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Nelson Cadena
Publicado em 21 de setembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Eu nasci na Bahia. Na Primavera antecipada de um 7 de Setembro de Independência, já faz 45 anos dessa regalia. Primavera dos oitizeiros da Piedade que já floriam; das amendoeiras da Lagoa do Abaeté estreando as folhas de cor de cobre, quase marrom de argila; dos flamboyants de vermelho flamejante do Dique espelhando a sua sombra na água; Primavera das árvores de barriga, os baobás de tronco inchado, também do Dique, que na sua viagem pelo Brasil Von Martius (1821) um dia descreveu o “aspecto inusual de um barril”.
Nasci na Bahia na minha terceira reencarnação de consciência e não foi por acaso, nascer na Bahia é merecimento; tarde, mas nem tanto, descobri essa realidade. Nunca imaginei o mérito, recompensa talvez do livre arbítrio que me fez caminhante sem rumo. Jamais poderia imaginar esse privilégio, nem mesmo nos delírios das noites fulgurantes de estrelas cadentes e dos relâmpagos que tornavam a noite dia, em frações de segundos, na idílica Amazônia onde reencarnei pela segunda vez, também já faz 45 anos. E nem me seria possível presumir essa dadiva de renascer na terra de Todos os Santos, quando menino - na minha Bogotá da Colômbia onde reencarnei pela primeira vez - enxergava o mundo através de um imaginário calidoscópio com seus mil reflexos de luz.
Nasci na Bahia e na Bahia aprendi a engatinhar e cedo andei, passo a passo fui me equilibrando até caminhar, certo de continuar avante. Plantei esperanças nas sofridas jornadas de fome e habituais pernoites na rua, entre os bancos da Praça da Piedade e o adro da Igreja dos Aflitos e de outros templos, no meu aprendizado como hippie; plantei expectativas no desvario de meus escritos que retratavam as minhas angústias e cogitavam um mundo sem cordão umbilical como se o passado fosse um detalhe; plantei e distribuí afetos e colhi cinco filhos e cinco netos e, para não desmerecer o provérbio de que “todo homem deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho”, plantei mudas que não vi crescer e por esse pecado ainda espero a redenção.
Nascer na Bahia é merecimento, um estado de espírito com sabor de mundo. A Bahia é mundana com seu cheiro de acarajé e todos os cheiros que nos tornam fidedignos: o das algas no mar de vazante; o de alfazema no Carnaval e nas festas populares; o do mangue das ilhas e do subúrbio; o dos carurus setembrinos; o das feijoadas de fim de semana; o do caranguejo, da lambreta e das moquecas carregadas no dendê; o do incenso no culto dominical das igrejas; o das folhas nos mercados das Sete Portas e de Água de Meninos ; o do suor de gente nas tardes ensolaradas e nos shows e festas de Verão; o cheiro de tudo na caminhada do Bonfim e no presente a Iemanjá. A Bahia de todos os cheiros é a minha Bahia que um dia me acolheu, a Bahia que foi meu berço, aqui renasci pela terceira vez e aqui pretendo ficar, sete palmos abaixo da terra, para cumprir o meu desiderato, espero que numa Primavera distante, se tiver esse privilégio. Então, estarei pronto para reencarnar em outro plano de consciência, que importa isso desde que o éter tenha a mesma fragrância do cheiro do dendê. E então realimentar a certeza de que, de fato, mereci andar por esta vereda. E, se não mereci, volto, uma e outra vez. Até merecer.