Nova editora, Bissau Livros foi fundada por baiano

O jornalista Saymon Nascimento, de 34 anos, mora no continente africano há dez anos

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  • Kátia Borges

Publicado em 12 de outubro de 2019 às 05:59

- Atualizado há um ano

Saymon Nascimento, 34, passou por algumas das principais redações baianas, antes de embarcar para uma experiência profissional, em 2008, em Angola. Não voltou mais ao Brasil. Há mais de dez anos em África, sempre transitando entre o jornalismo, a publicidade e a comunicação corporativa, foi responsável pela implantação do projeto de webjornalismo da Rede Angola, que ajudou a fundar, atuando ainda na Maianga Produções, em Cabo Verde, onde hoje mora e trabalha. Em paralelo, produz crítica de cinema para várias publicações independentes e para a Rede Angola. Nessa entrevista, Saymon fala sobre a criação da Bissau Livros, um projeto corajoso e que vai na contramão da crise que atinge o setor livreiro, e sobre a expectativa que cerca o romance 2+1, escrito por Rogério Menezes, que marca a estreia da editora no mercado literário.

Podemos considerar a Bissau como uma editora baiana em África? Hoje a Bissau sou eu, então ela é sim uma editora baiana na África, mas na verdade gosto de pensar também no sentido inverso. É uma editora do mundo na Bahia. Quero levar coisas do mundo para a Bahia, sem o filtro de outros centros literários do país. A Bahia é um centro cultural sem par, então a Bahia merece ter suas próprias editoras, e não apenas para publicar baianos. Eu começo assim, publicando baianos, mas a ideia é ser uma editora com catálogo internacional. 

O que o levou a criar uma editora em um momento especialmente difícil para o mercado literário e livreiro? Pode parecer até ser algo irresponsável, mas acredito que justamente num momento difícil não adianta muito entrar num movimento em bloco de retração. Óbvio que posso me dar muito mal, mas acho que mesmo em situações adversas o interesse pela literatura permanece. É um risco, claro. 

Qual a razão da escolha deste nome? Vivo há mais de dez anos fora do Brasil, na África –  primeiro em Angola, agora em Cabo Verde. A Guiné-Bissau não deixa de ser um centro geográfico desse mundo que fala português, entre Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, e Cabo Verde, e no entanto é o país mais ignorado de todos, inclusive por mim, que nunca fui lá apesar de viver a uma hora de voo. Bissau, o nome da capital da Guiné-Bissau, é um símbolo das minhas ambições como editor: dar visibilidade a escritores desses países que frequentemente são ignorados no Brasil. 

A Bissau começa suas atividades editando dois autores baianos, qual a razão da escolha desses nomes? Quando se começa um projeto como esse, a gente conta com o apoio dos amigos, e tanto Rogério Menezes quanto Flávio VM Costa (autor de Você Morre Quando Esquecem Seu Nome, volume de contos  a sair no início de 2020) manifestaram confiança no meu projeto e resolveram correr esse risco comigo. De qualquer jeito, acho importante começar esse projeto bem ancorado na Bahia, justamente por estar longe há tanto tempo. 

Essa escolha define uma linha editorial? Define apenas no sentido de que o foco principal da editora será literatura. São livros bem diversos entre si, um passado em lugares sem nome, como o de Rogério, e outro com os pés bem firmes em Salvador, como o de Flávio.

Nesse momento, a editora está aberta a originais. Essa abertura contempla todos os gêneros e autores brasileiros e de outros países? Apesar das ideias que tenho para a editora, se me cair na mão um original que não se enquadre nos meus planos mas que seja muito bom, o critério da qualidade sempre será o mais forte. Não tenho qualquer problema em fazer desvios de rota. 

Em relação à distribuição, como a editora pretende vencer as barreiras que impedem as pequenas empresas de colocarem seus livros em grandes livrarias e magazines? Estou trabalhando com tiragens baixas, e investindo em lançamentos de tiro curto e na internet. É uma maneira de tentar um contato mais direto. Claro que quero vender em livrarias, mas me interessam as redes locais mais que as magazines, mais a LDM do que a Saraiva. Como leitor, sempre tento comprar no site da editora ou em livrarias locais. Acredito nesses pequenos atos de preservação do ecossistema literário, e sei que não estou sozinho. 

Haverá distribuição dos livros em países lusófonos? Essa é uma ambição da Bissau? Por enquanto é uma ambição, mas numa fase bem posterior. Preciso tentar consolidar a Bissau no Brasil. Angola tem 25 milhões de habitantes mas o mercado é minúsculo. Aqui em todas as nove ilhas habitadas de Cabo Verde há menos gente que em Feira de Santana. 

Que público-alvo foi pensado como prioritário, na formatação do projeto editorial? Tenho pensado sobretudo em atingir jovens e adultos que tenham desenvolvido um interesse por pontos de vista alternativos ao do centro do mercado. Há uma clara demanda por literatura africana, por exemplo, como atesta o sucesso recente de Kalaf Epalanga. O número de escritores que chega ao Brasil ainda é muito pouco. Esse público ainda não está satisfeito. 

O livro de Rogério toca em um tema particularmente espinhoso, especialmente no Brasil atual, a pedofilia. Qual a expectativa de recepção deste trabalho? Como editor, o que me fez publicar esse livro foi sobretudo seu virtuosismo formal, seu domínio narrativo, sobretudo na forma de lidar com o tempo, saltando o tempo todo, contando histórias em alta velocidade sem perder o fôlego, violentamente. Isso, para mim, é maior que o tema. Rogério trata dele com a seriedade devida, sem passar a mão na cabeça dos personagens, nem do leitor. Não tenho expectativa de qualquer polêmica, até porque é um assunto bem explorado na história da literatura.