MP-BA vai instaurar procedimento para apurar ataques de ódio e intolerância à Mãe Stella

A medida foi adotada através de uma denúncia do Ilê Axé Opô Afonjá

Publicado em 3 de janeiro de 2019 às 17:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

Mãe Stella foi atacada nas redes sociais após sua morte (Foto: Betto Jr) O Ministério Público da Bahia (MP-BA) vai instaurar um procedimento para apurar os diversos ato de ódio e intolerância religiosa contra Mãe Stella de Oxóssi, após a morte da líder religiosa, uma das maiores representantes do Candomblé no país. Mãe Stella, que morreu no dia 27 de dezembro, era chefe do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador, desde 1976.

A medida foi adotada após uma denúncia do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá ao MP-BA. Mãe Stella foi vítima de intolerância religiosa, injúria racial e homofobia em comentários no Instagram. Uma das agressões foi publicada por uma mulher identificada como Taiane Fragoso, na página do prefeito de Salvador ACM Neto, após publicação do gestor sobre a inauguração da Avenida Mãe Stella de Oxóssi. 

No comentário, Taiane chama a homenagem de "absurdo" e ofende Mãe Stella. "Absurdo colocar o nome de uma avenida o nome dessa macumbeira (sic). Em vez de procurar a Deus, vai procurar fazer macumba para o mal dos outros", afirmou.  (Foto: Instagram/Reprodução) A promotora Lívia Maria Santana e Sant’Ana Vaz, coordenadora do Grupo de Atuação de Especial de Proteção de Direitos Humanos e Combate à Discriminação, disse ao CORREIO que recebeu uma representação da Sociedade Cruz Santa do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá na quarta-feira (2), onde foram relatados diversos ato de ódio e intolerância religiosa após o falecimento da líder religiosa.

“Será instaurado um procedimento para apuração desses atos que podem ensejar tanto a responsabilização criminal, quanto civil.  Criminal, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, que consiste em praticar, induzir ou excitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, que é o caso concreto, ou procedência nacional. Tratando de crimes desta natureza, por intermédio dos meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza, que é o caso concreto, há uma causa de aumento no parágrafo segundo, que prevê pena de dois a cinco anos de prisão e multa”, declarou a promotora. 

Já em relação à responsabilização civil, a promotora pontua: “É possível o ajuizamento de ação por dano moral, inclusive coletivo, já que atos como esse, além de afetar a memória de Mãe Stella, afeta também toda uma coletividade de pessoas que professam religiões afro-brasileiras e, mais especificamente, a comunidade do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá”. 

Repercussão O presidente da Sociedade Cruz Santa, entidade civil que mantém e administra o Ilê Axé Opô Afonjá, o ogã Ribamar Daniel, foi o responsável pela solicitação da representação. “Vivemos num país laico. Devemos respeitar e ser respeitados. Então, fiz contato com a promotora Lívia. Enviei um requerimento, ela acatou e disse que vai tomar as providências”, disse.

Ele lamentou os ataques à memória de Mãe Stella em um momento de tanta dor.“É lamentável isso acontecer na passagem de Mãe Stella para outro mundo. Ver pessoas praticando ataques nas redes sociais, intolerância religiosa. O candomblé é uma religião milenar e pessoas tentam nos desestabilizar, mas o legado dela (Mãe Stella) é tão grande que seguiremos em frente”,  disse.Já Pai Balbino Daniel de Paula, de Xangô Aganju, do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, de Lauro de Freitas, também comentou a atuação do MP-BA e pediu mais respeito.

“São pessoas leigas, pois todos somos filhos de Deus. Tem que se instaurar o procedimento e punir mesmo. Essas pessoas não têm coração. Uma pessoa já morta, enterrada. Não se profana o nome de uma pessoa já morta. Deus é de todos. Isso é racismo. Não tem nem moral. Conheço muitos crentes que são pessoas boas, com quem convivemos muito bem”, declarou.

Para o sacerdote Miguel Roque, ojé Sobaloju do Terreiro Tuntum, da localidade do Barro Branco em Itaparica, o povo de candomblé não deve se calar. “Trata-se de mais um crime de intolerância religiosa. Nosso povo ainda não foi ainda reconhecido como gente nesses mais de 500 anos. Os governantes não valorizaram os afrodescendentes na saúde, educação e segurança. A gente lutou muito contra a escravidão e o autoritarismo. É preciso que se faça isso, porque sentimos a intolerância e racismo na pele”, opinou. 

Makota Valdina, 75 anos, assessora da líder do terreiro Unzo Onimboya, no Engenho Velho da Federação, disse que os ataques são fruto de um fanatismo.“Uma pessoa dessa é ignorante, fanática. Nem dou atenção a gente como ela. É um fanatismo desenfreado. Eu não tenho diálogo com pessoa como essa. Discuto com quem pode dialogar, até de outra religião", reclama."Discuto com quem pode dialogar, até de outra religião. Essa luta não começou agora. Não é de agora o combate ao racismo religioso. Nós estamos fazendo a nossa parte”, finalizou a religiosa.