O axé do afoxé Badauê

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  • Da Redação

Publicado em 18 de novembro de 2018 às 05:05

- Atualizado há um ano

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Badauê venha ver qual é é o mais lindo afoxé Candomblé de rua...

Carnaval de Salvador de 1979. Pelas ruas, um mar azul fazendo toda cidade navegar numa retumbante onda ecoada de agogôs, xequerés, atabaques. A partir daquele Carnaval eram 1.000, 2.000, 3.000, sabe-se lá quantas outras tantas mil pessoas vestindo o azul do mar de Yemanjá, o branco da paz de Oxalá, o amarelo da riqueza de Oxum, e ganhando as ruas cantando efusivamente

Nanã nanã nanã nanã nanã nanã nanã Nanã nanã nanã nanã nanã nanã nanã...

E foi assim que “misteriosamente, o Badauê surgiu com sua expressão cultural, o povo aplaudiu”. Criado na Curva do Asilo (nas proximidades do antigo Hopital Juliano Moreira) por um grupo de jovens negros multifacetados nas artes, da capoeira ao teatro, da percussão à dança, da poesia ao artesanato. Jovens Loucos, como se autodenominavam, iam tecendo suas histórias, criando suas formas de vencer o racismo, de se divertir e de expressar suas artes, muitas delas aprendidas ainda na infância nos terreiros de candomblé das próprias famílias espalhados pelo bairro. 13 de maio de 1978, 90 anos depois da abolição da escravatura, “da senzala todo negro ouviu, um grito de alegria e o Badauê surgiu...”

Há 40 anos, aqueles Jovens Loucos do Engenho Velho de Brotas, ao criar um novo afoxé, inspiravam-se tanto na própria ancestralidade, nas vivências familiares com o candomblé, na história de antigos afoxés do bairro, como o Congos d’África, no momento de ressurgimento do Filhos de Gandhy, no conhecimento histórico dos afoxés pioneiros, Embaixada Africana e do Pândegos d’África. Mas, sendo jovens, e ainda por cima “loucos”, eles não hesitavam em vislumbrar o diálogo transgressor, ao ver dos mais ortodoxos, entre o futuro e o passado, entre a vanguarda e a tradição. Os Jovens Louco assumiam beber na fonte dos seus irmãos negros de cor da Liberdade, do Ilê Aiyê, dos movimentos negros daqui e do mundo, do MNU, dos Panteras Negras, do Black is Beautifull e por aí vai.

Assim, o Badauê ia sendo forjado um afoxé revolucionário. Do ponto de vista estético, visual, performático e sonoro, aquele novo afoxé não se acanhava em transgredir a tradição e ao mesmo tempo se aproximar dela. Podemos lembrar, por exemplo, da Senzala Badauê, um carro-palhoça onde desfilavam o Moço Lindo e as Musas Badauê e que se assemelhava aos carros que Nina Rodrigues descreve ao tratar dos primeiros afoxés. Ao mesmo tempo, a Senzala Badauê trazia como inovação a caixas de som, que amplificavam as vozes e faziam as canções ecoarem pelas ruas da cidade. As canções do Badauê, muitas delas compostas para os festivais que aconteciam, também inovavam, pois até então os afoxés só cantavam em iorubá e músicas relacionadas ao candomblé. Já o que era cantado no Badauê, mesmo tendo palavras e elementos que remetiam da religiosidade afrobrasileira, eram cantadas em português e tratavam de temas diversos, como o próprio carnaval, paixões, dentre outros.

Não dá pra falar do Badauê, sem lembrar de Moa do Katendê, um dos principais criadores desse saudoso afoxé, que deu-lhe o nome e muitos dos direcionamentos estéticos, os temas dos carnavais, a mistura com a capoeira, dentre outras tantas contribuições que mudaram determinantemente o rumo dos afoxés, assegurando a sobrevida aos dias atuais dessa emblemática manifestação cultural da negritude.

Hoje, Moa do Katendê tem sido constantemente lembrado pelo triste episódio com motivações políticas que o tirou da vida de maneira violenta, brusca. Infelizmente, Moa não poderá celebrar conosco os 40 anos do seu Afoxé Badauê. No entanto, o seu legado merece uma atenção especial, a memória deste Mestre se relaciona com a memória dos blocos afros e afoxés, do carnaval e da música da Bahia, da capoeira, da cultura afro-brasileira. Os próprios versos do ijexá de Moa, hoje nos consolam e enxugam nossas lágrimas:

Graças à vontade divina Hoje você é maior (...) Não chore não Você é um bom irmão Eternamente será lembrado Seu mundo é abençoado

Chicco Assis é artista, produtor, gestor e pesquisador cultural. Defendeu, em 2017, dissertação de mestrado sobre a memória do Afoxé Badauê, no Pós-Cult/UFBA.