'Não informaram o resultado', diz sobrinha de idoso que teve velório com caixão aberto

Valdomiro José de Almeida morreu de covid-19 em Valença; Secretaria de Saúde do município nega ter agido incorretamente

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  • Wendel de Novais

Publicado em 10 de julho de 2020 às 19:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal e Divulgação

Mais uma família vive o risco de estar contaminada depois da morte de um ente querido. Dessa vez, é a família de Valdomiro José de Almeida, 80 anos, morto pelo novo coronavírus no último sábado (4), que se preocupa com essa possibilidade após não receber orientações necessárias para o velório do idoso, que aconteceu com o caixão aberto. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) acionou a Secretaria de Saúde de Valença e está investigando o caso. 

Quem denunciou o suposto descaso da secretaria foi Larissa Almeida, 26, sobrinha da vítima, que afirma que não houve orientação da Secretaria de Saúde de Valença ou do Hospital Dr. Heitor Guedes de Melo, gerido pela Santa Casa de Misericórdia, onde Valdomiro estava internado até sua morte.

"Ninguém nos informou da necessidade do protocolo. Nem o hospital, nem a Prefeitura. Não nos informaram do resultado do exame que saiu quando ainda estávamos no hospital, na noite de sábado (4). Eu só descobri que ele foi diagnosticado após o velório, quando fui checar o boletim epidemiológico da cidade", contou. Valdomiro José de Almeida, 80 anos, morreu de covid-19 (Foto: Acervo pessoal) Secretária de Saúde de Valença, Margarete Carvalho afirmou que o órgão agiu corretamente e disse não ter recebido nada relacionado à ação do MP-BA. “O município procedeu da maneira correta no caso e, até o momento, não recebemos nada relacionado ao Ministério Público”, clarificou a titular da pasta. 

O MP-BA, por meio de sua assessoria, no entanto, confirmou a existência da ação e declarou que a Secretaria tem dez dias para responder os questionamentos enviados. “As promotoras de Justiça Cláudia Didier e Andréa Ariadna oficiaram ontem, dia 9, a Secretaria de Saúde do Município de Valença. No ofício, elas questionaram se o corpo foi liberado com pendência de exames e, em caso positivo, por que a família não foi informada sobre a suspeita e os cuidados para o manejo do corpo, o que é exigido por diretrizes do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde”, informou.  

Margarete também encaminhou uma nota oficial da Prefeitura de Valença que afirma que a Santa Casa foi informada do resultado positivo do teste e que o hospital deveria ter feito o alerta. “Tanto os familiares do idoso, os prepostos da funerária que realizaram os serviços preparatórios para o sepultamento e os coveiros foram informados pela Santa Casa que não se tratava de morte por Covid-19”, afirma a Prefeitura, através de nota. 

O infectologista e diretor médico do hospital, Ricardo Fonseca, rebateu as acusações e afirmou que o hospital não recebeu a informação do teste positivo a tempo de informar a família. “Na mesma noite da morte, o resultado do teste chegou. Porém, o hospital não foi informado oficialmente deste resultado em tempo hábil para que o médico colocasse, na declaração de óbito, o diagnóstico” explicou o diretor, que ainda disse que a responsabilidade de informar o resultado do teste para a família e funerária é da vigilância epidemiológica, órgão da secretaria.

Proprietário da Pax Regional, funerária responsável pelo velório e sepultamento de Valdomiro, Marcos Lasetá confirmou que não houve nenhuma recomendação da secretaria ou da Santa Casa para o velório. “Há um procedimento para os corpos de vítimas fatais do coronavírus que evita uma possível contaminação no processo de despedida. Mas, este não foi realizado porque não recebemos nenhuma indicação para isso”, explicou. Marcos ainda afirmou que o funcionário presente no velório estava usando equipamentos de proteção individual, além de não ter feito contato direto com o corpo e que estaria protegido da contaminação.

Medo de contaminação  Diferente do funcionário da funerária, Valdelicia Andrade Silva, 62, esposa de Valdomiro, teve contato direto com ele quando o acompanhava no hospital, com liberação da equipe médica do local. “Logo quando deu entrada, eu não pude ficar. Mas depois, na quinta-feira (2), a minha presença foi liberada pelo hospital porque o exame deu falta ar e pneumonia. Depois disso, fiquei com ele até o momento da morte. Eu abraçei e peguei na mão dele durante o tempo que estava lá”, contou.

Ricardo afirma que a liberação da presença da esposa ocorreu após uma tomografia torácica que não identificou sinais do vírus. "Passamos a utilizar a tomografía de tórax para definir quais pacientes ficam isolados e quais são direcionados para a enfermaria clínica, por se tratar de um exame de alta sensibilidade para o coronavírus. Mas, quero salientar que orientamos a acompanhante a usar máscara”, explicou. 

Agora, Valdelicia vive aflita com a possibilidade de ter sido infectada enquanto estava em contato com o marido. “Por enquanto, ainda não senti nada graças a Deus. Mas tô muito preocupada achando que posso ter sido contaminada porque eu fiquei lá com ele”, revelou Valdelicia, que faz parte do grupo de risco. 

Larissa, que denunciou a secretaria por e-mail para o MP, também diz ter medo de estar com o vírus e acabar infectando sua mãe, que é hipertensa. “O medo é imenso. Eu tomo todos os cuidados possíveis para não colocar ela em perigo, e saber que posso ter sido infectada me deixa aflita”, afirmou a jornalista de 26 anos.

Monitoramento da família Ainda segundo Larissa, sua situação só começou a ser monitorada após ela ir pessoalmente até a Secretaria e questionar a falta de aviso e cuidado do órgão com os presentes. “Só nos deram atenção quando eu fui lá cobrar. Há três dias, uma enfermeira vem acompanhar o meu caso”, salientou. Além de Larissa e Valdelicia, o filho de Valdelicia, uma tia de Larissa e um pastor tiveram contato com o corpo.

Aítala de Sena, diretora de vigilância e saúde, confirmou que o monitoramento estava sendo feito apenas no domicílio em que Valdomiro morava, onde reside a esposa dele. Mas, afirmou que já passaram a acompanhar as cinco pessoas que tiveram contato com o corpo. “Não estávamos monitorando todos por não saber do contato deles com o falecido. Após a informação de Larissa, passamos a acompanhar todos que estavam presentes”. A diretora afirmou que ainda não fizeram testes em nenhum deles, mas que Larissa e sua mãe, que apresentaram sintomas, farão o procedimento o quanto antes.

Coronavírus em Valença Segundo o último boletim epidemiológico, publicado nesta quinta-feira (9), Valença já soma 815 casos confirmados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Destes, 438 ainda estão ativos. O número de óbitos por conta do vírus chegou a 27 na cidade.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro e da subeditora Clarissa Pacheco