'Não tenho medo do desafio', diz Lourival Trindade, novo presidente do TJ-BA

Cerimônia de posse reuniu 500 pessoas; desembargador planeja nomear 50 juízes até junho

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  • Fernanda Santana

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./ CORREIO

Às 11h07 dessa segunda-feira (3), o desembargador Lourival Trindade assinou o livro de posse e se tornou, oficialmente, presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O magistrado presidirá a Casa de 2020 a 2022 e tem como principais metas aliviar a 1ª instância da justiça baiana – ou seja, o primeiro órgão procurado para resolução de uma questão jurídica – e recuperar a imagem do judiciário. Até junho, o presidente disse que serão nomeados 50 juízes.

Hoje, na Bahia, a estimativa do TJ-BA é que haja um déficit de 149 juízes. O problema está concentrado, principalmente, nas comarcas do interior. “Quanto mais a cidadania cresce, mais as portas da justiça terão de ser abertas, para os direitos serem exercidos com transparência e celeridade”, respondeu ao CORREIO, depois de empossado. O concurso público realizado em março do ano passado está suspenso desde maio do mesmo ano, depois que um candidato alegou erros na correção da prova.

O novo presidente do TJ foi empossado junto com o vice-presidente, Carlos Roberto Santos Araújo, o 2º vice-presidente, Augusto de Lima Bispo – até então o presidente em exercício da Casa -, o corregedor de Justiça, José Alfredo Cerqueira da Silva, e o corregedor de Comarcas do interior, Osvaldo de Almeida Bonfim. Eles sentaram um do lado do outro, na rotunda do Salão Nobre do Fórum Ruy Barbosa, onde a cerimônia aconteceu.

Lourival Trindade foi chamado à mesa de honra do tribunal por Augusto de Lima Bispo às 11h. O desembargador estava interinamente na presidência desde novembro do ano passado, quando o então presidente, Gesivaldo Britto, foi afastado por suspeita de participar de um esquema de venda de sentenças, investigado pela Operação Faroeste, da Polícia Federal. 

Durante seu discurso, no entanto, Augusto de Lima citou Gesivaldo e elencou ações e mudanças no tribunal, como um corte de 20% nos gastos com combustível, proposta pelo próprio Augusto, no dia 16 de dezembro do ano passado.

“Gostaria de destacar outra série de realizações e todas as medidas de cunho administrativo, sobretudo aquelas desenvolvidas por Gesivaldo Brito, por uma questão de lealdade e também de justiça”, falou ao público, ainda sentado na cadeira da presidência. O desembargador fez questão de citar o magistrado afastado porque “não se pode escurecer o que foi feito. Ele trabalhou muito”.

Dificuldades O pronunciamento de Augusto durou cerca de 50 minutos. Lourival acompanhava atentamente. Na mesa de honra, autoridades como o governador Rui Costa, o prefeito de Salvador, ACM Neto, e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto acompanhavam as burocracias e as prestações de contas. Só depois Lourival foi convidado a integrar a mesa e substituir a cadeira principal. O desembargador Lourival Trindade (Foto: Betto Jr./ CORREIO) Lourival Trindade começou o discurso dizendo que aquele seria um pronunciamento longo, mas que ficaria registrado nos autos da história. Durante 50 minutos, parafraseou de poetas como Pablo Neruda e Fernando Pessoa a escritores como José Saramago, músicos como Caetano Veloso e juristas como Ruy Barbosa. Também rejeitou a heroicização de juristas.“Não me sinto envaidecido. No exercício do cargo, sei das dificuldades que me aguardam, mas não temo o desafio. Citando o poeta Fernando Pessoa: não tenho medo do desafio, aprendi a desafiá-lo”, disse, no início do pronunciamento.A Operação Faroeste não foi citada diretamente. Mas o discurso foi predominantemente pautado pelo tema da corrupção. Nas palavras de Lourival, a corrupção “refinou-se, aperfeiçoou-se”. “É preciso estarmos atentos e fortes no combate à corrupção, que representa, enfim, a insensibilidade moral. É preciso encararmos de frente a corrupção”, falou ao público. Em alguns momentos foi aplaudido, como quando afirmou que o “o judiciário vai dar certo, porque queremos que ele dê certo”.

As três primeiras fileiras à esquerda do salão, no quarto andar do fórum, estavam ocupadas por familiares de Lourival. A esposa Elizabete Trindade, casada com ele há 45 anos, os três filhos e os dois netos do casal (conheça mais sobre o perfil do desembargador ao lado).

Outros dez familiares do presidente do TJ-BA vieram da sua terra natal, Érico Cardoso, cidade ao sul da Chapada Diamantina, para acompanhar a posse do parente, que ingressou no TJ-BA em 2008. A filha Monalisa e a neta, Anastácia, passaram toda a sessão – aproximadamente duas horas – de mãos dadas.

Eleição “A vitória foi da justiça. O problema é muito sério, mas acredito que ele é a pessoa certa. Sempre enfrentou essa luta”, disse, à reportagem, a farmacêutica bioquímica aposentada sobre o momento que o marido assume.

A escolha do presidente foi decidida no dia 4 de dezembro. Lourival Trindade recebeu 28 votos, e a segunda colocada, Cynthia Maria Pina Resende, 27.

Um dia antes da votação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia vetado a candidatura dos desembargadores afastados José Olegário Monção Caldas e Maria da Graça Osório Leal, então favoritos. Os desembargadores afastados não podem ter contato com nenhum representante da Casa.

Os únicos que não acompanharam a posse por motivos pessoais foram os desembargadores Rosita Falcão de Almeida Maia, Cícero Landim e João Bosco de Oliveira Seixas. O desembargador Mario Alberto Simões Hirs saiu no início da sessão devido a outros compromissos.

O ex-ministro Ayres Britto, presente à cerimônia, disse ao CORREIO, na saída do salão, que Lourival havia feito um discurso histórico.

“Minha expectativa é de renovação. Um momento de ânimo para todos nós que queremos um Brasil renovado, nas pegadas da própria Constituição”, afirmou o ex-ministro.

Autoridades se dizem otimistas com a gestão

O ritual começou às 9h. Primeiro, o desembargador Augusto de Lima revistou as tropas do desfile militar, em frente ao Fórum, e voltou às escadas, onde recebeu Lourival Trindade, que havia chegado ali pouco depois das 8h. Era necessário esperar todas as autoridades chegarem para iniciar a cerimônia. Os curiosos acompanharam nos arredores do Fórum. O novo presidente se valeu de um lenço branco para aplacar o calor de 29ºC.

Quando o prefeito ACM Neto e o governador Rui Costa chegaram, por volta das 9h30, todos seguiram para o salão nobre do Fórum.“Conheço bastante a trajetória do presidente e tenho certeza que, com sua biografia, será possível não só trazer a pacificação, mas mostrar que o poder do judiciário baiano é muito maior que problemas que um ou outro desembargador possa passar. A imagem da justiça não pode ficar comprometida”, disse o prefeito.Pelo menos 500 pessoas acompanharam, sentadas e em pé, a troca de cadeiras, segundo estimativa da assessoria do órgão. A cerimônia também foi um ponto de encontro entre os principais nomes do judiciário baiano e da administração pública.

Estavam presentes, por exemplo, Bruno Reis, vice-prefeito de Salvador; Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública do estado; Nestor Duarte, secretário de Administração Penitenciária; o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Jatahy Júnior; e Ediene Lousado, chefe do Ministério Público (MP-BA).

“Fico com otimismo e a esperança de um desejo de justiça. Comentava, na mesa, que a história da humanidade é a busca por justiça”, falou o governador.

Um dos diálogos que devem ser travados entre o petista e o TJ-BA deve ser o orçamento necessário para empossar, por exemplo, todos os juízes necessários para amenizar a crise na 1ª instância. No ano passado, Rui Costa precisou voltar atrás e suplementar o orçamento do TJ-BA com R$ 144,7 milhões.

Nos últimos 10 minutos do seu pronunciamento, Lourival Trindade pediu, novamente, desculpas pela demora do discurso e disse que, a partir daquele dia, começaria “uma viagem de esperança para nosso judiciário”. “Façamos uma viagem de alma, não de ego”, complementou Lourival.