'Não vou me humilhar para ficar, vou embora', diz Escudero

Em entrevista exclusiva, argentino dá detalhes da negociação com o Vitória

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  • Vitor Villar

Publicado em 4 de abril de 2019 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Maurícia da Matta / EC Vitória

Depois de quase 40 dias treinando na Toca do Leão, Damián Escudero retorna a Buenos Aires nesta quinta-feira (4). Não para buscar a família e voltar a Salvador para defender o Vitória, como alguns rubro-negros queriam.

Após desgastantes dias para todos os envolvidos, Vitória e Escudero não chegaram a um acordo. Na última terça-feira (3), as partes anunciaram nas redes sociais o fracasso da negociação, com direito a troca de acusações.

Nesta entrevista exclusiva ao CORREIO, Escudero detalhou o dia a dia da negociação e explicou os motivos pelos quais, na sua ótica, não acertou o seu retorno ao clube do qual é ídolo.

O argentino diz que houve amadorismo de ambas as partes: do Vitória e do empresário baiano Rafael Carvalho, que ficou responsável por conduzir a negociação em Salvador, em nome do meia e do seu agente oficial, José Galante.

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Como você está se sentindo? Frustrado ou irritado?

Muito triste porque tinha a expectativa de voltar a jogar no Vitória, de ajudar a tirar o clube da situação em que está, mas infelizmente não deu certo.

O que aconteceu de errado na negociação?

Acabei me desgastando muito, porque foi conduzida de maneira amadora. Tive que fazer coisas que nunca fiz em negociações anteriores. A última foi hoje (quarta-feira, 3). Estava no hotel e Rafael (Carvalho) me ligou dizendo que estava tudo certo, de acordo com o que eu tinha combinado com o presidente (Ricardo David). Era só chegar no Barradão e assinar. Eu havia conversado com o presidente na terça-feira (2), saí do Barradão às 22h30. Quando cheguei lá e olhei o contrato não era o que Rafael tinha me passado. Rafael saiu da sala e eu disse ao presidente que não era o que tínhamos combinado. E o presidente falou que era o que tinha combinado com Rafael. Então foi por isso o desgaste, parecia que era eu que tinha que negociar, mas essa não é a minha área, eu deveria só chegar lá e assinar.

Houve muitas tentativas de acordo? Alguma vez chegou perto?

No futebol ou você aceita uma condição ou não aceita. Não tem ‘vamos tentar’. Cheguei ontem (terça) para o presidente e perguntei: ‘dá para fazer essa condição’? Isso foi 13h. Isso porque, pela primeira proposta (segunda, 1º, à noite), eu teria que tirar dinheiro do meu bolso para jogar. Ele falou ‘pode ficar tranquilo que vou correr atrás e a gente vai assinar depois do treino’. Eu fui, treinei, e quando voltei não tinha mudado nada. Saí tarde do Barradão sem resolver. Quando foi hoje (quarta), a mesma coisa. Falei para Rafael: ‘quando eu vou na sala do presidente é para assinar, e não para negociar’. Como disse, foi muito amadorismo. Esse não é o primeiro contrato que Rafael e o presidente fazem. Mas não era uma negociação fácil, pela relação que tenho com o clube. Foi desrespeitoso para mim.

Por que a negociação demorou os 30 dias para começar?

Passei 30 dias treinando. Quando acabou, o presidente me pediu mais dez dias. Tranquilo. Quando acabaram os dez dias já tinha tudo: relatório médico, aval do treinador, tudo resolvido. Aí ele disse que precisava de um coletivo para me avaliar, que foi o de segunda (1º). Eu disse que não via motivo, porque não deveria ser isso que decidiria minha contratação. Além disso, todas essas conversas sobre o contrato me desgastaram com o presidente. Tanto que hoje foi bem rápido. Cheguei lá perguntei a ele ‘é para assinar?’. ‘É’. ‘É que o que a gente conversou?’. ‘Não’. ‘Então boa tarde’ e fui embora. Não aguentava mais a negociação. O presidente me ligou de novo de tarde mas não teve jeito, falei ‘vamos deixar por aqui’ e acabou.

Está claro que você acha que houve incompetência do intermediário Rafael Carvalho, o que teria feito você negociar diretamente com o presidente. Por que a negociação não foi conduzida por José Galante, que é o seu empresário oficial?

Porque o presidente deu a preferência aos caras que me procuraram primeiro para me trazer para cá. Desde o ano passado que o Rafael me procurou para que eu voltasse ao Vitória. Eles tinham uma ponte com o presidente. No ano passado não aconteceu de eu voltar. Dessa vez o Galante falou ‘vai lá, tenta com eles’ de novo.

O Vitória diz ter cumprido a proposta que havia sido combinada com os intermediários na sua chegada ao clube, há 30 dias.

Não é verdade. Pelo menos para mim, não foi passado nada. Quando eu vim pra cá, Galante me passou um valor para ficar na minha cabeça. Não teve proposta, nada conversado. Só fiquei sabendo do valor do contrato na segunda-feira à noite, depois do coletivo. O valor que Galante havia falado era o dobro do que me ofereceram. Mas era algo para eu ter na cabeça só, se fechasse por algo a menos tanto faz, eu queria mesmo era jogar. Na primeira proposta fiquei um pouco magoado, mas pensei ‘vou ficar, vou ficar’. Só que depois do desgaste não deu mais.

Volta arrependido de ter aceito a condição de treinar por 30 dias e depois não dar em nada?

O que eu queria mais era ajudar o Vitória, tirar o clube dessa situação ruim. Não vim aqui para ganhar dinheiro. Até porque no Vitória, do jeito que o clube está em dificuldades, não é aqui que vou ganhar dinheiro, né? Eu queria mesmo era jogar, ajudar o clube. Mas desse jeito aí que fui tratado? Me humilhar dessa maneira? Não, vou embora.

O Vitória vai passar por eleições em abril e a chegada de um novo presidente. Aceitaria negociar de novo com o clube?

Claro, lógico. Mas a negociação vai ter que ser diferente. Não em relação ao dinheiro, ao valor do contrato, mas na forma da negociação. Eu prefiro que o presidente fale com meu empresário e ele me ligue dizendo ‘Escudero, tem esse dinheiro aqui do Vitória, com contrato até o final do ano. Vai ou não vai?’. Pronto. Quero algo fechado, não esse negócio de chegar aqui, treinar 30 dias e só depois negociar. Fica nesse vai e vem, negocia, não negocia. Daí a torcida começa a xingar ao presidente e a mim.

Muitos torcedores têm te chamado de mercenário nas redes sociais. Como tem encarado?

Eu na verdade não vejo muito, mas minha esposa e minha família sim. Eles ficam muito sentidos. Na verdade eu sei quem eu sou e como estou. Se eu não tiver condições de jogar e ajudar vou dizer ao presidente. Não vou roubar ninguém, muito menos o Vitória. Não dá, tenho carinho muito grande pelo clube.

É verdade que você chegou com uma lesão crônica nas costas?

Eu tinha sim um desconforto nas costas, cheguei aqui já com isso. Mas os médicos do Vitória já sabiam de tudo. Desde o primeiro dia no clube os doutores me trataram e começou a melhorar logo. Em uma semana já estava na academia treinando e comecei a evoluir. Daí fui para o campo. Alguns caras falaram que era hérnia de disco, mas não é nada disso. Se fosse não teria nem como treinar, seria caso de cirurgia. Imagine treinar e jogar coletivo.

Agora que não deu certo com o Vitória, você tem outras propostas?

No momento não sei de nada. Desde que cheguei ao Vitória falei ‘Galante, não quero ouvir nada, quero ficar aqui focado para voltar a jogar no Vitória’. Então se tem alguma coisa não sei, para mim não chegou nada.

Por que você ficou 2018 inteiro parado? Não apareceram propostas?

Quando saí do Vasco (final de 2017) recebi muitas propostas, mas nenhuma do meu agrado. Depois fiquei meio arrependido. Passou um tempo e meu filho nasceu lá na Argentina, não quis sair do país para jogar. Mas fiquei treinando.

Depois de rejeitar tantas propostas, por que você aceitou a do Vitória, sabendo que estava em meio a uma crise e que teria essa situação de treinar por 30 dias sem contrato?

Quando eu recebi o convite do Vitória eu nem pensei duas vezes, falei para minha esposa ‘vou fazer esse sacrifício, ficar um tempo lá, sozinho, mas vai valer a pena’. Essa situação do clube não estar bem é muito por conta disso, do amadorismo. Nada acontece à toa. Eu nunca vivi uma situação como essa nos outros clubes. Lógico que o presidente de agora recebeu o clube mal e tentou arrumar, mas ainda tem muita coisa errada.

Você volta para a Argentina magoado com o Vitória?

Com o Vitória não tem como. Foi algo mal conduzido pelos envolvidos. Não é por serem más pessoas, foi por falta de experiência e não saberem negociar. Não saber chegar no atleta e dizer ‘só tem isso aí, aceita ou não aceita’. Fiquei 40 dias sem saber como seria o contrato, só adiando a conversa. Parecia até que estavam fugindo. Não fiquei magoado por ter mais ou menos dinheiro no contrato, fiquei por ter sido mal conduzido. Não era para ser assim, era para o presidente me apresentar uma proposta e eu aceitar ou não. Não é para eu perguntar para o presidente a toda hora ‘consegue mais?’ e ele dizer ‘vou buscar, vou buscar’. Ele nunca chegou para mim para dizer ‘não consigo’. Pra mim tinha que ser assim.