O impressionismo caboclo do pintor baiano Alberto Valença

Artista que criava ao ar livre tem 70 quadros exibidos em exposições no Museu de Arte da Bahia e no Museu Carlos Costa Pinto

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  • Roberto Midlej

Publicado em 20 de outubro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: divulgação

O artista plástico baiano Alberto Valença (1890-1983) tinha um jeito peculiar de pintar, que não era muito frequente em sua época e, hoje, quase impossível de se ver. Ele ia para a rua com sua tela, um cavalete, tintas e um banquinho, Escolhia o cenário, sentava e ali mesmo pintava o quadro, que não passaria por nenhum retoque, ao contrário do que muitos contemporâneos costumavam fazer.

Agora, os soteropolitanos vão poder conhecer melhor o resultado desse estilo e poderão descobrir o olhar que Valença tinha sobre locais como Farol da Barra, Monte Serrat, São Lázaro e a Igreja de Santo Antônio da Barra, em registros principalmente da primeira metade do século passado.

Mais de 70 quadros que ele pintou estão em uma exposição retrospectiva que acontece em dois espaços da cidade a partir desta quinta-feira (21): a maior parte do acervo estará no Museu de Arte da Bahia e a outra, no Museu Carlos Costa Pinto, ambos no Corredor da Vitória. Haverá também mais de 20 telas de pintores contemporâneos de Valença, que de alguma maneira se relacionavam à sua obra

A exposição tem curadoria de Luiz Freire, doutor em história da arte, que também assina os textos do evento. "O acervo que o público vai ver é marcado pela paisagem urbana e natural da Bahia, que o aproxima do impressionismo. Clarival do Prado Valladares [crítico de arte] dizia que era o impressionismo caboclo, baiano", diz Luiz.

Valença tinha uma "fixação" pela luz e, como ele pintava ao ar livre, qualquer mudança que houvesse na luz poderia interferir em sua obra. "A realidade que ele via enquanto pintava era fugidia, qualquer nuvem que passasse tirava o jogo de sombras e mudava a realidade", diz Luiz. O curador acrescenta que o artista usava de pinceladas soltas, porém não tão soltas como os impressionistas. Pintura de 1927 retrata a Bretanha, onde Valença vivia na época Vida Valença começou a pintar no Liceu de Artes e Ofícios, onde foi aluno de Manoel Lopes Rodrigues, que mais tarde o levou para a Escola de Belas Artes. Formado, ganhou bolsa para estudar na França, na prestigiada Academia Julian, em Paris, frequentadas em outros tempos por nomes importantes como Marcel Duchamp (1887-1968) e Henri Matisse (1869-1954). "Mas a pintura dele àquela altura já tinha certa maturidade e qualidade", ressalta Luiz.

Depois de concluir os estudos na Julian, Valença foi para a região da Bretanha, na França, que costumava atrair pintores por causa de sua luz. Lá, como fazia em Salvador, ele continuou pintando ar livre. "Toda a geração dele pintava determinadas paisagens parecidas da Bretanha. Na exposição, estão, além das telas que ele pintava em Salvador, algumas que pintou na França", observa o curador.

Depois de cerca de dois anos na França, Valença passou uma temporada no Rio de Janeiro - então capital do país -, já que o mercado de arte era mais aquecido lá que na Bahia. "Passou de dois a três anos no Rio, ensinou desenho, expôs em galerias e recebia encomendas de retratos, como o de Ana Cerqueira Lima, que rendeu a ele a Medalha de Prata no Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro", lembra Luiz.

Em seguida, retornou definitivamente para Salvador, onde se tornou professor da Escola de Belas Artes e se casa com Letícia Machado, que havia sido sua aluna. Depois de cinco anos de casado, Leticia morreu, aos 34 anos. A viuvez precoce marcou a vida de Valença, segundo Luiz: "Ele já tinha um propensão à melancolia e a morte dela o deixa ainda mais melancólico. Então, a relação dele com a pintura se torna mais visceral. A arte passa a ser a voz mais 'alta' dele".

Livro narra trajetória do pintor

Nesta quinta-feira (21), além da abertura da exposição, acontecerá a partir das 19h, no MAB, o lançamento do livro Conversando com a Pintura de Alberto Valença: um Romance Biográfico, de Vera Spínola, nora do artista, doutora em Administração e bacharel em Letras pela Ufba. Também haverá um concerto lírico no auditório do Museu, no mesmo horário, com acesso limitado a 50 pessoas. Valença, pintando ao ar livre, como de hábito Vera, embora seja nora do artista, não chegou a conhecê-lo. A curiosidade sobre a obra do sogro surgiu na faculdade de letras, quando ela decidiu escrever um conto com base em um retrato que Alberto havia pintado. A partir daí, ela passou a se interessar pela obra dele e começou a pesquisar. Dedicou-se ao livro a partir de 2014 e só agora pôde lançá-lo, sem patrocínio ou edital.

Para se aprofundar na vida de Valença, ela foi a Paris e visitou a "herdeira" da Academia Julian, onde ele havia estudado. Também visitou o Rio de Janeiro, onde ele viveu e ali conversou com colecionadores que tinham quadros do artista.

Segundo Vera, o livro dá uma ideia do contexto em que o pintor viveu, fala também dos artistas com quem ele convivia e mostra a importância que alguns mestres franceses tiveram para o baiano, além de Manoel Lopes Rodrigues, seu mestre local. O livro resgata 133 pinturas do pintor, selecionadas a partir de depoimentos de familiares, de artistas e de ex-alunos. Estará à venda no MAB por R$ 120.

SERVIÇO Exposição Conversando com a Pintura de Alberto Valença  Dia 21, às 13h Lançamento do livro Conversando com a Pintura de Alberto Valença: um Romance Biográfico, de Vera Spínola  Dia 21, às 19h Local: Museu de Arte da Bahia (MAB) Abertura da Exposição no Museu carlos Costa Pinto

Dia 21, às 14h30

Visitação até 30 de janeiro.