cerimônia de entrega de 461 viaturas à Polícia Militar, na manhã desta terça-feira, no pátio da Governadoria, no CAB, o governador Rui Costa afirmou que já tinha solicitado que o procurador-geral do estado, Paulo Moreno, assim como a Saeb, investigassem as denúncias que circulavam em redes sociais.

Ele afirmou que pretende convidar as promotoras que assinam a recomendação para saber se há elementos concretos. “Eu sou o primeiro a querer concurso transparente. Se tiver alguma comprovação de irregularidade, eu vou determinar o cancelamento. Se só foi fofoca, mentira, não tem por que cancelar, porque você prejudica quem estudou. Tem que ter provas, indícios concretos de problemas”, disse o governador, que destacou que o concurso teve quase 50 mil inscritos.Salário O concurso da Polícia Civil atraiu interessados pelo valor do salário, que pode chegar a R$ 11.389,96, no caso do cargo de delegado, com regime de trabalho de 40 horas semanais. Já os investigadores e escrivães de polícia terão remuneração inicial de R$ 3.915,85, no regime de 40 horas semanais. Dos 48.120 inscritos no certame, 37.676 realizaram as provas, contabilizando 10.444 ausentes – o que representa um percentual de 21,78% de abstenções.

O engenheiro mecânico Marcos Nery, 32 anos, é um dos candidatos que fez a prova para o cargo de investigador. Ele acompanhou as denúncias desde o própria dia do concurso, quando viu fotos da prova sendo postadas em redes sociais. 

“Eu vi que as fotos eram reais porque fiz a prova e vi aquelas questões. A gente fica meio assim porque tem os esforços de tempo, estudo, sacrifícios. Dá aquele desânimo e aquela trabalheira para depois pensar: e agora? Para mim, que não sou da área, é um esforço muito maior que preciso fazer”, contou. 

Desde que soube da publicação do edital, ele deu início a uma rotina de seis a sete horas de estudo diárias. Com o concurso, esperava mudar de área – a sua de formação, a engenharia, passa por uma forte crise nos últimos anos. 

Mesmo assim, ele acredita que um eventual cancelamento do concurso pode prejudicar muitos candidatos – especialmente os que vêm de outros estados. “Mas, de maneira particular, isso pode ajudar quem já é do estado, porque provavelmente a concorrência vai ser menor. Pode ajudar quem se saiu mal a ter uma nova oportunidade”, analisa.