O Bem Amado, de 1973, é retrato do Brasil atual

Novela clássica está no Globoplay. Escritor Paulo Bono sugere série e conheça o canal Entreplanos

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  • Roberto Midlej

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: divulgação

Nós, baianos, quando queremos falar com orgulho de nossa terra, costumamos lembrar, com muita justiça, de Jorge Amado, Caymmi, Rui Barbosa, Bethânia, Caetano... Mas raramente incluímos Dias Gomes nessa lista. 

Por que resistimos tanto em reconhecer a genialidade de um dos maiores dramaturgos brasileiros? Provavelmente, porque ele ficou mais conhecido como autor de telenovelas, gênero que, por muito tempo, foi visto como subproduto da cultura, jamais elevado ao nível de arte. 

Mas a novela O Bem Amado, de 1973, está aí, vivíssima, para mostrar a genialidade de Dias Gomes. Evito usar a palavra “gênio” e derivados, porque essas palavras estão bem desgastadas, mas, neste caso, aplica-se perfeitamente.

A produção que chegou ao Globoplay conta a história de Odorico Paraguaçu, magistralmente interpretado por Paulo Gracindo, que dá vida a um político corrupto e populista que promete construir um cemitério na pequena Sucupira caso seja eleito prefeito. Odorico se elege, cumpre a promessa e se vê diante de um problema: como vai inaugurar o cemitério se ninguém morre em Sucupira?

É aí que aparece Zeca Diabo (Lima Duarte), um matador que chega à cidade com a promessa de que não vai ser preso. A esperança do prefeito é que o pistoleiro mate alguém para finalmente inaugurar sua obra com toda a pompa. Mas Zeca está atrás do perdão divino e jurou que não mata mais ninguém.

Tem também aquilo que poderia ser a “salvação” do prefeito: uma epidemia de tifo chega a Sucupira e finalmente alguém vai morrer. O “problema” é que as vacinas também estão chegando e o médico da cidade vai evitar a disseminação da doença. Odorico promete então interromper a vacinação. Ouve de seu assessor, Dirceu Borboleta: “Mas assim não vamos conter a epidemia!”. “E daí?”, responde o prefeito.

O Bem Amado tinha no elenco ainda Jardel Filho, Milton Gonçalves e Zilka Salaberry. A trilha sonora era coisa finíssima: Toquinho e Vinicius de Moraes compuseram 11 músicas para a novela.

Dias Gomes teve coragem de fazer crítica política no período mais penoso da ditadura, na era Médici. Mas, com ironia, o autor conseguiu driblar a Censura. Não faltam críticas também à Igreja Católica.

Dias Gomes deixou outras obras marcantes na TV brasileira, como Saramandaia, Roque Santeiro e Mandala. Nenhuma delas ainda está na Globoplay. Então, que tal conhecer os textos dele para o teatro? O Pagador de Promessas, é um ótimo começo.

Em tempo: como diz aquela mensagem no final das novelas, qualquer semelhança entre O Bem Amado e a realidade “é mera coincidência.”

Longe do óbvio, Entreplanos é ótima opção para cinéfilos Esqueça aqueles canais de cinema pop, com resenhas superficiais e que só falam do sucesso do momento. O canal Entreplanos, comandado por Max Valarezo, vai na contramão da obviedade e se aprofunda em temas originalíssimos, com um rico trabalho de pesquisa sobre o cinema de diversas épocas e gêneros. Eventualmente, fala também de séries, mas com a mesma originalidade. Que tal entender a relação entre o clássico Tubarão e a pandemia de covid? Quer saber qual a origem da comédia besteirol no cinema? Valarezo é bastante didático, mas em nenhum momento os vídeos caem na monotonia, graças ao ótimo texto e ao olhar atento do jovem youtuber. 

Uma comédia para rebater o dramaPor Paulo Bono, escritor, autor de Espalitando e Sexy Ugly

Em tempo de isolamento social, encontrar uma série bacana é uma tábua de salvação para a sanidade. Aqui em casa, a gente sempre tenta acompanhar duas ao mesmo tempo. Uma mais pesada e outra mais leve pra rebater. Funciona. Por isso, seguem algumas dicas.

Fargo – 4ª Temporada (FX ) Um autêntico Fargo. Estão lá a violência, o humor negro, os personagens curiosos e o frio congelante. A história se passa em 1950 e traz Chris Rock como chefe de uma famí- lia mafiosa e textos geniais sobre a formação do povo americano. 

Euphoria – 1ª Temporada (HBO) Relutei em assistir por achar que era apenas um draminha adolescente. Mas a série é um retrato forte para entender uma geração. São personagens bem construídos e uma fotografia inebriante pra falar de drogas, sexualidade, amizade e relações familiares.  

Segura a Onda – 10 temporadas (HBO)  Como Seinfeld está fora do ar, indico Segura a Onda, do mesmo criador, Larry David. É outra comédia sobre o nada, onde Larry interpreta ele mesmo e traz sacadas geniais sobre o cotidiano e os buracos da sociabilidade. Humor de primeira qualidade. Paulo Bono