Mural na Alemanha faz homenagem ao artista visual baiano Scank

O rosto do jovem assassinado há um ano está ao lado da imagem da mãe dele

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  • Roberto Midlej

Publicado em 22 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Mesmo sem jamais ter botado o pé fora do Brasil, o artista visual baiano Scank, morto no ano passado aos 27 anos, está deixando sua marca em território estrangeiro: foi concluído na cidade de Tubinga, na Alemanha, neste fim de semana, um mural em grafite inspirado na vida dele. Os rostos de Scank e Nice, a mãe dele, estão no mural (foto: divulgação) Estão estampados ali os rostos dele e da mãe, Leonice Galdino de Souza, pintados pelo alemão El Niño. A iniciativa da homenagem é da gaúcha Paula Gil Larruscahim, 44 anos, que vive na Alemanha há cinco. Paula é doutora em criminologia cultural e desenvolveu uma pesquisa sobre a criminalização da pichação. Numa viagem a trabalho à Bahia, em 2013, conheceu Scank e se encantou com as criações dele.

"Ele realmente se destacava pelo trabalho, tanto no meio acadêmico, como no universo da pichação. E o que me motivou a criar o mural foi a necessidade de manter a memória dele viva e acho que é importante que isso aconteça num espaço público", revela Paula. 

Scank, que era negro, foi morto numa madrugada, quando tentava deixar sua assinatura num dos muros da cidade, próximo à entrada do Bate Facho, no Imbuí, em Salvador. Levou um tiro e foi espancado. Agora, já um ano depois, a polícia civil, em comunicado, diz que "o inquérito foi concluído e encaminhado à Justiça, com a identificação e a solicitação de prisão de um dos autores". Mas os criminosos não foram presos.

Leonice, de 49 anos, diz que só no início deste ano teve força para informar-se sobre o inquérito. Uma das maneiras que encontrou para amenizar a dor do luto foi criando peças com os desenhos do filho. Hoje, vende bolsas e camisas com estampas criadas por Scank, a R$ 50 cada. Scank morreu aos 27 anos (foto: Nara Gentil/divulgação) A dor de Leonice também motivou Paula a criar o mural: "Queria trazer essa questão mundial, que é a de milhares de mães que perdem seus filhos para o racismo, para a xenofobia, para o fascismo". 

A pintura é também uma homenagem a Leonice e a mulheres de todo o mundo que perderam filhos de forma violenta. "Fiz questão de que o mural tivesse o rosto do Scank e da mãe dele, porque precisamos dar visibilidade ao rosto de pessoas negras em espaços públicos. Há uma questão simbólica nisso. Surgiram movimentos importantes como o Black Lives Matter, mas os crimes continuam acontecendo".

A pintura fica na fachada de uma ocupação cultural tomada por jovens, criada nos anos 70 e, segundo Paula, o mural ficará ali de maneira permanente. 

Scank, que era autodidata, conquistou também a antropóloga Roca Alencar, professora da Ufba. "Nunca fez sequer um curso, mas era muito curioso, tinha interesse em pesquisas. Trabalhou como garçom, em telemarketing, mas estava sempre desenhando. A criatividade dele era impressionante e era um grande calígrafo. Não só reproduzia, mas criava alfabetos", destaca Roca. 

Leonice diz que inicialmente reprovava a atuação do filho como artista de rua: "No início, jogava fora os desenhos dele, queimava, porque a vizinhança dizia que matavam pichador. Eu não me importava dele ser artista, mas me preocupava porque a sociedade vê aquele trabalho como algo marginal".