O fabuloso destino de Amélia Rodrigues

A história da educadora baiana, única não santa a batizar uma cidade na Bahia, e que continuou escrevendo livros mesmo depois de morta

  • D
  • Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Há exatos 20 anos, um filme lançado na França faria tanto sucesso, mais tanto sucesso, que seria responsável por ditar moda entre mocinhas sonhadoras, de jeitinho tímido e delicadeza transbordante.

O 'Fabuloso Destino de Amélie Poulain', indicado a cinco Oscars (embora não tenha arrebatado nenhum), marcou uma geração feminina no começo do Terceiro Milênio e se transformou em um fenômeno de massa no Brasil, rompendo as cercanias habitualmente restritas das produções europeias.

O ano de 2021 é também redondo por outra fabulosa história, quase xará à parisiense. Em 1861, ou seja, há exatos 160 anos, nascia Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues, ícone em vida — e mesmo depois — na educação, na poesia e no teatro.

Na Bahia, ela é a única mulher civil a batizar uma cidade. Todos os outros nomes femininos são de santas (Santa Bárbara, Santa Brígida, Santa Luzia, Santa Inês, Santa Teresinha, Santa Rita de Cássia etc). Amélia Rodrigues teve uma vasta produção literária e como educadora (Foto: Acervo IGHBA/Divulgação) Entre homens, no entanto, sobram referências não-religiosas nomeando municípios: Lauro de Freitas, Simões Filho, Coronel João  Sá, Miguel Calmon, Luís Eduardo Magalhães, Nilo Peçanha, Dário Meira, Cândido Sales, Elísio Medrado, Aurelino Leal, Licínio de Almeida, Wenceslau Guimarães, Paulo Afonso, Cardeal da Silva, Ruy Barbosa, Érico Cardoso, Euclydes da Cunha, Castro Alves.

Mas quem foi Amélia Rodrigues? E qual sua dimensão histórica a ponto de conseguir romper o machismo vigente e nomear um território recém-emancipado?

De uma família humilde, nasceu na Fazenda Campos, então pertencente a Santo Amaro da Purificação. Desde muito nova, teve acesso à educação formal, por meio dos familiares ligados à Igreja Católica.

"Amélia começa a escrever muito jovem, publica poemas e passa num concurso para professoras e vem pra Salvador. Continua as publicações, tanto de livros quanto em jornais. Ela funda também as escolas mistas, para meninos e meninas, porque tinha a preocupação que as meninas tivessem acesso aos estudos", pontua Carline Silva, professora e doutora em História, que elabora um livro biográfico sobre a célebre educadora.

A historiadora ressalta também o romance 'Mestra e Mãe' (1898) escrito pela baiana. Premiado à época do lançamento, a obra foi adotada em escolas primárias. "Foi um livro de importância no processo de educação de crianças. Esse livro é muito voltado para a educação de meninas, que era uma luta dela. Amélia também escreveu peças de teatro e foi editora de uma revista [A Paladina]. Ela tem uma produção muito vasta e de muito impacto, tanto que é difícil mapear a obra dela completa", diz.

No teatro, escreveu a peça 'Fausta' (1886). Na poesia, publicou 'Flores da Bíblia' (1923). Em 1921, escreve o tratado 'O feminismo e o lar', no qual defende que a mulher pode cuidar bem da casa e do marido, mas isso não a impede de ser emancipada e dona de si.

Além das letras, administrou escolas e espaços educacionais unindo as pontas entre o conhecimento teórico e a vivência prática. Criou escolas mistas em Nazaré e na Baixa do Bonfim, defendendo a bandeira de uma educação inclusiva e religiosa. Em 1909, projeta a Liga Cathólica das Senhoras Bahianas, a fim de promover os dogmas católicos, aos quais devotara sua existência. Busto em homenagem a Amélia Rodrigues (Foto: Acervo IGHBA/Divulgação) Reconhecida na alta sociedade, trocava extensas cartas com governadores, arcebispos e jornalistas reclamando e reivindicando melhorias para os projetos aos quais estava à frente, bem como interesses comuns da cidade. Em uma destas enérgicas missivas pede — e consegue — que JJ Seabra (1855-1942) intervenha contra a demolição do mosteiro de São Bento.

Em 22 de agosto de 1926, aos 65 anos, Amélia Rodrigues morreu em Salvador. Em 1961, o distrito de Traripe é emancipado de Santo Amaro e ganha o nome de Amélia Rodrigues, pois naquele ano era celebrado o centenário do nascimento da escritora.

Continua depois da morte Mesmo depois de sua morte, Amélia Rodrigues continua sua produção. Na doutrina espírita ela é considerada um ser de luz, que faz parte da falange de Joanna de Ângelis, mentora do líder espírita, o feirense Divaldo Franco.

Pelas mãos de Divaldo, Amélia continuou a publicação de suas obras. Escreveu no post mortem os livros 'Até o fim dos tempos', 'Há flores no caminho', 'Luz do mundo' e o infantil 'O Semeador (infantil)'.

"A obra dela tem um viés extremamente religioso. Nas diferentes formas de expressão, poesia, prosa, tratado, vai aparecer a ética cristã. Eu acho que faz muito sentido nesse retorno, nesse mundo espiritual, ela continuar escrevendo. Porque, inclusive, ela morre com a frustração de não ter publicado alguns livros. No último livro, Flores da Bíblia, faltava um volume. Então, faz muito sentido ela continuar querendo publicar em outro plano", diz Caroline Santos.

De fato, é uma fabulosa história, mesmo driblando o derradeiro destino.