Novo semestre começa com velhos problemas na Ufba

Falta de segurança continua a atormentar quem frequenta a universidade

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  • Nilson Marinho

Publicado em 14 de abril de 2018 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

O relógio já beira as 22h e a aula ainda persiste. Seu ônibus passa em menos de cinco minutos e o ponto mais próximo fica a dez minutos de caminhada dali. Se dentro já é complicado, com diversos relatos de assalto, imagina lá fora? Ficar no ponto é ‘pedir’ para ser assaltado. E quando é necessário trabalhar para continuar estudando? Aí é preciso abrir mão de uma, duas, três matérias. Quando a gente se dá conta, está longe de botar a mão no canudo. 

O semestre letivo na Universidade Federal da Bahia (Ufba) começou há uma semana. Mas os problemas continuam praticamente os mesmos dos anos anteriores. No primeiro dia de aula, na semana passada, o campus da Politécnica foi evacuado antes do final das aulas por um problema de segurança: um suspeito de assalto foi baleado e fugiu para dentro do campus, que é protegido por guardas patrimoniais.

“Nossa aula foi cancelada. O coordenador entrou na sala e disse que a polícia pediu para evacuar o campus. Uns professores chegaram a dizer que ouviram tiros”, disse uma estudnate, no dia da evacuação, que pediu para não ser identificada.

A segurança é apenas uma das questões – mas preocupa tanto dentro da universidade como nos arredores dela. As situações citadas acima foram apontados por estudantes ouvidos pelo CORREIO como aqueles que mais dificultam o andamento da vida acadêmica. 

Outro estudante, que preferiu falar sob anonimato, conta que não se sente seguro na Politécnica, onde fica muitas vezes do início da manhã até as 22h para assistir aulas de Engenharia Mecânica, estudar, fazer trabalhos e desenvolver projetos extracurriculares.

“Ninguém tá seguro aqui… nem de ônibus, porque tem muito roubo nos pontos e na rua, e nem de carro. Quem vem de carro pode ser roubado no estacionamento. O prédio tá mais iluminado, o estacionamento também, mas semana passada teve coisa aqui” diz ele, se referindo à evacuação do dia 2. Caixas eletrônicos foram desativados por conta da insegurança gerada. Tinham virado "chamariz" para grupos armados (Foto: Marina Silva/CORREIO) Há quase um ano e meio, o reitor da Ufba, professor João Carlos Salles, lançou uma série de medidas para ampliar a segurança. Na ocasião, a Reitoria informou que gastava R$ 38 milhões por ano com vigilância, portaria e monitoramento eletrônico, o que representava 30% do orçamento de custeio. O CORREIO procurou a universidade para saber qual o montante gasto atualmente, mas a Ufba não se pronunciou até o fechamento desta edição.

Dentre as medidas anunciadas na época estavam a desativação dos caixas eletrônicos instalados em áreas de circulação da universidade, como o da Escola Politécnica e o do PAF I, além da desativação do banco postal que funcionava em Ondina.

Segundo a universidade, a comodidade que os bancos ofereciam não está entre as finalidades essenciais da Ufba e essa decisão foi tomada para proteger a comunidade; os caixas viraram “chamariz para a ação de grupos fortemente armados”. 

Estacionamento O monitoramento de carros e motos, uma das medidas de segurança anunciadas, começou a ser feito no ano passado. Todos os veículos que entram nos campi da universidade são filmados. É solicitado que os motoristas entrem com a janela do carro abaixada - assim o rosto de quem está entrando no local é filmado. Os motociclistas, por sua vez, são parados e precisam se identificar na portaria. 

Alunos afirmaram, entretanto, que no campus do Canela, onde ficam os prédios da Faculdade de Administração, de Educação e o Instituto de Ciências da Saúde, e também na Politécnica, na Federação, o procedimento não é realizado. 

De acordo com a universidade, a experiência é considerada positiva e a segunda etapa, com monitoramento mais efetivo, será iniciada após adaptações em outras portarias de acesso. 

Apenas em 2017, segundo a Pró-Reitoria de Administração da Ufba (Proad), entre 7 mil e 10 mil veículos de alunos, funcionários da Ufba e terceirizados, além de outros prestadores de serviço foram cadastrados. Mas a Proad reconhece que nem todos receberam adesivos ou cartões de identificação.

Ocorrências Como medida de segurança, a universidade lançou, no início de 2017,  o Canal de Segurança, para facilitar o registro de ocorrências dentro da universidade que ameacem a integridade de estudantes, servidores e frequentadores. Procurados, o Canal de Segurança e a assessoria da Ufba não responderam quantas ocorrências foram registradas desde a criação.

Há pelo menos dois registros: em março do ano passado, um grupo armado rendeu os vigilantes do Instituto de Ciência e Saúde, no Vale do Canela. Os criminosos levaram dinheiro de um terminal bancário, além  de três data-shows e três televisores que estavam em salas. 

Em julho do mesmo ano, uma aluna foi assaltada e agredida no estacionamento da Faculdade de Arquitetura, por volta das 21h30. Em outubro, alunos de Matemática foram assaltados duas vezes em dez dias no PAF 1.

Atualmente, a universidade conta com 100 mil colaboradores, dentre eles vigilantes, porteiros e recepcionistas. A universidade tem cerca de 600 câmeras, iluminação e gradeamento.

Do lado de fora, a segurança é reforçada por rondas da Polícia Militar. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), as rondas dão suporte às universidades, não apenas à Ufba, e são intensificadas quando há ocorrência em algum local. Raissa conta que evita alguns dos atalhos dentro dos campi (Foto: Marina Silva/CORREIO) Alunos temem usar atalhos entre campi Como os campi da Ufba são interligados, é comum que estudantes usem atalhos para ir de um local de aula a outro. A famosa escadaria da Escola Politécnica, que dá acesso a Ondina, quebra um galho para muitos alunos. Mas quem passa pelo local reclama da iluminação e do mato alto, como a estudante Raissa Sousa, 19 anos.

“Tem alguns caminhos que são atalhos para outros campi que eu não faço porque sei que a possibilidade de ser assaltada é grande. Ainda mais por ser mulher”, conta a aluna do segundo semestre de Ciências Sociais.

Às vezes, o atalho também é aproveitado como rota de fuga por pessoas mal-intencionadas, como explica um funcionário que não quis se identificar. “A escola tem acesso fácil para Ondina, para a praia, e muitas pessoas usam como passagem. Ano passado, um camarada ficou sentado em um banco perto da entrada principal, em frente à escola, roubou o celular de dois alunos e foi embora”, lembra. 

Ele relata ainda roubo de geladeira, freezer, televisores e carros no local. Apesar disso, ele observa que o número de ocorrências vem diminuindo graças à instalação de mais câmeras.

Procurada, a universidade não confirmou quantos pontos de iluminação novos foram instalados no ano passado. A medida foi anunciada no pacote de 2016. Grávida, a estudante Márcia Vitória Marques vem deixando de pegar o Buzufba (Foto: Marina Silva/CORREIO) Estudantes sofrem com ônibus cheios Para auxiliar no transporte dos alunos, a Ufba conta com cinco Buzufbas, como são chamados os ônibus da instituição. Os veículos são responsáveis por completar quatro roteiros diferentes, dois deles incluem, além dos campi, as residências universitárias.

Em horários de pico, como na hora do almoço, alguns alunos nem conseguem entrar no ônibus, de tão cheio, como a estudante de Farmácia Márcia Vitória Marques, 29, que está no sexto mês de gestação. Se era difícil antes, imagina agora com o barrigão?

“Estou evitando este semestre porque é muito cheio. Ou você briga para entrar, ou briga para achar espaço lá dentro. O número de carros que saem, em um determinado intervalo de tempo, me parece insuficiente”, opina a estudante.

A universidade afirma que, com uma nova licitação, já concluída, serão seis veículos no total à disposição dos estudantes e funcionários, sendo quatro com maior capacidade de assentos.

O percurso do Buzufba também foi alterado para garantir a segurança dos passageiros. Até 2017, quem queria pegar o transporte em Ondina tinha que se dirigir à entrada principal da Ufba, próximo à Escola de Dança,  e esperar do lado de fora da universidade, de onde os ônibus saíam. Atualmente, os ônibus rodam dentro da universidade e, de dentro do campus de Ondina, próximo à Faculdade de Matemática, partem para os outros campi da universidade.

Há também relatos informais de assaltos e casos de assédio dentro dos veículos. A utilização do automóvel, que costumava ser feita constantemente por um público não pertencente à comunidade acadêmica, parece ter sido inibida desde que o transporte passou a sair de dentro do campus de Ondina, como afirma o estudante do curso de Comunicação Levy Teles, 20 anos. “Já tem um tempo que não vejo pessoas de fora usando o Buzufba”, disse ele. A estudante Jocilene Bispo (esq.) contou com ajuda dos colegas para continuar frequentando as aulas (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ufba planeja construir outra residência universitária Estudantes de baixa renda têm desafios ainda maiores para se manter em uma universidade pública. As políticas de permanência, que buscam assegurar que alunos de baixa renda possam concluir o curso, não conseguem atender toda a demanda e, muitas vezes, não cobrem todos os custos. 

A estudante Jocilene Bispo, 38, que está no último semestre do curso de Letras Vernáculas, chegou apelar para os amigos que a ajudavam a continuar frequentando as aulas nos primeiros semestres.

Sem conseguir o auxílio- moradia, cedido pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae), que, de acordo com a estudante, é em torno de  R$ 600 mensais, Jocilene teve que trabalhar em um período oposto às aulas. 

De acordo com a universidade, 1.352 alunos da graduação recebem auxílio-moradia. A Ufba afirma que tem planos de construção de mais uma residência universitária, no campus do Canela, mas que ainda não há previsão para início do projeto. Atualmente, 85 alunos se dividem em duas habitações alugadas pela Ufba para relocar os moradores da Residência Universitária R3.