Na última vinda à Bahia, Caymmi recebeu prêmio e percorreu a cidade

A última visita de Dorival Caymmi à Bahia, em agosto de 2006, não passou em branco. Homenagem ao centenário do mestre acontece no dia 30 de abril

Publicado em 25 de abril de 2014 às 07:49

- Atualizado há um ano

O portão coberto de fitinhas do Senhor do Bonfim é o mesmo de pouco mais de sete anos atrás, quando um baiano ilustre, apoiado nos ombros do filho mais novo, Danilo, subiu os quatro primeiros degraus da Basílica do Bonfim, no alto da Colina Sagrada. A última visita de Dorival Caymmi à Bahia, em agosto de 2006, não passou em branco.

O autor de canções inesquecíveis como Maracangalha, Samba da Minha Terra, Saudades da Bahia e Suíte do Pescador, entre outras distribuídas em 20 álbuns e 68 anos de carreira, voltava à Bahia depois de 11 anos para receber o Prêmio Nacional de Literatura e Arte Jorge Amado, pelo conjunto de sua obra, no Teatro Castro Alves. Receber o prêmio foi o motivo da visita, mas Caymmi aproveitou a estadia de quase dois dias para visitar a cidade. Caymmi, na frente da Igreja do Bonfim, em sua última visita à Bahia(Foto: Antonio Saturnino/Arquivo Correio)“Ele veio com os netos, o filho, já bem debilitado. Tomou uma água de coco e entrou na igreja, na cadeira de rodas”, lembrou o vendedor de coco Odilson Mendes dos Santos, 58 anos, que há 23 trabalha em frente à basílica. A Igreja do Bonfim foi um dos poucos lugares em que o compositor desceu do carro que o conduziu desde a noite de quarta-feira, 9 de agosto de 2006, até as 17h da sexta, 11.

No Bonfim, Caymmi chegou acompanhado dos netos e de Danilo, num dia calmo. “Não tinha muita gente, ele estava muito tranquilo, eram umas 10h30. Entrou na igreja, ficou lá uns 15 a 20 minutos e saiu”, disse outro vendedor de coco, Tadeu Xavier da Rocha, 49, há 40 anos no mesmo lugar. Uma vendedora de fitinhas Carol Mendes Carvalho, 32, lembra que Caymmi rezou, acenou e tirou fotos com fãs.

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“Pedi que guiasse e protegesse o caminho de minha família e dos baianos”, disse Caymmi, na ocasião, a jornalistas que acompanharam sua visita. Antes disso, rezou um Pai Nosso ao lado das netas Denise e Stella. Caymmi deixou o lugar com fitinhas brancas na inseparável maleta de couro Mococa, em que guardava objetos pessoais, fotografias e presentes.

“Se eu pudesse, colocaria dentro dela um pedaço da minha terra”, disse, naquele dia, à reportagem do Correio da Bahia. A visita não chegou a ser registrada no livro da Devoção ao Senhor do Bonfim. A passagem de Caymmi pela Bahia não se resumiu a uma das ‘365 Igrejas’ que ele cantava na música de mesmo nome.

Na manhã do dia 10, mesmo dia em que recebeu o prêmio, foi à Pedra da Sereia, no Rio Vermelho, onde morou por décadas, e depois seguiu para um almoço servido no Palácio de Ondina.

Somente no dia seguinte, o compositor, então com 92 anos, foi à Igreja da Boa Viagem, passeou pela Ponta do Humaitá, pela orla da Ribeira e pela Península de Itapagipe, onde avistou os barcos no atracadouro. Passou ainda pela Sorveteria da Ribeira, mas não desceu, nem tomou o famoso sorvete.

Da Ribeira, Caymmi seguiu ao hotel em que estava hospedado, no Campo Grande, e depois fez, de carro, o caminho até o aeroporto de Salvador, de onde partiria para o Rio de Janeiro. Não, é claro, sem antes passar por um fim de tarde em Itapuã. Caymmi passou pelo bairro com os vidros do carro abertos e estacionou no largo onde fica, ainda hoje, o tabuleiro do Acarajé de Cira.

Lá, a neta Denise desceu do carro com uma incumbência: comprar 15 acarajés com camarão e dois abarás, os últimos  preferidos do avô. “Mas só vai comer se minha avó deixar quando chegar em casa”, avisou, na época, a neta.

Naquele dia, depois de 11 anos sem pisar os pés na Bahia, Caymmi prometeu voltar à terra no mês de novembro, o que não aconteceu. Dois anos depois, numa manhã de sábado, 16 de agosto de 2008, Caymmi faleceu em casa, aos 94 anos, vítima de falência múltipla de órgãos.