O antigo cinema Glauber Rocha será reaberto com 800 lugares

Espaço terá livraria, café, restaurante e galeria para exposições de fotos

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  • Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2008 às 13:00

- Atualizado há um ano

O ano era 1973. Numa ensolarada manhã de domingo, uma fila de crianças afoitas continha a muito custo a ansiedade de assistir às peripécias da famosa dupla Tom e Jerry, que seriam apresentadas pela primeira vez no Cine Guarany, na Praça Castro Alves.

Três anos depois, outra fila se formava no mesmo local. Dessa vez, Tubarão, de Steven Spielberg, era exibido no recém-inaugurado Cine Glauber Rocha. Passados mais de 30 anos, o antigo local de exibição penou com o abandono e, agora, ressurge com sua emblemática rosácea abrindo as portas para o Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha.

Fachada do moderno espaço cinematográfico(Foto: Angeluci Figueredo)

Uma década depois do fechamento em 1998, muitos aguardam ansiosos pela reinauguração do cinema no próximo dia 16 e abertura ao público dia 19. O novo espaço, que pertence ao governo do estado, foi arrendado por 15 anos pelo projeto Artplex (espécie de multiplex voltado para os filmes de arte e que faz sucesso em São Paulo há 15 anos).

Cláudio Marques, idealizador e coordenador da iniciativa, conta que a idéia começou de forma tímida e terminou como uma grande e ótima notícia para os amantes da sétima arte.'A Praça Castro Alves é um dos locais mais bonitos e importantes da cidade e estava sem o brilho que merece. Demos o pontapé inicial para uma revitalização necessária da área”, afirma.

Uma das quatro salas do novo espaço que terá um total de 800 lugares(Foto: Angeluci Figueredo)

Adhemar Oliveira, à frente do Espaço Unibanco, diz ainda da importância de unir a experiência da rede Artplex à disposição e carga emocional positiva de Cláudio, sócio local. “O projeto é uma junção dos esforços de muitas pessoas que acreditam na recuperação deste patrimônio histórico e afetivo dos baianos. O Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha será o mais bonito do Brasil”, prevê Adhemar, dono de outras 60 salas entre São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e outras cidades do país.

Beatriz Schmidt, do Instituto Unibanco e Leon Cakoff, criador do mais antigo festival internacional de cinema no Brasil, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, também fizeram parte da reconstrução do Glauber.

Fila na porta do antigo Cine Glauber Rocha, em 1990(Foto: Arquivo)

MODERNIDADE

O projeto que custou cerca de R$6 milhões tem patrocínio do Unibanco através da Lei do Audiovisual da Ancine (Agência Nacional do Cinema), financiamento do Banco do Nordeste e também utilizou recursos próprios dos sócios.

Desde a concepção da idéia se passaram mais de oito anos e a reforma, que durou dois anos e meio, trouxe novidades e modernidade ao local. O prédio abriga quatro salas de cinema com um total de 800 lugares, um café, a livraria Galeria do Livro,um restaurante e um espaço para exposições fotográficas que ficará aos cuidados do Instituto Moreira Sales.

Cláudio Marques reafirma a importância de revitalizar o endereço cultural e histórico da cidade e de iniciar uma nova fase no cinema com o que há de melhor no mercado.“Não podemos desprezar o passado nem ficar refém dele. A referência à memória está lá, mas o projeto aponta para o futuro”, diz.

PROGRAMAÇÃO

Na inauguração, os convidados não assistirão ao último lançamento milionário de Hollywood. As salas do novo Glauber serão dedicadas especialmente, mas não exclusivamente, aos filmes de arte e à produção nacional e baiana. “A idéia é trazerum bom cinema, sem preconceitos e prezando pela qualidade dos filmes”, explica Cláudio.

No dia 16, quando o projetor rodar pela primeira vez, serão as imagens da cópia restaurada de O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), segundo longa de Glauber Rocha, que estarão numa das novas telas.

Segundo Claudio, a família Rocha está muito feliz com o acontecimento e já confirmou presença na inauguração. Quem passa pela Praça Castro Alves pode ver novamente a famosa rosácea criada pelo designer Rogério Duarte para o cartaz de Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber, que ficava na entrada do antigo Cine Glauber Rocha.

Como a versão original foi demolida, ela foi redesenhada por Rogério e ganhou vida pelas mãos do artista plástico Bel Borba com seus típicos mosaicos. Quem frenqüentava o antigo cinema reencontrará os índios de Carybé, que foram devidamente restaurados.

Apogeu, decadência e novo recomeço

Fundado em 1919, o Cine Guarany foi por cerca de 70 anos a principal sala de cinema de Salvador. Moderníssimo na época de sua inauguração, era freqüentado pela elite da sociedade baiana.

Em 1955, após um período de decadência foi reformado e reinaugurado, quando ganhou o formato do telão retangular e som estéreo. Foi lá a estréia do primeiro longa-metragem do cinema baiano: Redenção (1959), de Roberto Pires.

Ao longo do tempo, o Cine Guarany se tornou um importante espaço cultural e todas as estréias de curtas e longas baianos eram feitas no local que, em meados dos anos 60, ainda se tornou palco para debates do Clube de Cinema, liderado por Walter da Silveira,um dos mais importantes críticos de cinema do país.

Anos depois, o Cine Guarany passou por uma nova reforma e foi reaberto em 1982 com o novo nome que homenagearia o cineasta baiano Glauber Rocha, morto em 1981. Por mais de uma década, o Cine Glauber Rocha encantou platéias com a magia do cinema, mas o descaso e o abandono, junto com a chegada das modernas salas de shopping, afastaram o grande público e o Cine Glauber foi fechado em 1998, deixando uma grande saudade para aqueles que o conheceram.

Cláudio Marques conta que certa vez assistiu sozinho à exibição do filme Blade Runner (1982), numa sessão das 16h do velho cinema. Em sua quarta inauguração, espera-se que o cinema encha suas salas de espectadores e inicie mais uma grande fase.

OPINIÃO

Póla Ribeiro, cineasta baiano e atual diretor geral do Irdeb, comemora a reinauguração do espaço e acredita que será um passo importante para a revitalização do local. “Conheci o projeto de perto e está belíssimo. Espero que a Praça Castro Alves fique tão bonita quanto o cinema para funcionar como todos nós desejamos. Minhas expectativas são as melhores possíveis”, finaliza Póla.

José Araripe Jr., diretor de Esses moços, também vê com bons olhos o projeto. “Estava faltando um complexo nesse estilo que abrigasse o cinema de arte e as produções nacionais. A iniciativa é muito positiva e, além de trazer modernidade para o cinema de rua, deve ser a porta de entrada para um grande processo de recuperação da área”, completa. Ele ainda ressalta que tem boas lembranças do antigo cinema na Praça Castro Alves.

CURIOSIDADES

Cine Art 1 e Art 2 - Politeama.

Há cerca de oito anos, o espaço se transformou na igreja evangélica Renascer em Cristo.

Cine Bahia - Rua Carlos Gomes.

Um dos mais antigos de Salvador, inaugurado no início do século passado. Na década de 90, seu espaço passou a ser usado pela Igreja Universal do Reino de Deus.

Cine Tupi - Baixa dos Sapateiros.

Inaugurado em 1956, atualmente é ponto de encontro gay e exibe diariamente filmes pornôs.

Cine Teatro Jandaia - Baixa dos Sapateiros.

Construído em 1911, está fechado há cerca de 15 anos em estado de total decadência. Os planos para uma possível restauração não saíram do papel.

Cine Pax - Baixa dos Sapateiros.

Em estado decadente, o antigo e majestoso Cine Pax está fechado e também aguarda um processo de revitalização.

Cine Aliança (ex-Olímpia) - Baixa dos Sapateiros.

Em 1975, se transformou em uma loja de confecções.

Cine Capri - Largo Dois de Julho

Em 1981, um incêndio destruiu o prédio de um dos cinemas mais requintados da cidade.

Cine Roma - Largo de Roma.

Construído nos anos 40 com a ajuda de irmã Dulce, abrigou o Cine Roma (onde Raul Seixas se apresentava na adolescência) até o início dos 80. Hoje, acolhe a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Mãe e Deus.

(Notícia publicada na edição de 08/12/2008 do CORREIO)