Não é brinquedo, não! Há 20 anos, Vitória encantava o Brasil com o 'Brinquedo Assassino'

Longe de ter fracassado, geração que chegou à final de 1993 despontou o clube para o cenário nacional

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 15 de dezembro de 2013 às 09:29

- Atualizado há um ano

Naquela quarta-feira de novembro, o narrador Juracy Santos, do Telesportes, não soltaria o gogó para narrar mais um gol apenas. Impiedoso como Chuck, o atacante Alex Alves saiu em velocidade da intermediária do seu campo, catou quatro adversários e fuzilou na saída do goleiro. Além de simplesmente descrever o lance, Juracy ainda fez uma exigência.    - Golaço! Golaço! É do Leão! É do Leão! Levou o time todo do Corinthians! Erga-se uma estátua! Erga-se uma estátua!   A estátua nunca seria erguida, mas, ainda assim, o mais épico capítulo da trajetória do Vitória, em 1993, jamais será apagado. O gol de Alex contra o até então invicto Corinthians, no Campeonato Brasileiro daquele ano, é considerado por muitos o mais bonito da história da Fonte Nova. Longe de ser o único feito heroico da equipe, que ficou conhecida, nacionalmente, como Brinquedo Assassino.  

Há 20 anos que o time de garotos das divisões de base, mesclados com alguns jogadores experientes, encantou o Brasil e atropelou potências do futebol brasileiro. Além do Timão, o Chuck rubro-negro apunhalou Flamengo e Santos, chegando às finais com o poderoso Palmeiras - o jogo decisivo aconteceu dia 12 de dezembro. 

Os rubro-negros mais jovens podem enxergar naquela uma geração perdedora. Mas, a Juventude Cara-Pintada, como também era chamada, mudou a história do clube. A partir dali, o Vitória despontou no cenário nacional e mundial. “A lembrança que eu tenho é de transformação do clube. A partir dali, o Vitória se tornou referência de revelação de jogadores e melhorou sua estrutura”, diz o ex-zagueiro João Marcelo. A partir dali, o Vitória virou referência de revelação de jogadores (João Marcelo, zagueirão rubro-negro em 93“Não houve fracasso. Poucos acreditavam na gente. Foi tudo muito mágico. Participamos daquilo com orgulho e isso não pode passar em branco”, diz Paulo Isidoro, buliçoso meio de campo do Brinquedo. Além de Isidoro, Dida, Rodrigo e Alex Alves surgiram das divisões de base. E na reserva, recém-revelados, ainda tinham Vampeta e Giuliano. O que mais chamava a atenção era a simplicidade, tanto na forma de jogar quanto financeira. Reportagem do Jornal Nacional, na véspera da decisão, mostrava que a soma do que recebiam por mês os 24 jogadores do elenco não pagava o salário de Edmundo. Na época, o craque do Palmeiras ganhava US$   30 mil  - mais de 8 milhões de cruzeiros reais. 

“A geladeira lá de casa tava estragada e dei uma de presente a minha mãe. Agora meu sonho é dar uma casa”, dizia o próprio Alex, que morreu esse ano vítima de uma doença rara. “Depois do treino a gente tinha que subir um morro de barro a pé. Mas nunca vou esquecer daquela campanha. Guardo no coração”, diz o ex-capitão Roberto Cavalo. O futebol chamava a atenção pela rapidez e ousadia, semelhante ao que fez a trupe de Ney Franco este ano. Jogando sempre pra cima e apostando em contra-ataques mortais, o Vitória de 1993 foi o time que mais marcou gols no campeonato: 39 no total.  Não houve fracasso. Foi tudo mágico. Participamos daquilo com orgulho (Paulo Isidoro, meia bom de bola)Time A defesa bem plantada tinha Dida no gol, a maior revelação. Rodrigo, na lateral, compunha a linha defensiva com João Marcelo, campeão em 88 pelo Bahia, China e o experiente Renato Martins. No meio, Gil Sergipano, outro campeão de 88, protegia a zaga. O capitão Roberto Cavalo era o dono do time. Chute violento e certeiro, fez nove gols de falta. 

A bola então chegava a Isidoro, que distribuía nas pontas para Alex e Pichetti. Enquanto esses dois infernizavam os zagueiros, Claudinho puxava a marcação e se valia do oportunismo pelo meio. Tudo organizado pelo técnico Fito Neves. “Era uma forma simples, objetiva e mortal”, explica Cavalo. O regulamento do Brasileiro de 1993 fez o Vitória atravessar a primeira fase soberano. No quadrangular semifinal, pegou um grupo fortíssimo, com Santos, Flamengo e o invicto Corinthians, em jogos de ida e volta. Talvez o uniforme, com o vermelho e o preto se misturando em uma espécie de eletrocardiograma tenha ajudado a amedrontar. As baterias dos afros Ilê Aiyê e Olodum reforçaram a corrente e marcaram presença nos jogos. 

Embalado pelos versos do hit “a festa começa na ladeira”, e jogando no 4-3-3, o Vitória superou todos os gigantes. O Corinthians de Viola, Rivaldo e Tupãzinho. O Flamengo de Renato Gaúcho, Marcelinho e Casagrande. O Santos de Veloso, Sérgio Manoel e Cuca, atual técnico do Atlético(MG). A cada entrada em campo, a torcida, puxada pela Leões da Fiel, explodia. E o Leão chegou invicto à final contra o Palmeiras. Torcedor-símbolo do Vitória, Alvinho Barriga Mole prendeu dois periquitos em uma pequena gaiola. “Um é Edmundo e o outro Evair”, disse. Mas esqueceu-se de Mazinho, Antônio Carlos, Roberto Carlos e Edilson. Que time! Justo o Capetinha fez 1x0 na Fonte Nova, diante de mais de 77 mil pessoas. Em um ônibus, 300 torcedores rumaram para São Paulo. O Palmeiras era uma seleção. Final 2x0. Pouco importa. O Brinquedo Assassino continua imortal. É parte da história rubro-negra.Jogávamos de forma simples, objetiva e mortal. O clube cresceu muito depois de 1993 (Roberto Cavalo, ex-capitão do Vitória)Regulamento estranho teve quadrangular semifinalO Campeonato Brasileiro de 1993 teve um regulamento, no mínimo, diferente. Os 32 participantes foram divididos em quatro grupos de oito clubes. Doze oriundos da Série B do ano anterior compuseram dois grupos (C e D), entre eles o Vitória, que integrou o Grupo C. Antes de ficar entre os oito clubes do grupo de elite, o Vitória ainda teve que eliminar o segundo colocado do Grupo D. Tirou o Paraná com dois empates. Os classificados foram então reagrupados em duas chaves de quatro clubes. O Grupo E tinha Vitória, Santos, Corinthians e Flamengo. O Grupo F ficou com Palmeiras, São Paulo, Guarani e Remo.  

Os campeões de cada grupo garantiram vaga na final, no caso, Palmeiras e Vitória, que se classificaram sem derrota.Fez a diferença: Chuteira do capitão Cavalo foi roubada na véspera da decisãoFutebol é detalhe, todo mundo sabe. Na própria final contra o Palmeiras, apesar do adversário cheio de craques renomados, pequenos detalhes poderiam fazer a diferença para o lado rubro-negro. O chute cruzado de Claudinho que passou raspando a trave. A falta cobrada por Roberto Cavalo que tirou tinta. Aliás, é o próprio capitão quem, 20 anos depois, nos revela um fato curioso. Ele, dono dos tiros certeiros de bola parada, teve o par de chuteiras roubado no dia anterior à decisão. “Era uma chuteira velha, amaciadinha. Entraram na rouparia da Toca e levaram. Tenho certeza que fez a diferença”, brinca Cavalo.