‘Não sou santo’, diz Vik Muniz

Prestigiado internacionalmente, artista estreia duas exposições em Salvador

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  • Laura Fernades

Publicado em 3 de julho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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O que parece uma fotografia não é, e o que lembra um objeto não passa de um registro fotográfico. Observar as obras do artista plástico, fotógrafo e pintor paulista Vik Muniz, 57 anos, pode até dar um nó na cabeça, mas a experiência é, na verdade, um convite criativo para refletir sobre realidade e representação. “Só pessoalmente para entender”, provoca o artista de prestígio internacional que, pela primeira vez, estreia duas exposições individuais e gratuitas em Salvador.

No Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), a partir de sexta-feira (5), ele apresenta Imaginária, exposição com temática sagrada que já passou pelo Japão, também está em cartaz na França e seguirá para Lisboa e Roma. Na Paulo Darzé Galeria, por outro lado, ele apresenta a mostra Handmade, a partir desta quinta (4), focada na arte abstrata. Paulista que mora entre Nova Iorque e Rio de Janeiro, Vik também está em processo de criação de uma obra sobre a Árvore da Vida que será entregue ao Papa Francisco em mãos, em outubro.

Conhecido por usar materiais inusitados em suas obras, como lixo, açúcar e chocolate, o artista teve seu trabalho registrado no filme Lixo Extraordinário (Waste Land), indicado ao Oscar de melhor documentário em 2010 e gravado no Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, um dos maiores aterros sanitários do mundo. Em Salvador, Vik apresenta trabalhos inéditos e releituras de obras antigas que dessa vez transitam por técnicas como colagem, fotografia e pintura. Imaginária está em cartaz no MAM de 5 de julho a 31 de agosto (Foto: Divulgação) Santo? “Todas as obras têm, por natureza, questionar a ideia de reprodução”, explica Vik. De um lado, o que está em cartaz na Paulo Darzé são “objetos fotográficos” feitos em três camadas, com fotos sobrepostas, o que cria diferentes dimensões e até buracos na imagem. “São várias camadas fotográficas e físicas. Você tem uma certa dificuldade de identificá-las”, avisa Vik, sobre os trabalhos que têm, em sua maioria, 2 metros de comprimento.

Do outro lado, as obras reunidas no MAM são “fotografias objetos”, já que podem ser definidas como “mosaicos de imagens que fazem outras imagens”. O resultado final é uma foto cheia de pequenos detalhes que são revelados cada vez que a pessoa se aproxima. “Uma foto de colagens e outra colagem de fotos”, brinca o artista.

Com imagens de santos como Guadalupe, Santo Antônio e Santa Rita, Imaginária surgiu do interesse pessoal de Vik, que vem de família religiosa. “Minha avó sempre me contava histórias e isso me fascinava quando era pequeno. Sou extremamente interessado em religião”, conta. Porém, o artista avisa com bom humor: “Embora tenha feito um monte de santo, não sou santo”.

Independente da religião, Vik acredita que Imaginária se comunica com todo mundo, “do dono do museu, às pessoas da limpeza”. “É aí que lembro dos meus pais de novo. Pra mim, é muito legal”, conta o artista que vem de família humilde, sendo o pai garçom e a mãe telefonista. Por transitar desde cedo pelo universo glamouroso da arte, Vik confessa que sempre ficou incomodado com a realidade social do Brasil. “Tinha uma discrepância grande e eu não sabia muito bem como lidar com esses dois mundos sociais”, lembra. Handmade está em cartaz na Paulo Darzé Galeria de 4 de julho a 10 de agosto (Foto: Divulgação) Axé Até que uma visita a Salvador, há cerca de 20 anos, mudou sua vida. De passagem por conta de uma exposição coletiva com artistas do mundo todo, Vik foi convidado pelo Projeto Axé para fazer um trabalho com crianças de rua. As três semanas acabaram virando quatro meses e, a partir de então, começou a trabalhar com outros projetos sociais no Brasil. “Era um canal para me reconectar com a cultura”, explica.

 “Claro que não sou uma pessoa altruísta, sou hedonista. Mas de repente você descobre um prazer desconhecido: ajudar o outro”, pondera. “Salvador é muito importante pra mim, porque eu quase não vinha mais pra o Brasil. Redescobri o país através de Salvador. Reestabeleci uma relação com minha cultura e hoje consigo viver de forma plena”, agradece Vik, que comprou uma casa no Santo Antônio Além do Carmo, no ano passado, e terá a capital como destino frequente.

Até agosto, as duas exposições seguem na cidade para quem quiser conhecer um pouco do trabalho e das provocações de Vik, que defende que “nunca houve tanta necessidade de as pessoas fazerem um exercício em relação à realidade, como há hoje em dia”. “O artista tem um papel muito grande nisso”, pondera. “Para que serve o conhecimento, a educação, a cultura? Para que a pessoa possa sobreviver no ambiente em que vive. No momento em que ela perde isso, aquilo passa a agir contra. E é o que está acontecendo no mundo inteiro. Na polarização, no radicalismo”, provoca.

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 Vik Muniz em dose dupla

Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) O quê: Exposição Imaginária Visitação: Abre sexta. De terça a sábado, 13h às 18h. Até 31/8. Endereço  Av. Contorno, s/n, Solar do Unhão Entrada gratuita

Paulo Darzé Galeria O quê: Exposição Handmade Visitação: Abre amanhã. De segunda a sexta, das 9h às 19h, e aos sábados, das 9h às 13h. Endereço  Rua Chrysippo de Aguiar, 8, Corredor da Vitória. Até 10/8. Entrada gratuita