'Não existe risco zero', dizem especialistas em encontro sobre segurança de barragens

As dez barragens em alto risco na Bahia passarão por revisão

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 30 de janeiro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: TV Bahia/Reprodução

Após os desastres causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, e de Brumadinho, na última sexta-feira (25), ambas em Minas Gerais, governo e órgãos baianos intensificaram a fiscalização nas estruturas apontadas no último Relatório de Segurança das Barragens, feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) em novembro de 2018, como potenciais riscos à população. Barragem de Jacobina (Foto: TV Bahia/Reprodução) Das 45 barragens apontadas com algum comprometimento estrutural em todo o Brasil, dez estão na Bahia - o estado lidera. Aqui, as dez em alto risco - que correspondem a 22% do total do país - passarão por uma revisão. “Nesta segunda-feira (28), foi realizada uma reunião interna entre a diretoria do Inema e o governo para promover a revisão de todas as 10 barragens que apareceram no relatório da ANA, além de os fiscais voltarem às áreas mais críticas por uma questão de precaução. Neste momento, a fiscalização acontece nas barragens de mineração que ficam em Jacobina e Ipiaú e, posteriormente, vão ser colhidas informações dos demais locais”, afirmou o diretor de águas do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Eduardo Topázio.

Neste sentido, o diretor-superintendente da Defesa Civil da Bahia, Paulo Sérgio Menezes, explicou que todos os anos são cobrados dos municípios um plano emergencial para casos de desastres naturais.“A gente percebeu que não basta isso, mas, a Defesa Civil municipal precisa ter técnicos treinados para agir em caso de emergência, principalmente dos municípios pequenos que estão localizados abaixo das barragens”, declarou.Por isso, a Defesa Civil iniciou o treinamento de técnicos municipais e exige que as cidades tenham rota de fuga, sirenes de emergência, alarmes, planos de contingência. “Esse treinamento já era para ter acontecido em Jacobina, em dezembro, mas precisou ser adiado, por causa de uma chuva forte”, disse Paulo Sérgio.

Das 34 barragens de rejeitos de mineração na Bahia registradas junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), as de Jacobina, de minério de ouro, causariam mais estragos, em caso de rompimento. Por este motivo, o município está na lista de prioridades da Defesa Civil estadual, já que não existe na cidade nenhum método de prevenção para os desastres, além de muitas casas estarem fixadas em áreas de risco, o que dificulta, segundo Paulo Sérgio, o trabalho dos técnicos.

Risco x tecnologia Embora todos só se preocupem com o grau de risco das barragens, há um consenso entre os engenheiros que participaram, nesta terça-feira (29), de um seminário sobre a situação das equipamentos brasileiros: não existe risco zero.

O evento, que aconteceu na Escola Politécnica da Ufba, contou com a presença do presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, Carlos Henrique Medeiros, do professor da PUC-Rio e membro da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia e Geotécnica, Alberto Sayão, do presidente do Crea-Ba, Luís Edmundo Campos, além de membros do Inema, da Defesa Civil do Estado e do Clube de Engenharia da Bahia.

Para Alberto Sayão, a cada 30 anos, a barragem de rejeitos dobra de tamanho, a ponto de existir equipamentos que já chegam a 300 metros de altura."Por causa disso, o volume dos reservatórios tem aumentado 10 vezes a cada 30 anos e, quanto mais alto, maior a probabilidade de ruptura. Portanto, risco sempre existe. O que precisamos fazer é conviver com isso e projetar as barragens adequadamente”, aponta Sayão.Ainda segundo Sayão, falar em minimização de risco é, automaticamente, afirmar que deva ser implementada maior tecnologia na projeção, operação e fiscalização das barragens, o que implica em maior custo por parte das empresas. “A questão é definir quem vai pagar por isso, porque não é possível exigir modificações na forma de atuação das mineradoras de uma hora para a outra, por meio de resolução, sem que haja uma reação”, destacou, referindo-se à Resolução nº 1/18, expedida nesta segunda-feira (28).

O engenheiro também explicou que existem, atualmente, no Brasil, tecnologias avançadas para a operação das barragens de rejeitos. “A engenharia tem de caminhar no sentido de abolir as técnicas do transporte hidráulico, com muita água, que é o problema principal das rupturas. Tira a água e coloca rejeito seco”, disse.

No entanto, Sayão voltou a afirmar que tudo isso só é possível com o aumento do custo da operação. “Mas aí, as empresas vão ter de adquirir novos equipamentos, os chamados filtros-prensa, que é uma prensa que espreme a lama de rejeito e filtra - sai a água e fica o solo. Esse material pode ser transportado por caminhões e é muito mais seguro”, explicou.

Nesta mesma linha, o diretor de águas do Inema, Eduardo Topázio, também afirmou que uma das soluções discutidas nesta segunda (28) pelo governo baiano é a substituição das barragens úmidas pelas barragens secas, o que tem custo elevado. “Qualquer estrutura pode desabar. O problema é quanto dinheiro a gente quer gastar para diminuir o risco. É um equilíbrio delicado”, ressaltou Alberto Sayão.

Para eles, este é hoje um dos principais impedimentos de se pensar em alternativas para reduzir os riscos de rompimento de barragens, principalmente as de rejeitos e localizadas em grandes altitudes, que causam estragos maiores, em razão da velocidade da lama. O presidente do Crea-Ba, Luís Edmundo Campos, afirmou que toda estrutura apresenta risco, mas este deve estar relacionado à probabilidade de ruptura e dano.“Muitas vezes, a população se assusta quando divulgam que há risco em barragem. Mas, é importante saber que tipo de risco é este”, disse Campos.Ainda de acordo com Luís Edmundo, a Agência Nacional de Águas vai receber no dia 31 de janeiro as informações referentes às fiscalizações realizadas em 2018 nas barragens baianas. “A partir daí, vai ser emitido novo relatório, quando vai ser possível comparar o que foi modificado em relação ao anterior, quando 10 estruturas apareceram em destaque em relação ao risco”, destacou.

Déficit O presidente do Crea-Ba também esclareceu que não é porque a barragem aparece com indicador de risco que vive em situação de iminente rompimento. “Isso só mostra que as estruturas precisam de reparação, manutenção”, afirmou. E é este outro principal problema das barragens brasileiras: a falta de fiscalizadores - não de fiscalização.

Na Bahia, por exemplo, as 335 barragens sob responsabilidade do Inema contam com apenas seis fiscalizadores. “Já no Brasil, das cerca de 800 barragens de rejeitos, sendo a metade delas em Minas Gerais, o governo dispunha de apenas 9 fiscais e um carro”, explicou Sayão, que complementou dizendo ser crítica a falta de mão-de-obra necessária para cumprir a fiscalização das estruturas.

Apesar disso, o Manual de Políticas e Práticas de Segurança de Barragens para Entidades Fiscalizadoras aponta a necessidade de 10 a 20 técnicos para fiscalizar de 301 a 1.000 barragens - como é o caso da Bahia. No estado, as estruturas que aparecem com risco são: Afligidos (em São Gonçalo dos Campos), Apertado (Mucugê), Araci (na cidade de mesmo nome), Cipó (Mirante), Luiz Vieira (Rio de Contas), RS1 e RS2 (Camaçari), Tabua II (Ibiassucê), Zabumbão (Paramirim) e Pinhões (Juazeiro/Curaçá).

Raimundo Goethe, Chefe do Serviço Técnico DNOCS Bahia, responsável por quatro barragens no estado - Pinhões, Araci, Luiz Vieira e Tabua II - também apontou a falta de fiscais como um dos problemas principais aos riscos que acometem as barragens. “Eu e mais dois engenheiros fiscalizamos as 34 barragens do DNOCS na Bahia, o que é uma questão difícil”, disse.

Ainda segundo ele, “algumas anomalias são comuns em barragens mais antigas, como a de Araci. Houve um período em que ela chegou a secar. Às vezes, nesses casos, ocorre expansão ou contração do solo, e isso influencia no material da barragem. Mas não há risco de rompimento de nenhuma dessas quatro estruturas”.

Na opinião do Presidente do Comitê Brasileiro de Barragens (CBB), Carlos Henrique Medeiros, realizar concursos públicos não resolve esse déficit de mão de obra e iria gerar mais cursos com o treinamento dos engenheiros.“A gente precisa colocar gente qualificada, escolhida a dedo para fazer esse trabalho, que já esteja acostumado a lidar com as situações e não hesite a tomar atitudes que podem salvar vidas”, disse.Transparência Outra questão levantada pelo presidente do CBB é a questão da transparência na operação das barragens, principalmente em casos de desastres. “Um exemplo típico é o de Mariana, quando o relatório apontando as causas do acidente só foi divulgado dois anos após o desastre. Antes disso, tínhamos documentos produzidos pela própria Samarco. Isso não pode acontecer”, defendeu.

“Para saber o que deu errado é preciso ter abertura de investigação, tirar blindagem jurídica. Não existe meia informação na hora de dizer se é ou não seguro. Tem que ter acesso a tudo. A engenharia não avança se não existir transparência, principalmente em casos de acidente. É preciso entender o que motivou e levar isso como lição para outros casos”, afirmou Carlos Henrique Medeiros.

Ainda segundo ele, os acidentes e a falta de transparência na operação de barragens não são exclusividades do Brasil. “Existiram outros grandes desastres, como os do Chile, em 1965, Bulgária, 1966, Reino Unido, 1966, Estados Unidos, 1972, Itália, em 1985. Todos estes tiveram mais de 100 mortes. O do Chile teve mais de 200 vítimas, na Bulgária foram mais de 400”, explicou.

Nesta segunda-feira (28), o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Natural do Ministério de Minas e Energia, Alexandre Vidigal, defendeu a implementação de uma “política da transparência”, ao afirmar que o governo vai realizar uma série de reuniões para investigar as causas do acidente com a barragem de Brumadinho, em Minas Gerais.

Já Carlos Henrique Medeiros destacou que, quando existe acidente, as pessoas querem, de imediato, buscar um culpado. “É necessário olhar o ambiente, o que levou aquilo acontecer. Se não há investigação, como apontar culpado? Mas, sem transparência, tudo isso se torna muito difícil e leva muito tempo”, disse.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier