Novo axé? Abertura do Carnaval deixa claro o domínio da quebradeira

Léo Santana, Márcio Victor e foliões falam sobre letras e dança

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  • Vanessa Brunt

Publicado em 1 de março de 2019 às 05:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr/CORREIO

Dona Creuza Cardoso, de 65 anos, tinha o costume de curtir o sambinha das primeiras quintas de Carnaval no Campo Grande. Mas ela foi surpreendida quando percebeu que a história em 2019 mudou para outro ritmo. O comando da abertura da festança ficou por conta do pagodão, que foi animado por Léo Santana e Márcio Victor – atrações que inauguraram o primeiro dia oficial da folia neste ano.

Mas quem disse que Dona Creuza desistiu da folia? A animação só aumentou, afinal, ali estava acontecendo ‘a verdadeira quebradeira’, como ela mesma disse. Junto com a filha Elissandra Cardoso, 45, ela foi atrás da pipoca do Gigante e afirmou que o cansaço não para ninguém quando é o pagodão que está tocando. "O pagode raiz era um pouco mais calmo, mais parecido como meu sambinha, mas a gente gosta é assim. Léo tem letras enaltecendo a mulher e o pagode raiz enaltecia muito um povo que luta pelos seus direitos. Todos importam de suas maneiras e continuam fortes", completou a filha, Elissandra.Todas as idades Com foliões de todas as idades, famílias, amigos e até turmas que se conheceram em grupos de WhatsApp se reuniram para curtir os dois trios sem cordas que tocavam pagode. Esse foi o caso, por exemplo, das mães do grupo da escola baiana Girassol, que criaram até camisa pra festança. O foco delas? Curtir o pagodão de Léo Santana e, se possível, também do Psi, que vinha logo atrás.

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"Pagode baiano não tem fórmula pra dançar. É só colocar o gingado em prática, do jeito que der, e é o estilo de música que o povo menos liga pra isso de ‘como dançar’, é do seu jeito e pronto. É animação pura sem preconceitos e isso que é bom", afirmou Carla Leite, que veio acompanhada das amigas Luma Barreto, 23, e  Ilana Rodrigues, além de 'mais uma galera boa cheia de mães e pais', como afirmou. (Foto: Betto Jr/CORREIO) Ilustrando a mistura de faixas etárias, ao lado das mamães estava Luciaria Oliveira, 50, que trouxe a pequena Maria Alice, de 4 anos, e toda a família para ir atrás do trio do Psi. "Pagode é também coisa de família e acho a galera que segue o Psirico bem tranquila, aí trouxe pra ela já saber como é a melhor festa do mundo", acredita.

Neilton Vasconcelos, 40, também comprovou a mesclagem de fases ao levar o filho, Nedison Vasconcelos, 14, para "curtir os dois tipos de pagode", como classificou. "Carnaval é sempre dia de ‘pagodão’, que é ‘o novo pagode’ dessa galera mais nova. Meu filho me ensinou a curtir, apesar de achar algumas letras com duplos sentidos. Na minha época, era muito mais literal e sobre a força do povo baiano. Mas o Psirico faz bem essa mistura, então curtimos os dois", ponderou.

Mensagens do pagode baiano Diferente de Neilton, que enxerga diversas ambiguidades nas letras do pagodão, as irmãs gêmeas Thais e Thaine Nunes, 25, afirmam que pagode raiz é aquele que fala do empoderamento - elas citam como exemplo "Negro Lindo". Mas elas acreditam que isso não foi perdido no novo pagode. “As músicas de Léo, por exemplo, reforçam a força e liberdade feminina hoje em dia e podem ser consideradas como fortes mensagens empoderadas também", diz Thais.

E Léo Santana, mesmo sem ouvir o que as fãs tinham a dizer, reforçou em cheio o discurso das jovens. Para ele, o bom pagode baiano é aquele que se importa com as letras que possam ser ouvidas para todas as idades. O Gigante, que citou sua música "Crush Blogueirinha" como exemplo, considera que a sua principal responsabilidade é com as mulheres. "Elas estão livres para serem e fazerem o que quiserem. Elas são várias em uma e isso tem que ser respeitado. Minha música se preocupa com isso e pagode hoje é assim, tem que dar pra todo mundo curtir".

O artista falou sobre o quanto o pagode está sempre sendo inovado e ainda citou a diferença do pagode atual para o "raiz", afirmando que hoje 'o negócio é mais animadão, com mais tambor'. 

Jota Erre, 39, é guitarrista do Psirico há 7 anos e complementou a fala de Léo. Ele conta que uma das suas maiores diversões no Carnaval é observar as coreografias que a pipoca consegue fazer enquanto pula. "O pagode raiz era mais 'da quebradeira sambando'. Hoje em dia é uma mistureba, é pulo e coreografia, dança de vários jeitos, samba... e a galera que curte o Carnaval de Salvador consegue observar muito essa liberdade pra curtir o nosso som". Ele ainda conta que, curiosamente, a guitarra é tocada mais lentamente no pagodão atual. "É pra galera sentir mais o peso do som, que traz até influências do rock", explica. (Foto: Betto Jr/CORREIO) Sem preconceitos Márcio Victor, que começou a animar a galera ao som da nova música Rei Leão, destacou a sua alegria por ver o pagode reconhecido como um dos principais ritmos do Carnaval. "Fui um dos pioneiros em trazer o ritmo pro Carnaval e a minha gratidão é eterna. O Tchan e Harmonia fizeram isso de um jeito diferente, fortalecendo nosso pagode raiz. Mas esse pagodão de hoje, eu trouxe do gueto, da percussão e da batida de rua. É a raiz do povo", afirma o vocalista do Psi, comentando que hoje considera que o pagode é tão forte quanto o axé para as pipocas. 

Além da comemoração atual, o artista ainda adiantou uma novidade. "Logo depois do Carnaval, vou fazer um Festical de Pagode pra que bandas que estão chegando mostrem seu valor. Temos que acabar com qualquer preconceito sobre o nosso pagode baiano e precisamos agregar novos nomes", disse para o CORREIO, pedindo para o público ficar de olho quando a maior festa do ano acabar.

Enquanto Márcio falava lá de cima, era possível visualizar Euller Suzarte, 20, e Diego Alves, 21, lá da pipoca, aos pulos. Eles deixaram claro que quando toca o pagode do Psirico é quando eles menos observam brigas no Carnaval. "Tem muitas letras sobre respeito e isso que é massa. Isso veio do pagode raiz e hoje é repercutido na nova animação". Os amigos ainda complementaram: “Hoje, pagode é tão fundamental no Carnaval quanto axé”. Se todo mundo concorda ou não, fato é que a quebradeira sem regras do pagodão tem dominado as avenidas.

A cobertura do Correio Folia conta com o apoio institucional da Prefeitura de Salvador.